Investir em Angra 3 é jogar dinheiro público na privada

Novo relatório do Greenpeace revela desperdício de recursos públicos na construção da usina nuclear. Prejuízo pode chegar a R$ 4 bilhões.

Bilhões de reais dos cofres públicos brasileiros estão condenados à descer privada abaixo caso o governo federal insista em construir Angra 3. Para evidenciar isso, ativistas do Greenpeace promoveram na manhã desta segunda-feira, no Rio de Janeiro, um protesto em que manifestantes representando funcionários da Eletrobrás depositaram moedas gigantes nas 21 privadas de amarelo e preto na entrada da empresa estatal, responsável pelas obras da terceira usina nuclear brasileira.

Uma faixa com os dizeres “Eletrobrás: economize já!, Nuclear, não” pedia que a instituição pare de desperdiçar recursos da União com Angra 3. Os manifestantes protocolaram na Eletrobrás uma carta explicando o motivo do protesto e exigindo que a empresa disponibilize ao público os dados oficiais do projeto de Angra 3.

A manifestação marcou também o lançamento do relatório “Elefante Branco: os verdadeiros custos da energia nuclear”, que traz uma análise técnica da ginástica financeira utilizada pelo governo federal para apresentar Angra 3 como um projeto economicamente viável.

O estudo técnico-econômico que serviu como base para o relatório foi feito por uma equipe de pesquisadores liderada pelo professor Miguel Edgar Morales Udaeta, vinculado ao Instituto de Energia Elétrica (IEE) e ao Grupo de Energia do Departamento de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica da USP.

O grupo de pesquisadores atualizou os valores dispostos em estudo da Eletrobrás de 2001– “Geração Termonuclear” -, analisou os números adotados para compor a tarifa de comercialização da energia gerada por Angra 3, checando a veracidade dos cálculos, e apresentou diferentes cenários de custos e performances financeiras do empreendimento a partir das informações oficiais do governo.

O relatório do Greenpeace revela que Angra 3 custará, além dos R$ 7,2 bilhões oficialmente divulgados pelo governo, pelo menos mais R$ 2,372 bilhões por conta dos juros sobre o capital imobilizado para a obra.

O detalhamento dos números mostrou que o governo, para obter a tarifa de R$ 138, 20/MWh para a energia gerada por Angra 3, aplicou taxas de retorno para o investimento entre 8% e 10%, muito abaixo da prática de mercado (12% a 18%), transferindo o prejuízo para o Tesouro Nacional. Ressalte-se que a taxa aplicada pelo governo é irreal até se considerarmos um financiamento pelo BNDES, cuja taxa para projetos de energia jamais atinge um patamar inferior a 10%.

As baixas taxas de retorno assumidas para o projeto podem acarretar perdas financeiras médias de até R$ 4 bilhões, valor dos subsídios não declarados de Angra 3. Caso o governo aplicasse uma taxa de retorno de 12% - ou a mínima praticada pelo mercado - a tarifa de Angra 3 chegaria aos R$ 152/MWh, valor acima dos índices considerados competitivos pelo próprio Ministério de Minas e Energia. Já se fossem praticadas as mesmas taxas aplicadas a projetos de energias renováveis (18% a.a), a tarifa da energia nuclear ultrapassaria os R$ 161/MWh. Vale notar que o modelo de financiamento do empreendimento assumido pelo governo remunera apenas o capital de terceiros e não os recursos investidos pela União.

“Estamos aqui hoje para alertar que Angra 3 só será viabilizada se for permitido um verdadeiro saque aos cofres da União. O cidadão e o consumidor irão pagar pelos altos custos da aventura nuclear brasileira”, afirma Beatriz Carvalho, coordenadora da campanha antinuclear do Greenpeace. “A energia nuclear é a alternativa mais cara, suja e perigosa, além de ineficiente para resolver os problemas de segurança energética do país. Ao investir nesta tecnologia, o governo brasileiro está transformando dinheiro público em lixo radioativo”.

