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O Brasil, que já vinha fervendo em escândalos de corrupção por conta das investigações da Operação Lava Jato, foi surpreendido novamente no mês passado, dia 17.
Naquela data, a imprensa noticiou a força-tarefa de aproximadamente 1.100 policiais federais, posicionados estrategicamente em seis estados e no Distrito Federal, com o objetivo de neutralizar o cometimento de delitos no setor da indústria alimentícia.
A Operação Carne Fraca foi instaurada com o propósito de investigar, processar e punir uma organização formada por executivos de importantes conglomerados econômicos (tais como BRF, proprietária das marcas Sadia e Perdigão, e o Grupo JBS, do qual fazem parte a Friboi e a Seara), funcionários e fiscais agropecuários federais.
Os fiscais, mediante o pagamento de propinas, faziam vistas grossas à produção de alimentos adulterados, por meio de emissão de certificados sanitários sem que a verificação da qualidade do produto fosse feita. Essa manobra facilitava às indústrias, por exemplo, a injeção de água na carne para o aumento de seu peso e a aplicação de ácido ascórbico para lhes maquiar a aparência; a mistura de papelão na carne moída; assim como o uso de fragmentos da cabeça do porco na produção de linguiças.
Além de ampliar os lucros das empresas produtoras, o esquema se prestou ao enriquecimento expressivo de seus participantes, os quais incorreram em lavagem de dinheiro e registro do domínio de bens em nome de “testas de ferro”.
Segundo dados do Último Segundo, a Operação Carne Fraca rendeu a expedição de 27 mandados de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão.
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A esse assustador episódio, assistem, estarrecidos, os consumidores, fornecedores, investidores, acionistas e, é claro, todos os demais setores da indústria. Afinal, hoje, a carne é fraca, mas, e amanhã? O que mais descobriremos ser produzido e comercializado de forma ilegal, sem procedência confiável?
Infelizmente, não é tão simples saber. O costume de pagar propina a agentes públicos em troca de benefícios é, hoje, apurado no ramo de alimentos, mas pode ser cultivado em qualquer outro segmento industrial, mesmo o metal mecânico.
Na indústria metal mecânica, as etapas de produção e comércio comportam sérios riscos de práticas de corrupção e suborno, principalmente em situações como:
Aliás, um exemplo bastante recente de corrupção envolvendo esse setor tem como protagonista o Grupo Gerdau, investigado noutra Operação, não menos comentada que a Carne Fraca, a Operação Zelotes.
O Estadão, em 16 de maio de 2016, abordou o tema em detalhes, noticiando que na 6ª fase da Operação, deflagrada em 25 de fevereiro de 2015, investigações conduzidas pela Polícia Federal deram conta da existência de associação criminosa voltada a manipular e influenciar decisões do Conselho de Recursos Administrativos (CARF), por meio de corrupção de Conselheiros, em prol de empresas desfavorecidas em decisões administrativas condenatórias de instâncias inferiores.
O jornal, ao referir-se expressamente à Gerdau, destacou que as empresas do grupo celebraram “[...] contratos com escritórios de advocacia e de consultoria, os quais, por meio de seus sócios, agiram de maneira ilícita, manipulando o andamento, a distribuição e decisões do Conselho de Recursos Fiscais – CARF, visando obter provimento de seus recursos e cancelamento da cobrança de tributos em seus processos.[...].”
É certo que a Operação Zelotes não objetiva perquirir a corrupção praticada em meio às cadeias produtiva e de consumo, mas, por outro lado, é inegável que, se observada sob a ótica da indústria, serviu como um primeiro alerta sobre os riscos a que uma empresa se sujeita quando, intencionalmente, decide agir de forma contrária à lei – não apenas administrativos ou criminais, mas, sobretudo, à sua credibilidade e reputação no mercado.
A Operação Carne Fraca, por sua vez, amplia o leque de riscos decorrentes do envolvimento com a corrupção.
Não se está tratando apenas da repercussão negativa do pagamento de propina em troca de evasões fiscais silenciosas, mas, também, à debilidade que acomete as operações nacionais e internacionais das empresas corruptoras, desvalorizando-as e impossibilitando-as de concretizar negócios com grandes marcas globais.
Todos saem perdendo nessa história – os criadores de animais; as unidades produtivas; os distribuidores, representantes comerciais e revendedores; os acionistas e stakeholders; os investidores e os consumidores – e, ao final, a conta, demasiadamente cara, o Brasil, em nome dos responsáveis, acaba pagando no mercado externo.
Quando se pensa na indústria metal mecânica e, precisamente, nas situações de risco elencadas anteriormente, as práticas de corrupção podem suscitar ao setor impactos negativos da mesma magnitude que os hodiernamente sentidos pela indústria alimentícia.
Muito embora as grandes empresas sejam periodicamente auditadas (tanto interna quanto externamente), tenham Programas de Compliance minuciosos e bem estruturados e contem com o suporte de assessorias jurídicas renomadas (não raras vezes, segmentadas por área de especialidade), nada disso garante que os processos de gestão e, até mesmo, as relações travadas na cadeia de suprimentos estarão sempre imunes a ilicitudes como desvios ou trocas de favores recompensadas.
O contexto se agrava com a comparação entre negócios de maior e menor porte. Se aqueles, a despeito de suas arrojadas estruturas de comando, permanecem insuficientemente seguros, a situação dos pequenos e médios empreendedores é ainda mais frágil, graças ao desconhecimento das noções mais elementares de governança corporativa, das leis que regem suas atividades comerciais e das consequências que terão de suportar caso venham a infringi-las.
