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Samanta Luchini    |   11/09/2018   |   Desenvolvimento Humano   |  

Não dê espaço à vitimização

Fazer papel de vítima é uma estratégia frequentemente utilizada pelas pessoas que acreditam nunca terem a condição suficiente para desempenhar seus papéis e que sentem-se constantemente desfavorecidas pelos acontecimentos do cotidiano. A vítima precisa reclamar, se lamentar e encontrar culpados para justificar sua falta de ação e seus próprios fracassos. O processo de vitimização uma espécie de autossabotagem, que pode afastar as pessoas do nosso convívio.

Você certamente já se deparou com aquele tipo de pessoa que só faz se lamentar. Reclama de tudo e de todos. Nunca tem a condição suficiente para desempenhar seus papéis. Sente-se constantemente desfavorecida pelos acontecimentos do cotidiano. Por onde passa, funciona como um verdadeiro dreno de energia, afastando as pessoas do seu convívio.

Essa pessoa se comporta como um mártir e dentro do seu repertório de frases as mais frequentes são “As coisas nunca dão certo para mim”; “Ninguém me entende”; “A vida é injusta comigo”; “Pobre de mim.”; “A culpa não é minha”.

Lembrou-se alguém com este perfil? Pois é... Todo mundo conhece, convive ou já conviveu com uma vítima.

A vítima não se sente capaz de enfrentar os desafios e as mudanças que a vida constantemente nos pede, por isso precisa encontrar culpados para justificar sua falta de ação e seus fracassos. Esse é o padrão universalmente adotado para lidar com questões emocionais mal resolvidas, depois que a pessoa conclui que é somente por meio do sentimento de auto piedade que conseguirá obter atenção e afeto das pessoas que a cercam.

Antes de mais nada, vale lembrar que a vitimização é um dos processos de auto sabotagem, que acontece pela repetição de pensamentos e comportamentos improdutivos que inconscientemente nos impede de atingir o que queremos, como se tivéssemos medo de usufruir de nossas próprias vitórias. Já discutimos mais profundamente esse processo em um artigo anterior.

O psicólogo e doutor em neurociência, Shizard Chamine (2013), faz uma profunda análise do perfil da vítima, para que possamos compreender melhor como esse padrão de comportamento se estabelece, se manifesta e, principalmente, como ele se mantém.

Tudo começa com uma grande mentira, que é a artimanha principal de qualquer processo de auto sabotagem. Devido as experiências vividas especialmente na infância, a vitima aprende que ao abusar das lamentações e do sentimento de auto piedade, terá um pouco do amor e da atenção de que tanto necessita. Tal como se percebe no comportamento das crianças pequenas, que na grande maioria das vezes em que choram ou fazem birra, são recompensadas. Ou seja, se eu chorar ou fizer beicinho, serei prontamente atendido.


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Há também a falsa impressão de que a tristeza e a melancolia são sentimentos nobres e sofisticados, que em geral revelam profundidade, discernimento e sensibilidade.

É fato que a tristeza é uma emoção que também precisa ser experimentada e gerenciada de forma correta. O problema é que a vítima como um foco extremo nos sentimentos negativos e tende a remoê-los por muito tempo e, mesmo quando está rodeada por amigos e familiares, continua alimentando sentimentos de solidão e abandono.

O comportamento vitimizado também se manifesta de outras maneiras, além das clássicas reclamações ou das frases características mencionadas acima.

Em geral, a vítima tem uma atitude dramática e temperamental. Quando as coisas ficam difíceis, sua vontade maior é a de desmoronar e desistir. Ignora todas as oportunidades de assumir o controle, mesmo que seja diante de uma pequena parte do problema.

Diante de críticas ou questionamentos, a vítima tende a se isolar e ficar emburrada, como se sua vida já fosse trágica o bastante para não suportar mais nenhuma adversidade, mesmo que pequena.

Apresenta um quadro de mau humor, fadiga e apatia constantes, como se o fato de viver a vida fosse um fardo pesado demais para carregar. Tem uma necessidade inconsciente de se manter ligada a problemas e dificuldades e, mesmo que recebe ajuda para a resolução de um de seus problemas, logo inclui outro no lugar. Transmite a impressão de que o que importa realmente e manter o problema ao invés de solucioná-lo.

Frustra-se com grande facilidade e generaliza essas experiências para todas as áreas da vida. A vítima parece fazer um esforço imenso para que uma única dificuldade ou inconveniente transforme sua vida toda numa tragédia sem tamanho definido.

