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A AEB (Agência Espacial Brasileira) está negociando com empresas estrangeiras que demonstraram interesse em utilizar o CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), no Maranhão, para lançamento de microssatélites. De olho em um mercado bilionário - e que deve triplicar de faturamento em duas décadas -, o Brasil tenta se posicionar como polo lançador de pequenos foguetes, apoiado pela localização estratégica do centro. Até por conta disso, o CLA vai mudar de nome e será chamado de CEA (Centro Espacial de Alcântara).
Em novembro do ano passado, o Senado aprovou o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da base espacial de Alcântara, o que permite o uso comercial do local. Com isso, o Brasil pode receber empresas e entrar no mercado espacial, que movimenta hoje em torno de US$ 350 bilhões (R$ 1,5 trilhão) ao ano. Segundo a AEB, esse mercado deve alcançar US$ 1 trilhão (R$ 4,4 trilhões) em 2040. A ideia "conservadora" do Brasil é fisgar ao menos 1% desses negócios - ou seja, US$ 10 bilhões (R$ 44 bilhões) por ano a partir de 2040.
Ao Tilt, o presidente da AEB, Carlos Augusto Teixeira de Moura, afirmou que o Brasil já está em negociações com empresas, de pequeno e grande porte, para uso do centro para lançar pequenos satélites. A ideia é que existam acordos fechados em breve.
"Com o acordo passamos a ter conversas mais práticas. Estamos vendo o que seria viável fazer em Alcântara. Saímos da fase de especulação. Não posso divulgar nomes, mas existe, por exemplo, um grupo forte querendo se instalar em Alcântara para lançamentos de grande porte. Estamos abertos a todas as possibilidades " - Carlos Augusto Teixeira de Moura. presidente da AEB
Alcântara é um um dos melhores locais do mundo para lançamento de foguetes por conta da localização: próxima à linha do Equador, ela faz com que os custos sejam até 30% menores com a boa capacidade angular de órbitas.
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Moura diz que, apesar de Alcântara não descartar projetos maiores, o nicho a ser explorado neste primeiro momento são os pequenos satélites de órbita baixa. "A gente quer demonstrar que Alcântara é um local privilegiado e,viável", explica.
Qual a estrutura do CLA
O CLA está preparado hoje para lançamento de pequenos satélites, com até 200 kgs, para órbita baixa a média - a cerca de 600 km de altitude.
Com essa estrutura, o centro pode receber empresas que não precisariam adaptar nada. "Ela traz o foguete, chega lá nas áreas de plataformas de lançamento e pronto. O restante (radares, aparelhos de meteorologia, tecnologia) já temos", conta.
Com essa possibilidade, a AEB acredita que as negociações podem render negócios fechados rapidamente. Caso isso ocorra, a movimentação no centro levaria a um ecossistema de empresas do setor na região.
"No caso de Alcântara, vamos desenvolver um serviço de lançamento espacial. Só que esses serviços precisam de uma série de apoios: propelentes, querosene, oxigênio, hidrogênio etc.. Então esse serviço espacial será o grande chamariz, vai necessitar de um conjunto muito grande de coisas. O centro de lançamento plenamente operacional vai desenvolver a região, pois vamos ter investirmos para ter técnicos bons, logística, energia", diz.
Mercado bilionário
Segundo Dino Lincoln, professor de pós-graduação em design e engenharia aeroespacial da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), o mercado que o Brasil se lança é o mais promissor da área espacial.
"Aquele mercado de grandes satélites, mais pesados, vai entrar em crise nos próximos anos, em contraste com os microssatélites. Hoje em dia, com o avanço da tecnologia, a gente consegue miniaturizar melhor os componentes. Então eles vão ser a próximo onde do mercado, vai girar em torno de R$ 320 bilhões por ano", afirma.
Para ele, o número de satélites no espaço vai crescer em grande número. "Para você ter uma ideia, temos hoje 2.500 satélites em órbita. Nas próximas décadas, só a SpaceX quer lançar 42 mil. Esse mercado vai pipocar nas próximas décadas. Não é coisa de um ano ou dois; é o mercado do futuro", opina.
Formação local
De olho no mercado aeroespacial que o Maranhão deve ter, a UFMA lançou em 2018, em parceria com o CLA e com o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), um curso de graduação em engenharia aeroespacial.
Segundo o coordenador do curso, Carlos Brito, a criação do ecossistema deve gerar uma série de oportunidades para os alunos na área. A primeira turma deve se formar em 2023.
"O que é mais interessante nesse projeto é a possibilidade de ter pequenas empresas participantes. Com isso, podem surgir startups. Acredito que é aí que os cursos de engenharia e tecnologia do nosso Estado devem atuar: na formação de alunos que tenham capacidade de serem empreendedores, tenham suas microempresas", diz.
Existem discordâncias
Apesar das vantagens apresentadas pela AEB e por alguns especialistas, há pesquisadores que questionam o projeto.
José Dias, professor da UFRN e doutor em Astrofísica e Técnicas Espaciais da Universidade Paul Sabatier, na França, afirma que o projeto brasileiro "tem tudo para não dar certo.".
"Essa estratégia de rede num local longínquo não é propício, não gera um parque naturalmente" - José Dias, professor da UFRN e doutor em Astrofísica e Técnicas Espaciais da Universidade Paul Sabatier, na França
"Primeiro pelo acesso, já que viajar não é coisa simples. Mas o ponto principal, que alguns cientistas questionam, é que a indústria de componentes espaciais possui qualificações muito exigentes. Não faz sentido montar uma fábrica de componentes, por exemplo, próximo de onde um foguete é lançado. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Por exemplo: o centro espacial é na Guiana Francesa, e a fábrica é em Toulouse, na França, próxima das grandes universidades", explica.
Para ele, devem se instalar na região de Alcântara apenas empresas de serviço. "Por exemplo: empreiteiras, indústria de alimentos, de limpeza; ou seja, uma cadeia secundária à atividade espacial", explica.
Outro ponto que ainda precisará ser resolvido é o litígio com os moradores da maior área quilombola de Alcântara, que está com processo de titulação parado há 11 anos. A comunidade local é contra a ideia de expansão do centro em detrimento a retirada de moradores do local. Em abril do ano passado, quilombolas apresentaram à OIT (Organização Internacional do Trabalho) uma queixa formal contra o Estado brasileiro por violações diante dos planos de expansão da base.
Segundo o presidente da AEB, não está prevista a ampliação de área nesse momento. "Nosso foco prioritário, nosso nicho preferencial, são pequenos satélites, pequenos lançadores. Isso podemos fazer com a área que o CLA já ocupa", afirma.
Carlos Moura ainda questiona outro ponto levantado, de que o acordo traria riscos à soberania nacional. "O acordo é muito claro em dizer que o Brasil continua responsável pelo centro. A única coisa que estamos declarando - e nossas leis já dizem isso - é que podem operar lá. É como um aeroporto, que recebe voos de empresas internacionais. Não há qualquer comprometimento de soberania ou de propriedade intelectual", finaliza.
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