É necessário, cada vez mais, aproximar os diferentes níveis da indústria metal mecânica às convenções éticas e de combate à corrupção, e esta aproximação passa por 5 lições valiosas que a Operação Carne Fraca nos ensina:
1) As empresas que praticam corrupção podem ser enquadradas em diversas leis, além da Lei Anticorrupção
A Lei nº 12.846/2013, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, instituiu no Brasil a responsabilização objetiva administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos que sejam cometidos em seu interesse ou benefício, contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Por responsabilização objetiva, entenda-se que serão investigados, processados e punidos, nas esferas civis e administrativas, todos os que estiverem envolvidos e/ou forem beneficiados com as práticas de corrupção, independentemente de culpa.
A lei é aplicável às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
É preciso esclarecer que a Lei Anticorrupção não afasta a incidência das demais leis que regulamentam o tema em outras esferas, como a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações), a Lei nº 12.462/11 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC) e, obviamente, o Código Penal Brasileiro.
2) Corrupção não significa apenas pagar uma determinada quantia em dinheiro
A Corrupção pode ser entendida como a promessa, oferecimento, pagamento ou autorização de pagamento, ou qualquer outra coisa de valor a funcionário, público ou não.
A mera oferta ou promessa de vantagem indevida, mesmo que ainda não cumprida, já caracterizam condutas que acarretam responsabilização no âmbito da Lei Anticorrupção.
Dentre os exemplos mais clássicos de condutas que, nas aparências, representam mera gratidão ou estratégia comercial, mas, frequentemente, escondem intenções corruptoras, merecem destaque:
3) O enquadramento na Lei Anticorrupção prejudicará o seu negócio
Quando punidas pela Lei Anticorrupção, as empresas são obrigadas a ressarcirem integralmente todos os prejuízos decorrentes dos atos de corrupção praticados.
Além disso, sua imagem será fatalmente manchada em virtude de a lei determinar a publicação das decisões condenatórias em meios de comunicação de grande circulação, como jornais e cartórios.
A publicidade dessas decisões poderá desencadear rupturas contratuais e desistências por parte de potenciais clientes, fornecedores, parceiros e investidores.
4) Um Programa de Compliance minimiza os riscos de prática de corrupção por Diretores, gestores de média hierarquia, empregados e terceiros
O Programa de Compliance (também conhecido como “Programa de Integridade”) é constituído por políticas e mecanismos de controles (internos e externos) para a prevenção e combate a práticas de corrupção.
Quando se modificam as estruturas de gestão da empresa implantando um Programa de Compliance, minimizam-se os riscos de envolvimento da administração, trabalhadores e terceiros em associações criminosas.
Ademais, consumado o delito de corrupção, a lei considera a existência do Programa de Compliance um atenuante às penalidades que serão aplicadas à empresa.
5) O Programa de Compliance que existe apenas no papel é o mesmo que nada
Um Programa de Compliance só é considerado existente e efetivo quando, nos termos do artigo 41 do Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a Lei Anticorrupção, é composto por um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Entretanto, não basta que o Programa exista no formato escrito, ou que seja obedecido apenas por uns e outros.
Uma das grandes indústrias apontadas na Operação Carne Fraca, por exemplo, é conhecida por elaborar uma vasta gama de normas e políticas aos dirigentes, colaboradores, fornecedores e parceiros.
Contratos prolixos, manuais extensos sobre o que pode ou não ser feito e um canal de denúncias via internet existem, mas só em teoria. Como bem noticiado pelos veículos de comunicação, os principais membros da alta administração dessa empresa não estavam minimamente comprometidos com a ética e a licitude ditada pelos documentos constitutivos do Programa de Compliance, tornando-o absolutamente demagogo e inútil.
No momento em que se lembra que o Vice Presidente de Integridade desse famoso conglomerado figura como um dos “cabeças” no esquema de adulteração da carne, é falacioso afirmar que o Programa de Compliance da empresa reflete a verdade sobre seus processos produtivos e de comércio.
Nesse sentido, o suporte da alta administração é, sem dúvidas, o pilar fundamental de um Programa de Compliance, pois a Diretoria e o Conselho de Administração são responsáveis por darem o exemplo do padrão de conduta que esperam de seus gestores de médio escalão e demais empregados.
A alta administração é a dona do Programa de Compliance e, por isso, cabe a ela não apenas assinar manuais e códigos, como, também, segui-los à risca, incentivando denúncias e punições e aceitando se submeter a elas sempre que um de seus membros for o infrator do regramento vigente.
Outro ponto forte de um Programa de Compliance efetivo e que auxilia na transformação da teoria em prática é o monitoramento, realizado através de auditorias e mecanismos de controles internos.
Como bem diz o bordão, “aquilo que não se mede não se gerencia”. Ao passo que a auditoria tem precioso valor à averiguação da estrutura da empresa, o Compliance é um dos componentes desta estrutura de controles e, portanto, também precisa ser auditado.
A fim de diferenciá-los, tenha-se em mente que enquanto a auditoria, para certificar-se do cumprimento das normas e processos instituídos pela administração, efetua seus trabalhos temporariamente e por amostragens, o Compliance atua de forma rotineira e permanente, monitorando as atividades para assegurar, em tempo real, o respeito às regras aplicáveis a cada tipo de negócio da empresa, além da prevenção e controle dos riscos envolvidos.
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– Organizadora do "Studio Estratégia - Advocacia e Governança Corporativa";
– Advogada Especialista em Direito Empresarial com ênfase em Recuperação Judicial, Falência e Administração de Crises pela FGV;
– Membro do Instituto Brasileiro de Administração Judicial (IBAJUD);
– Administradora Judicial de Falências e Recuperações Judiciais pela Turnaround Management Brasil;
– Compliance expert, membro da Legal, Ethics and Compliance (LEC);
– Auditora Líder das normas ISO 19600:2014 e ISO 37001:2016 (Sistemas Integrados de Gestão de Compliance e Antissuborno).
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