Por conta de tudo isso, a vitima acaba afastando as pessoas, que acabam se sentindo culpadas ou impotentes por não serem capazes de amenizar todo esse mal-estar que vitima carregada consigo.

Certa vez ouvi de um estudioso do comportamento que a vitimização é o verdadeiro câncer da humanidade. A princípio, essa afirmação me pareceu forte demais, aquele tipo de metáfora apelativa que é utilizada como tratamento de choque. Mas depois de um tempo refletindo sobre ela, percebi que ela traz um grande fundo de verdade.

Não é preciso muito esforço para perceber que é muito elevado o número de pessoas que preferem sentar e se lamentar, ao invés de agir em busca daquilo que desejam. Pessoas que passam a vida inteira reclamando do trabalho e dos relacionamentos improdutivos que estabelecem, mas que diante da primeira oportunidade de mudar o cenário, recuam e se mantem dentro do círculo vicioso, culpando os outros e as circunstâncias por todas as suas dificuldades.

Várias pesquisas recentes, na área da neurociência, já provaram que o hábito de reclamar altera as funções da mente e do corpo. Portanto, para reduzir a influência do processo de vitimização alguns caminhos podem ser bastante úteis.

O primeiro deles está com campo da crença. Acreditar que para tudo existe um jeito, uma alternativa, já muda completamente o cenário e traz o empoderamento necessário para fazer alguma coisa. Lembre-se: nossas ações são precedidas por nossos sentimentos e pensamentos, portanto se você pensa “posso fazer algo respeito”, certamente encontrará alguma possibilidade de ação.

O segundo tem a ver com a esfera de controle, isto é, fazer o que lhe cabe dentro da situação, mesmo que se trate de uma ação simples e pequena. Manter o foco naquilo que pode ser alterado, ao invés de concentrar toda a energia naquilo que não pode ser modificado.

O terceiro tem a ver com responsabilização. Reconhecer a própria responsabilidade na situação e exercer seu verdadeiro papel, ao invés de transferi-lo para outros ou para o ambiente. Freud tem uma frase muito emblemática a esse respeito e eu acredito que enriquecerá esta reflexão “Qual é a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?” Quando se consegue a resposta para essa pergunta já se mostra o caminho para o papel de protagonista.

O quarto e último caminho tem a ver com limite. Todas as nossas dificuldades podem ser limitadas no que diz respeito ao tamanho e à duração. Por maior que seja uma dificuldade, ela não afeta todas as áreas da vida, por mais que se queira crer nisso. Além do mais, “não há mal que dure para sempre”, tudo passa. A correta percepção do tempo que a dificuldade vai durar e a correta percepção do tempo que a própria reação ao evento vai durar, também trazem o empoderamento necessário para fazer alguma coisa.

Um grande abraço e até breve.

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
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Samanta Luchini

Mestre em Administração com Foco em Gestão e Inovação Organizacional, Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS e em Neurociência pela Unifesp.
Psicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo.
Executive & Life Coach em nível Sênior, com formação internacional pelo ICI (Integrated Coaching Institute) em curso credenciado pela ICF (International Coach Federation).
Professora convidada dos programas de pós-graduação da FGV/Strong, Universidade Metodista e Senac, dos programas de MBA da Universidade São Marcos e Unimonte, e dos cursos FGV/Cademp, para a área de Gestão de Pessoas.
Professora conteudista do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos – UNIFEOB.
Formadora de consultores e treinadores comportamentais.
Atua há mais de 23 anos com Gestão de Pessoas em diversas empresas e segmentos, dentre elas Wickbold, Bridgestone, Bombril, Solar Coca-Cola, Porto Seguro, Grupo M. Dias Branco, Prensas Schuler, Arteb, Grupo Mardel, Tegma, Pertech, Sherwin-Williams, Grupo Sigla, Unilever, Engecorps, Nitro Química, Grupo Byogene, Netfarma, NTN do Brasil, TW Espumas, Ambev, Takeda, Pöyry Tecnologia,
Neogrid, Scania, Kemp, Ceva Saúde Animal, Embalagens Flexíveis Diadema, Sem Parar, CMOC, Camil e Toyota.
Em sua trajetória profissional e acadêmica, já desenvolveu mais de 27.000 pessoas, com uma média de avaliação superior a nota 9,0 em todos seus treinamentos.
Palestrante, consultora de empresas e autora de diversos artigos acadêmicos publicados em congressos e revistas.
Colunista da revista Manufatura em Foco – www.manufaturaemfoco.com.br


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