Fonte: Envolverde - 07/06/07
Os gases causadores do efeito estufa das represas hidrelétricas podem ser capturados para gerar mais energia e evitar um agravamento da mudança climática, afirmam cientistas brasileiros.
Hidrelétricas são mais sujas do que se supunha, pois suas represas em áreas tropicais, especialmente se são florestais, emitem muitos gases que provocam o efeito estufa devido à decomposição de material orgânico. Porém, este mal pode ser benéfico e ampliar a energia gerada. Algumas centrais amazônicas admitem uma capacidade de geração agregada de 27% a 53%, com o aproveitamento do metano que escapa da água que passa pelas turbinas e pelos vertedouros, assegurou Fernando Ramos, baseado em um estudo que fez com dois colegas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nas represas de Balbina, Samuel e Tucuruí.
O que seu grupo propõe é extrair o metano do fundo das represas, onde é maior a concentração desse gás. Com investimentos de US$ 100 milhões pode-se capturar um milhão de toneladas de metano por ano em Tucuruí, a segunda maior hidrelétrica do Brasil, na Amazônia oriental. O retorno, considerando os preços atuais do gás, chegaria a 79%, muito acima dos 25% esperados em projetos brasileiros de energia renovável. Um milhão de toneladas de metano equivalem a 1.760 megawatts, potência de uma grande central hidrelétrica, e superior à da terceira usina nuclear que se estuda construir no país.
Assim, o metano poderia substituir várias hidrelétricas planejadas para a Amazônia, rechaçadas por ambientalistas porque inundam grandes extensões de florestas e provocam outros danos ecológicos e sociais. O gás poderia ser armazenado e transportado para consumo em outros lugares, mas seria melhor construir uma central termelétrica, aproveitando a infra-estrutura já instalada para transportar a eletricidade, afirmou Ramos ao Terramérica. Além disso, trata-se de evitar emissões de gases que contribuem para a mudança climática, o que pode gerar créditos de carbono e tornar o projeto mais rentável.
“Essa idéia tecnológica atende os critérios do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)”, previsto no Protocolo de Kyoto (1997), e pode entrar no mercado de carbono, confirmou Pablo Fernández, gerente de Implementação de Projetos MDL da EcoSecurities, embora admitindo “não ter claro como se fará a captura do metano”. A EcoSecurities é a empresa que fez o primeiro projeto brasileiro que conseguiu créditos de carbono, o NovaGerar, que extrai gás de um grande lixão na periferia do Rio de Janeiro para gerar energia.
“Não há dúvidas sobre a possibilidade técnica” de recuperar o metano das represas, já que o gás sai quando a água passa pelas turbinas e “a pressão cai bruscamente, produzindo bolhas”, em um processo semelhante ao de abrir uma garrafa de refrigerante, afirmou Ramos, que é engenheiro mecânico. A idéia é criar um sistema de tubulações semelhante às de um aspirador de piscinas, instalado em uma barcaça que se desloca pela represa, buscando os locais de maior concentração de metano.
A nova tarefa, que o grupo do Inpe espera terminar até o final do ano, é um projeto-piloto para comprovar sua viabilidade econômica, anunciou Ramos. “É uma idéia nova, ainda não oficializada no MDL, que precisa amadurecer muito” em detalhes técnicos e no inventário do metano nas represas brasileiras, acrescentou. Outras represas, inclusive fora da Amazônia, podem ter altas concentrações de gás por causa do material orgânico que recebem, prosseguiu o engenheiro. Os cientistas descartam capturar o metano nas turbinas, pois as empresas de eletricidade rejeitam um projeto que afete o funcionamento das centrais. Assim, optou-se por operar antes que a água passe por elas.
Por outro lado, Alexandre Kemenes, pesquisador do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, propõe capturar o gás que sai da água “durante e depois da passagem pelas turbinas”. É mais factível, pois a área será limitada e se aproveitará instalações já existentes, e é melhor para o meio ambiente porque também permitirá recuperar o carbono, disse ao ser entrevistado. Kemenes já registrou um pedido de patente no Brasil e no exterior para o “sistema e método de aproveitamento do biogás” que projetou. Ele fala de biogás porque aproveita a mistura emitida nas turbinas, onde predominam o metano e o carbono.
No caso da represa de Balbina, no Amazonas, o biogás tem apenas 43% de metano, o que exige sua purificação ou enriquecimento para servir à geração elétrica, que exige um mínimo de 45% de metano. Balbina tem um potencial gigantesco, já que emite gases que representam dez vezes o proporcionado ao aquecimento global por uma central termelétrica de igual capacidade, usando combustíveis fósseis, ou 1% das emissões de São Paulo, a maior e mais rica metrópole brasileira, destacou Kemenes.