Brasil reforça protecionismo, mas cobra avanço do setor automotivo

Especialistas explicam as consequências do novo regime automotivo para a indústria automobilística brasileira

A indústria automotiva brasileira terá a partir do próximo ano um ambiente interno mais protegido contra importações, e o preço cobrado pelo governo por isso deverá vir na forma de vultosos investimentos que devem levar os carros nacionais a níveis mais próximos da tecnologia usada nos Estados Unidos e na Europa.

As regras do novo regime automotivo de 2013 e 2017 devem estimular a indústria local de autopeças e incentivar a compra de insumos como aços especiais mais leves, que passarão a ter demanda maior diante das exigências para redução de consumo de combustível em ao menos 13,6% até 2017, segundo especialistas da indústria.
 
A associação de montadoras Anfavea calcula que apenas os aportes em pesquisa, desenvolvimento e engenharia exigidos pelas novas regras serão da ordem de R$ 13,8 bilhões, além dos investimentos de R$ 44 bilhões previstos anteriormente pelo setor para até 2015.
 
Por enquanto, a cobrança de um maior nível de produção local não causou nenhuma baixa importante no mercado nacional, tomando como base o salão internacional do automóvel de São Paulo, que acontece nesta semana.
 
O evento terá pela primeira vez presença de líderes globais da indústria, como os presidentes-executivos da General Motors, Dan Akerson, e da Volkswagen, Martin Winterkorn.
 
Além disso, o salão contará com participação recorde de 49 marcas de 38 montadoras que exibirão 500 veículos de olho em um mercado que pode passar de 3,8 milhões de veículos vendidos em 2012 para 6 milhões em 2020, segundo estimativas do setor.
 
"O regime automotivo busca trazer produção de verdade para o Brasil, não montagem apenas. Empresas que provavelmente pensavam em ter por aqui apenas uma montadora de peças prontas produzidas lá fora vão ter que pensar num investimento mais abrangente", disse o analista do setor automotivo Marcelo Cioffi, da PricewaterhouseCoopers.
 
Ele citou como exemplo uma típica fábrica completa com capacidade para 250 mil veículos por ano e que exige investimentos de pelo menos R$ 1 bilhão, enquanto uma unidade de montagem de peças exige metade do valor.
 
Isso deve estimular a indústria brasileira de autopeças, pois vai cobrar um uso maior de componentes locais, afirmaram analistas do Credit Suisse em relatório recente.
 
"Também há potenciais benefícios para companhias voltadas a motores e transmissões como a Mahle Metal Leve, que poderão trabalhar em conjunto com montadoras no desenvolvimento e melhora de motores", escreveram.
 
Mais tecnologia, mais competitivo?
O decreto do novo regime automotivo foi anunciado em meio a uma série de medidas do governo para proteger o mercado interno e estimular a economia, que incluíram limites ao acordo comercial com o México e aumento de 30 pontos percentuais em imposto sobre veículos importados de outras regiões fora do Mercosul.
 
Mas analistas têm dúvidas sobre a competitividade internacional dos modelos produzidos no Brasil após o regime.
 
"Não tenho dúvida que em uma década, se houver continuidade do regime, o Brasil estará produzindo carros totalmente alinhados com o que existe lá fora", disse o diretor da sociedade de engenheiros automotivos SAE Brasil, Reinaldo Muratori.
 
"Mas se serão competitivos para exportação, isso não depende do conteúdo dos carros, mas da estrutura de custos das montadoras, algo que ficou fora do regime automotivo", acrescentou.
 
Em termos de emissões de gás carbônico, os veículos brasileiros em 2017 terão nível próximo do exigido na Europa, de 130 a 140 gramas de CO2 por km rodado. Atualmente, veículos novos no Brasil emitem 170 g/km de CO2, em média.
 
Segundo Muratori, essa redução no consumo e nas emissões de CO2 vai obrigar a indústria a "usar todo o seu arsenal" de tecnologias, como uso de aços mais resistentes que permitem redução de espessura de chapas de carrocerias e uso de turbina com alterações em taxas de compressão de motores.
 
Como o objetivo de eficiência energética vale para a média da produção das empresas, ele não descartou a introdução de motores com cilindradas abaixo de 1.0, inclusive.
 
A japonesa Toyota, que até recentemente produzia no país apenas o sedã Corolla, com motores 1,8 e 2.0 L, passou a fabricar o compacto Etios, com propulsores mais econômicos de 1.3 e 1.5 L, em uma nova fábrica. A coreana Hyundai também entrou no segmento com o compacto HB20 em versões 1.0 e 1.6.
 
Importadores
Do lado dos importadores, após o regime automotivo ficou claro que apenas os que vendem altos volumes poderão se aventurar nos investimentos necessários para construção de linhas de produção no país com as etapas suficientes para terem direito ao desconto de 30 pontos percentuais no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
 
"O crescimento foi estancado. As marcas estrangeiras de menores volumes dificilmente vão anunciar instalações fabris, porque não será economicamente viável", disse o diretor financeiro da associação de importadoras Abeiva, Ricardo Strunz, entidade que representa 29 marcas sem fábricas no Brasil.
 
Pelo regime, o teto de importação de veículos produzidos fora do Mercosul e México foi estabelecido em 4.800 unidades por ano ou 400 carros por mês por empresa. O que passar disso paga 30 pontos percentuais a mais de IPI.
 
Após a publicação das regras, no início de outubro, a chinesa JAC anunciou a retomada da construção de uma fábrica no país.