Pesquisadores apostam em materiais que se 'autoconsertam'

Um concreto experimental que se conserta sozinho ao rachar está em fase de testes, com o objetivo de se tornar um entre vários produtos que podem ganhar habilidades "autocurativas".

O concreto é o material de construção mais usado no mundo, mas a ação da água e de produtos químicos tende, ao longo do tempo, a corroê-lo.

O material em fase de testes na Universidade Técnica de Delft, na Holanda contém bactérias que produzem calcário e são ativadas pela água da chuva. Os esporos da bactéria - adicionados à fórmula do concreto - ficam dormentes até serem atingidos pela água da chuva corroendo as estruturas do material. Então, a bactéria, que é inofensiva, produzirá calcário e "curará" as rachaduras causadas pela água.
 
"Vimos em laboratório o conserto de rachaduras de 0,5 mm de largura", mais do que o estabelecido por normas, explica o microbiologista Henk Jonkers, autor do projeto.
 
Se a ideia der certo, Jonkers espera comercializar o produto daqui a dois ou três anos, após testes externos e em diferentes tipos de concreto. O principal desafio é garantir que o agente "curador" seja forte o suficiente para sobreviver ao processo de mistura do concreto. Para isso, é preciso aplicar uma cobertura às partículas, algo que encarece o processo.
 
Mas mesmo que o agente aumente em 50% o custo do concreto, isso ainda representará apenas 1% a 2% do total dos custos de construção. Já a manutenção de concreto deteriorado representaria um custo maior, diz Jonkers.
 
Circuitos de metal
Os primeiros estudos sérios sobre esse tipo de tecnologia começaram nos anos 1960, por pesquisadores soviéticos. E, em 2001, um estudo da Universidade de Illinois (EUA) deu o pontapé para avanços nessa área.
 
Os pesquisadores injetaram um polímero semelhante ao plástico com cápsulas microscópicas contendo um líquido de agentes curativos. Se o material rachasse, isso ativava a ruptura das cápsulas e a liberação do agente curativo. E uma reação química reparava o produto. O polímero é capaz de recompor cerca de 75% de suas características originais.
 
Na última década, essa equipe avançou e criou um circuito elétrico que se autoconsertava quando danificado. Microcápsulas no circuito liberavam metal líquido em caso de danos, restaurando a condutividade.
 
O grupo já está comercializando seu trabalho por intermédio da empresa Autonomic Materials, que obteve investimentos de cerca de US$ 4 milhões. Segundo o executivo-chefe Joe Giuliani, as primeiras aplicações das microcápsulas devem ser em tintas e adesivos para serem usados em ambientes afetados pela corrosão.
 
O setor de petróleo e gás pode ser beneficiado: produtos autocurativos podem ser úteis em plataformas, em oleodutos e em refinarias.
 
Scott White, do Instituto Beckman da Universidade de Illinois, opina que o conserto em equipamentos esportivos e aeronáuticos, por exemplo, é um "alvo de médio prazo" para a ciência.
 
Segundo ele, todo o conceito de autoconserto tem despertado grande interesse na última década, com cerca de 200 estudos acadêmicos publicados a respeito no ano passado. Há projetos em direções distintas, como polímeros e compostos que se autorreparem.
 
A inspiração, em alguns casos, é o sistema vascular humano, que depende de uma rede capilar para transportar agentes curativos ao local de feridas no corpo. Ao mesmo tempo, exploram a natureza reversível de alguns compostos químicos para incorporar neles essas habilidades curativas.
 
Aeronave autocurativa
Bond, da Universidade de Bristol, está desenvolvendo uma rede vascular baseada em fibras ocas, que transmitiriam agentes curativos por meio de polímeros. Sua ideia final é "uma aeronave autocurativa".
 
A ideia é minimizar danos em elementos estruturais de aviões, que podem ser alvo de rachaduras. O desafio será convencer as autoridades aeroviárias da segurança dessa tecnologia.
 
Por isso, Bond trabalha para superar alguns obstáculos enfrentados por sistemas vasculares: passar de microcápsulas para uma rede bi ou tridimensional, por exemplo, é um grande desafio industrial. Outro problema é garantir e controlar o fluxo do líquido curativo pelo material.
 
"No caso do sangue, ele só coagula quando está fora da veia", diz o professor. "Queremos algo assim, já que o perigo de compostos químicos simples é de que ele solidifique toda a rede capilar."