Notícias
Depois das incertezas trazidas pela pior crise sanitária dos últimos cem anos, foi a vez do apagão de insumos e matérias-primas testar a resiliência da indústria brasileira. A oferta de papelão, celulose, resinas, tijolos, cimento, derivados do alumínio e produtos de cobre, por exemplo, encolheu no portfólio dos fornecedores. E com o aço, essencial no setor metalmecânico, não foi nada diferente.
Levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) feito com 314 empresas entre 2 e 4 de setembro retratou o desabastecimento da cadeia produtiva no país. Segundo a pesquisa, à época, 62% dos negócios declararam dificuldade na obtenção de diferentes itens básicos de produção, e o aço aparece na parte de cima da lista, atrás apenas do papelão - em alta com o fluxo intenso do setor de entregas a domicílio.
Nesta quarta-feira (28), uma pesquisa realizada pela FIESC e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) também revelou que 50,5% das indústrias catarinenses consultadas não podem aumentar a produção por conta da escassez de matérias-primas.
Em praticamente todos os casos, o comportamento – ainda percebido – é parte de uma resposta à conjuntura multifatorial desencadeada pela pandemia do coronavírus.
Apesar das boas expectativas para o ano, a crise da Covid-19 reduziu a atividade industrial a patamares drásticos no primeiro semestre de 2020. Dados da CNI mostraram, em maio, a redução ou a paralisação em 76% das indústrias do país, desaceleração que veio da queda da demanda e da diminuição da oferta de matérias-primas, cuja logística de entrega foi fortemente afetada pela desarticulação do transporte.
Mas medidas de socorro à economia, como diminuição nas taxas de juros, e a injeção de renda por meio do auxílio emergencial provocaram uma reação inesperada, sem dar tempo para a atividade industrial retomar seu fôlego normal.
Continua depois da publicidade |
“Em março, entramos na pandemia e não sabíamos quando iríamos sair. Todo mundo reduziu a produção, atendeu os remanescentes. Só que, de repente, a economia foi retomando e ninguém sabia ao certo qual era a força dessa retomada na gestão estratégica dos insumos”, explica André Rebelo, economista da Fiesp. “A gente teve uma indústria de base que caiu, e segmentos adiante queimando estoques. Quando voltou, com essa série de medidas do governo, a retomada foi muito forte. Aí os que estão mais para frente na cadeia de produção estão sem matéria-prima para atender os pedidos e repor os estoques”, complementa.
Por causa da pandemia, 13 fornos da malha siderúrgica do país foram desligados. Com a decisão, o setor passou a operar com apenas 42% da capacidade instalada. Hoje, 9 deles já foram retomados, mais ainda há desequilíbrio entre demanda e oferta.
Indicadores recentes divulgados pelo Instituto Aço Brasil (IABr) mostram que, em setembro, a produção de aço caiu 4,7% na comparação com o mês de agosto, principalmente por causa da retração da produção de semiacabados. Na outra ponta, as vendas internas continuaram com elevação expressiva e cresceram 7,1%, no mesmo período comparado.
“No caso do aço, o desligamento de vários altos fornos foi uma medida extremada porque não se sabia o que iria acontecer, havia muita incerteza. Mas desligar e depois ligar um forno leva muito tempo, custa muito caro, precisa de muita manutenção. Não é só ligar e pronto”, pondera o economista, para quem a harmonia entre oferta e demanda deve se estabilizar até o fim do ano.
De acordo com dados do IABr, no acumulado do ano até setembro, a produção brasileira de aço bruto somou 22,3 milhões de toneladas. O total é 9,7% menos do que o registrado no mesmo período do ano anterior. A produção de 15,5 milhões de toneladas de laminados também encolheu e foi 10,8% menor do que no mesmo acumulado de 2019.
Foi entre os laminados a maior percepção de escassez na indústria, de acordo com o levantamento da Fiesp. Conforme a pesquisa, aços planos, usados na fabricação de chapas e bobinas, foram o segundo insumo mais em falta na lista dos dez elencados pela entidade. Aços longos também integram o sétimo lugar do levantamento.
Para Rebelo, embora a falta de aço tenha prejudicado diversas frentes industriais, as indústrias dominantes ainda conseguiram garantir insumo por meio de contratos mais assertivos e que, na maioria das vezes, são cumpridos com menos etapas de intermediação.
“Vemos que afetou principalmente as indústrias abastecidas em uma cadeia mais pulverizada, e também as que exigem insumos mais específicos. É uma lógica de mercado, quem funciona com produtos mais padrão sofreu menos que os que usam uma liga específica, por exemplo, até mais difícil de repor por causa do preço”, complementa.
A falta de matéria-prima e a alta na demanda saturou a produção da Perfimec, empresa de médio porte São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, que trabalha com produtos e serviços em aço. A fábrica atende diferentes setores do mercado, como construção civil e estruturas metálicas, setores automobilísticos, agrícolas e portuário e de máquinas e equipamentos, muitos dos quais tiveram uma retomada forte nas atividades depois do auge da pandemia.