Para justificar a competitividade de Angra 3, a Eletrobrás compara a tarifa de energia nuclear de R$ 138,20 /MWh com a das térmicas fósseis – que operam em situações de emergência e que têm um valor próximo, cerca de R$ 130/MWh. “Essa comparação é equivocada e serve apenas para confundir a opinião pública”, afirma Beatriz Carvalho. “A energia nuclear opera na base do sistema, ou seja, de forma contínua; já as térmicas fósseis operam por despacho, ou em situações emergenciais. Assim, se o governo deseja comparar tarifas, deveria fazê-lo entre Angra 3 e usinas hidrelétricas, que também operam na base do sistema. A título de comparação, a tarifa dos últimos leilões de energia nova foi negociada a aproximadamente R$ 130/MWh”.

De acordo com o relatório do Greenpeace, o governo deixou de contabilizar os possíveis atrasos na construção da usina. Como a obra está parada há mais de 20 anos, o prazo oficial de seis anos apresentado para sua finalização é duvidoso, pois não se sabe o real estado de conservação dos equipamentos já adquiridos, que podem ter sido danificados.

O estudo ressalta que quanto mais longo o período de construção, mais elevado é o custo do empreendimento e da energia. Angra 2, por exemplo, levou 17 anos para entrar em operação e custou o equivalente a US$ 12 bilhões, cerca de cinco vezes mais que o orçamento previsto. A média internacional de atrasos em construção de usinas nucleares é de quatro anos. Se Angra 3 seguir a tradição e levar 10 anos para ser concluída, o custo da usina ficará 66% maior, elevando os gastos a mais de R$ 15 bilhões, ou o dobro do valor promovido pela Eletrobrás.
Os riscos externos ao investimento tais como emissões indiretas de gases de efeito estufa, ameaça permanente de acidentes e gerenciamento de resíduos radioativos também ficaram de fora da conta da Eletrobrás. Já o valor alocado para o descomissionamento da usina foi estipulado em aproximadamente R$ 528 milhões. “Esse valor é absolutamente questionável, já que em lugar algum do mundo existe experiência acumulada sobre os custos reais para “desmontar” uma usina nuclear”, ressalta Beatriz.

O Greenpeace acredita que para tirar o Brasil da sombra do apagão o governo federal deveria investir o dinheiro alocado para Angra 3 em programas de economia de energia e na consolidação de um mercado brasileiro de fontes renováveis. A organização cita dados recentes do PROCEL (Programa de Conservação de Eletricidade), do próprio governo federal, que indicam que cada R$ 1 bilhão investido em eficiência energética gera uma economia de 7400 MW ou o equivalente a 5,5 vezes a potência de Angra 3. Assim, pode-se concluir que cada R$ 1 bilhão investido em economia de energia pode evitar investimentos da ordem de R$ 40 bilhões para gerar a mesma energia a partir de usinas nucleares.

AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

A partir desta terça-feira (dia 25/03), o Greenpeace participará das audiências públicas sobre o licenciamento ambiental da usina nuclear Angra 3. A reunião desta terça-feira acontece no Iate Clube de Angra dos Reis, às 18 horas. No dia 26 é a vez de Paraty (RJ), seguida por Rio Claro (RJ) e, na sexta-feira (Dia 28/03), está agendada a audiência de Ubatuba, única no Estado de São Paulo.

Em 2007, a Eletronuclear realizou três audiências públicas sobre o licenciamento da usina entre os dias 19 e 21 de junho. Porém, as audiências foram suspensas por determinação da Justiça Federal de Angra dos Reis, que aceitou denúncias de ilegalidades apontadas pelo Ministério Público Federal. Entre as principais irregularidades, foi constatada a falta de convocação para a audiência com antecedência mínima de 45 dias após a publicação do edital no Diário Oficial da União e a indisponibilidade dos estudos de impacto ambiental do projeto em locais obrigatórios para consulta da população.