Multinacionais devem ter os piores resultados no Brasil em mais de uma década

Recursos que as empresas vinham investindo até pouco tempo atrás em um mercado emergente que costumava ser um dos favoritos dos investidores já não estão mais dando retorno.

Quando várias multinacionais começarem a fechar o balanço do terceiro trimestre, nas próximas semanas, seus diretores financeiros provavelmente constatarão uma dura realidade: os resultados mais fracos registrados no Brasil em mais de uma década.

A Medtronic, fabricante de equipamentos médicos, está mais preocupada com a turbulência política e econômica do Brasil, oitava maior economia do mundo, do que com a desaceleração da China, enquanto a FMC, do setor de químicos, vem "agressivamente" reduzindo suas operações brasileiras.

Já a alemã Continental, do ramos de autopeças, avalia que a queda nas vendas de automóveis, a carga fiscal e problemas regulatórios tornam os negócios mais difíceis numa região que é muito grande para ser abandonada.

"Reconhecemos que o custo de se fazer negócios no Brasil deverá continuar elevado, muito provavelmente além da temporada de 2015 e 2016", comentou o diretor financeiro da FMC, Paul Gravestold, durante recente conferência com investidores.

Há poucas semanas, a Standard & Poor's retirou o grau de investimento que o Brasil manteve por sete anos. Além disso, o real vem operando nas mínimas históricas ante o dólar, a economia está em recessão e a inflação está bem acima da meta do governo.

Em muitos casos, isso significa que os recursos que as empresas vinham investindo até pouco tempo atrás em um mercado emergente que costumava ser um dos favoritos dos investidores já não estão mais dando retorno. A pressão, que vem de todos os lados, está levando as companhias a rever suas operações.

O Orçamento do Brasil para 2016, que foi anunciado este mês e ainda precisa ser aprovado pelo Congresso, propõe a recriação de um polêmico imposto sobre transações financeiras, a CPMF. A ideia é que o tributo ajude a reduzir o déficit orçamentário do País ao impor uma taxa de 0,2% sobre operações financeiras.


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A expectativa é que o imposto gere cerca de US$ 8,4 bilhões anualmente e virá junto com a retirada de uma série de incentivos fiscais concedidos às empresas. Segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a medida da CPMF será temporária e não ficará em vigor por mais que quatro anos.

A FMC diz que está reduzindo sua receita no Brasil, ao abrir mão de clientes menos lucrativos, e, ao mesmo tempo, revendo as operações locais para diminuir custos.

Os olhos de muitos executivos estão voltados para a saúde econômica da China, mas os problemas do Brasil preocupam as empresas tanto quanto ou até mais.

"Se há um país sobre o qual eu diria que estou mais preocupado, não é a China, é provavelmente o Brasil", disse o diretor financeiro da Medtronic, Gary Ellis.

De fato, mais de uma em cada cinco empresas que integram o S&P 500 citaram o desempenho do Brasil em suas teleconferências mais recentes sobre resultados trimestrais.

O Brasil é, por exemplo, o maior mercado da Avon, tendo respondido por quase US$ 1,9 bilhão em vendas da empresa de cosméticos no ano passado, quase o dobro do resultado nos Estados Unidos. No caso do fabricante de tintas Sherwin-Williams, o País é seu segundo maior mercado, depois dos Estados Unidos.

Além das dificuldades econômicas, o escândalo de corrupção que atingiu a Petrobrás levou o governo e bancos a ficarem atentos a quaisquer saídas de capital.

A Sherwin-Williams acredita "que o escândalo da Petrobrás tem ramificações por todo o País", afirma seu diretor financeiro, Sean Hennessy, e os problemas domésticos estão afetando as operações da empresa na Ásia porque a petroleira usa revestimentos da marca em alguns de seus produtos.

Para certas companhias, transferir os lucros excedentes no Brasil para outras partes do mundo é uma tarefa difícil. "Você não pode mais simplesmente tirar dinheiro do Brasil", afirmou Wolfgang Schäfer, diretor financeiro da Continental. Segundo Schäfer, as empresas precisam pagar impostos sobre recursos que deixam o País e uma ampla documentação é exigida para justificar a retirada de capitais.

Apesar dos problemas, o Brasil, assim como a China, oferece grandes oportunidades de crescimento e muitas empresas se sentem obrigado a permanecer no País. "É um mercado que produz cerca de três milhões de carros (por ano), no momento", lembrou Schäfer. "Precisamos continuar (no Brasil) e, por isso, não estamos investindo menos, mas os negócios estão mais difíceis."

Mercado promissor

Nem todas as companhias estão insatisfeitas. A Prudential Financial, por exemplo, diz que fora do Japão, onde a seguradora também cresce, o aumento anual de US$ 14 milhões que registrou nas vendas do segundo trimestre foi gerado principalmente pelo Brasil.

A Zoetis, empresa do segmento de saúde animal, diz que sua unidade voltada ao mercado pecuário brasileiro teve forte desempenho no trimestre encerrado em junho.

Além disso, companhias como a Avon não têm outra escolha a não ser permanecer no Brasil. Durante teleconferência, em julho, o diretor-financeiro da empresa, James Scully, disse que a receita no País caiu 6% na comparação anual do segundo trimestre, desconsiderando-se os efeitos negativos da conversão cambial. Em junho, o governo brasileiro elevou impostos sobre cosméticos, decisão que foi responsável por dois terços da queda no resultado da Avon.

O Brasil é conhecido por ter uma rígida legislação tributária. De acordo com o Banco Mundial, os especialistas em tributação das empresas precisam de cerca de 2.600 horas por ano, em média, para destrinchar as exigências fiscais. Na China, essa média é de 261 horas. Nos EUA, de 175 horas.

No que diz respeito à eficiência da legislação tributária para incentivar investimentos, o Brasil está em 139º lugar entre 143 países, segundo estudo do Fórum Econômico Mundial.

"O Brasil é obviamente desafiador, no momento", disse uma porta-voz da Avon. "Mas estamos comprometidos no longo prazo", completou. 


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