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Não são poucas as fábricas que tentam entrar de cabeça na chamada Indústria 4.0, que busca a integração de tecnologias digitais nos processos, também conhecida como Quarta Revolução Industrial, fenômeno, neste momento, já nem tão novo assim, diga-se de passagem.
Muitas dessas empresas, inclusive, já tentam dar um passo além, na direção da chamada Indústria 5.0, que, entre outras coisas, visa a integração da inteligência artificial (IA), por exemplo, provocando uma interação produtiva entre humanos e robôs.
No entanto, em ambos os casos, é preciso ter certos cuidados muito importantes antes de se partir para esse tipo de jornada. Claro que cada caso é um caso, e nessa área indústrial, sempre muito diversificada, é um pouco difícil estabelecer padrões rígidos sobre como os negócios devem ser tocados.
Porém, é unânime perceber que as companhias têm problemas quando partem para o 4.0 ou 5.0 sem antes implementar, de forma estruturada, consciente e efetiva, uma base sólida de gestão lean. Isso poderá evitar uma das piores coisas que se pode acontecer numa indústria, que é, por exemplo, a digitalização do desperdício, de processos “quebrados”, mal desenhados, que precisam ser ajustados, consertados ou mesmo que nem deveriam existir. E sabemos que tudo isso existe aos montes pelas indústrias.
Então, aqui vai uma série de recomendações, sob a ótica do sistema lean, para se fazer antes de partir para jornadas digitais e de IA.
Analise, melhore, estabilize e padronize os processos, garantindo que eles estejam isentos de desperdícios e que, principalmente, agreguem valor – isso em todas as fases da linha de produção. Com isso, aumentando a consistência e previsibilidade do trabalho, ao mesmo tempo em que se reduz variabilidade desnecessária.
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Para tanto, faça o Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV), também conhecido pela expressão em inglês Value stream mapping (VSM), um dos principais conceitos e práticas lean, algo inevitável, hoje, para quem quer e precisa realmente analisar processos, encontrar gargalos, eliminas desperdícios e resolver problemas.
Seja implacável com desperdícios. Por exemplo, buscando identificar e eliminar o que chamamos de muda, mura e muri. No caso das indústrias, muda, que se manifesta, por exemplo, na automação de desperdícios, ocasionados por superprodução, movimentação excessiva etc.
Mura, no sentido de reduzir variações no fluxo de produção para facilitar a implementação de tecnologia. E Muri, para garantir que os operadores e máquinas não estejam sobrecarregados.
Ouça os clientes, com profundidade, para não criar soluções que não gerem valor para ele, mas que sejam apenas e tão somente mais um processo burocrático, como tantos que ocorrem pelas empresas, ou seja, mais um desperdício.
Crie e cultive, todos os dias, uma cultura de melhoria contínua. Por exemplo, investindo rotineiramente em eventos kaizen, para testar melhorias antes da digitalização. Utilizando o ciclo PDCA para validar a necessidade de tecnologia antes da adoção. E com isso disseminando e gerando uma mentalidade de engajamento dos colaboradores.
Não se esqueça de garantir que sua produção industrial seja realmente “puxada” (e jamais “empurrada”). E que você está plenamente integrado ao conceito e prática do just in time, base histórica do método Toyota, origem do sistema lean, mas que, pasmem, muito indústria atual ou nem usa, ou implementa de maneira equivocada. Um sistema puxado com just in time bem resolvidos garante uma automação sem desperdícios.
Padronize a coleta e o uso de dados. E faça isso para que sejam um suporte efetivo para melhoria contínua. Do contrário, poderá ser mais um desperdício.
Para tanto, será necessário definir, estruturar e usar indicadores lean de maneira adequada, com eficiente gestão visual, para guiar a implementação da Indústria 4.0. Para só então investir, por exemplo, em sensores e Internet das Coisas (IoT).
E pode ser relevante também testar soluções em pilotos enxutos antes de implementar na escala completa
E, claro, que nada disso dará certo se não desenvolvermos as pessoas para que tenham uma mentalidade sobre essa ótica. Para isso é preciso treiná-las na mentalidade lean e no lean digital. Desenvolver nelas as habilidades analíticas para a resolução de problemas. Garantir que a automação complemente o trabalho humano, não o substitua sem critérios precisos, inteligentes e necessários. E fazer com que saibam programar e manter as automações, para não ficarem dependente dos fornecedores para resolver coisas simples.
Quais os riscos de não se fazer isso, antes de se partir para a 4.0 ou 5.0? Vários. Como antecipamos, mas é sempre bom refletir, pois a armadilha é grande, se a empresa não tiver uma cultura lean consolidada antes de partir para a indústria 4.0 ou 5.0, há uma enorme chance de digitalizar desperdícios, resultando em altos custos e baixa eficiência real.
Conheço casos de grandes empresas que investiram milhões em automação, mas que os robôs mais param do que trabalham, pois não possuem estabilidade básica de processo ou ficam rejeitando tudo que passa por eles.
Há um caso de uma organização em que, numa das fases do processo, investiu em um robô colaborativo para colocar as peças em uma embalagem que parecia uma caixa de bombom, de tão bonito e preciso que era. No entanto, quando o processo seguinte recebia isso, ele derrubava tudo em um tambor vibratório e jogava a embalagem fora.
Ou seja, era desnecessário. Apenas aumentou o custo e ainda dificultou a vida do cliente, que antes somente abria um saco plástico com centenas de peças e colocava no tambor de forma muito rápida. No entanto, agora precisava abrir caixa por caixa, aumentando o tempo da operação.
Ou outras iniciativas que criam tantas coletas de dados, mas que não se sabe, com precisão, o que fazer com elas. Ou seja, não se consegue transformar os dados em informação que ajude a liderança a tomar as decisões corretas.
Além disso, se não houver um preparo adequado à equipe que vai lidar com as novas tecnologias, corre-se o risco de ter a linha de produção parada por problemas simples, justamente por não haver o conhecimento básico que apenas fornecedores têm, criando uma dependência e aumentando o custo da operação. Já observei casos em que a linha de produção de uma fábrica ficou dois dias paradas aguardando um fornecedor vir do exterior para resolver um problema técnico de um robô.
Enfim, é preciso redobrar os cuidados antes de sair fazendo coisas apenas porque “queremos mais tecnologia ou precisamos seguir as tendências do mercado”. Sem melhorar a base, que são os processos, sem desenvolver as pessoas, sem entender propósitos e consequências... pode-se gerar, sem querer, muito mais problemas que soluções.
*Imagem de capa: Depositphotos.com
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Ricardo Itikawa
Head de Manufatura e Desenvolvimento de Produtos e Processos do Lean Institute Brasil (LIB). Foi corresponsável pelo desenvolvimento do sistema lean na Embraer (Programa Excelência Empresarial Embraer - P3E), atuando como gerente. Especialista em TPM, liderou projetos 3P da nova fábrica de Portugal. Foi Black Belt na Ambev. Atuou como professor durante quatro anos no MBA de Gestão e Eng. da Qualidade da Poli-USP. É Engenheiro Mecânico pela UNESP, tem MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Cursos de Pós-Graduação no ITA e é Black Belt em Seis Sigma pela Fundação Christiano Ottoni/UFMG.
Conceitos, práticas e a jornada lean sob a ótica dos heads do Lean Institute Brasil especializados no setor industrial
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