Mas mesmo com a procura aquecida, a empresa precisou abdicar de pedidos por não ter onde comprar aço. “Nós estamos recusando pedido ou estamos programando a nossa compra junto com os clientes. É uma negociação. Avisamos quando o material vai chegar e se ele quer que a gente reserve, compre da usina diretamente para ele. É uma compra casada. E o cliente acaba aceitando receber a mercadoria daqui 30, 40 dias, o que não era usual”, relata Danny João Berté, presidente do Conselho Consultivo da Perfimec e vice-presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas Mecânica Material Elétrico do Estado do Paraná (Sindimetal-PR).
De acordo com o empresário, a situação reflete um impacto geral, sentido em várias outras empresas do estado. Com a Perfimec, a entrega do fornecedor chegou a diminuir 60% em relação ao que era antes da pandemia, limitação que fez com a empresa buscasse outras fontes, mas com custos mais elevados diante do movimento do mercado.
Setores que dependem do aço não vêm enfrentando apenas um sumiço dos recursos. A maioria também viu o preço do aço disponível inflar, já que a desvalorização do dólar frente ao real cresceu significativamente ao longo da crise. O novo tabelamento tornou a exportação muito mais atrativa e pressionou ainda mais o mercado interno.
Com aços planos, os valores chegaram a ficar 20% mais altos entre janeiro e agosto deste ano, índice que chega a 8% para o aço longo. Contudo, o estudo ressalta que a percepção dos consumidores industriais é de uma elevação ainda maior, provavelmente devido aos diferentes portfólios de produtos.
O Rio Grande do Sul vive momentos apreensivos com a falta de aço e com a explosão dos preços do insumo. Conforme o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e região (Simecs), a média do custo ficou 65% maior desde março. A nova tabela dos valores do aço fez a entidade notificar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública que acompanha a conduta dos preços praticados no mercado.
O aumento foi tanto que uma pesquisa divulgada na última sexta-feira (23) pelo Simecs, realizada entre os dias 21 de setembro e 09 de outubro para analisar a progressão dos efeitos da pandemia da Covid-19 nas empresas associadas, mostra que, agora, o maior obstáculo enfrentado pelas indústrias locais não é mais a queda de faturamento, mas sim a falta de insumos e problemas para obter matéria-prima.
“A taxa cambial, se essa é a razão, aumentou 36%. Não justifica o valor que temos agora. As usinas estão realmente com alguns fornos desligados, mas estão usando esse tempo para recompor preços. Existe falta de materiais, sim; com a taxa cambial é melhor exportar do que vender para o mercado internos, sim. Mas também há uma recuperação de preços dessas indústrias e, então, nós estamos sendo refém de vários fatores”, argumenta Ruben Antonio Bisi, vice-presidente do Simecs.
No Paraná, há expectativas de que o preço do aço chegue a um valor 50% maior no início de 2021 do que o praticado no começo de 2020. Mas, mesmo assim, a procura e a previsão de estabilidade da produção nos próximos meses podem aliviar a pressão sobre o setor industrial.
A demanda em crescimento já esgotou a capacidade produtiva da Perfimec. Segundo Berté, o quadro que chegou a ter 30% dos colaboradores demitidos e mais 20% deles afastados temporariamente voltou a se recompor em 100% em junho e hoje já está 25% maior do que no período anterior à crise. A logística agora é correr o máximo possível para dar conta do que é possível produzir com o material que está disponível.
“Tem um lado bom que esse mês vamos bater nosso recorde. No nosso 9º dia do mês de outubro, atingimos a meta que era para o mês de outubro de antes da pandemia. É uma situação muito boa, claro, mas se nós tivéssemos material quase duplicaríamos o nosso faturamento”, lamenta o empresário.
E os índices da empresa paranaense não estão isolados. Conforme levantamento da CNI com dados de agosto, a recuperação acelerada fez com que o faturamento da indústria da transformação ultrapassasse o nível de antes da pandemia. Os dados da entidade mostram que, na comparação com julho, o faturamento aumentou 2,3%. Na comparação com abril, foi ainda maior: 37,8%. Ainda segundo a CNI, o desempenho ajudou o nível de emprego industrial a chegar próximo do patamar pré-crise.
O Instituto Aço Brasil, entidade representativa das empresas brasileiras produtoras de aço, foi procurada para se posicionar sobre o impacto dos preços elevados do insumo no mercado, mas não se manifestou.
A entidade, no entanto, reforçou o contexto de crise criado com a chegada da Covid-19 no Brasil, quando as “as empresas produtoras de aço passaram a operar com apenas 42% da sua capacidade instalada, a desligar altos fornos e paralisar outras unidades de produção”.
O instituto também citou a retomada da atividade econômica mais rápida do que o previsto e afirmou que, hoje, as empresas já estão operando com praticamente todos os equipamentos que foram desligados, frente a um aumento nas vendas internas de produtos planos e longos. “Nesse momento, a indústria brasileira do aço, que opera ainda com 37% de ociosidade, vem fazendo um esforço grande para atender, além da demanda normal dos setores consumidores, pedidos adicionais para recomposição de estoques dos clientes e atendimento da rede de distribuição. É um período de ajustes que exige previsibilidade por parte dos setores consumidores para que as empresas produtoras de aço possam fazer suas programações”, diz o texto.
*Angieli Maros especial para o CIMM.
Gostou? Então compartilhe:
Faça seu login
Ainda não é cadastrado?
Cadastre-se como Pessoa física ou Empresa