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A busca por minerais essenciais à transição energética tem gerado uma série de conflitos em áreas de exploração no Brasil, conforme apontam os resultados de um estudo conduzido pelo Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas). De acordo com a publicação da Agência Brasil, o levantamento, concluído recentemente, identificou diversas violações de direitos envolvendo pequenos produtores rurais, trabalhadores da mineração e comunidades tradicionais, com destaque para a região da Amazônia Legal, que concentra a maior parte dos casos.
Segundo a publicação, os pesquisadores mapearam ocorrências entre os anos de 2020 e 2023, documentando as consequências negativas da exploração de minerais fundamentais para a transição energética. O estudo aponta que essa exploração, embora vital para o avanço de tecnologias limpas, não ocorre sem causar danos, especialmente nas áreas mais vulneráveis do país.
"O que o estudo vem mostrando é que não podemos tratar a mineração dos minerais críticos sem considerar os danos. E é algo que já está ocorrendo", afirmou o geógrafo e professor da UFF, Luiz Jardim Wanderley, em entrevista à Agência Brasil. Wanderley é um dos signatários do relatório Transição Desigual: as violações da extração dos minerais para a transição energética no Brasil, publicado em julho pelo Conselho do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil e pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
Esses minerais críticos, também conhecidos como minerais de transição, são elementos essenciais para a produção de peças e equipamentos voltados à geração de energia verde. A transição energética, que envolve a substituição de fontes fósseis por renováveis, exige grandes quantidades de cobre para usinas eólicas, silício para painéis fotovoltaicos e lítio para baterias, entre outros minerais. Entre os minerais considerados críticos, estão alumina/bauxita, cassiterita/estanho, cobre, níquel e lítio — todos essenciais para tecnologias limpas, mas cuja exploração vem causando sérios impactos socioambientais.
Entre 2013 e 2022, o valor da exploração mineral no Brasil saltou de R$ 243 bilhões para R$ 266 bilhões, um crescimento de 9,3% em valores deflacionados. No entanto, a extração dos minerais críticos apresentou um aumento ainda mais expressivo, de 39%. Esse salto também foi acompanhado por um aumento de 150% nos investimentos das mineradoras em pesquisa mineral. Quando observados apenas os minerais críticos, o crescimento nos investimentos foram de impressionantes 240%, evidenciando o quanto o setor tem se expandido rapidamente nos últimos anos.
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Um exemplo claro desse avanço é o projeto da mineradora australiana Pilbara Minerals, especializada na extração de lítio, que anunciou recentemente um investimento de R$ 2,2 bilhões para um empreendimento em Salinas, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. No entanto, Luiz Jardim Wanderley ressalta que não é apenas o aumento dos investimentos que provoca conflitos. "Nem sempre os conflitos estão associados a mais investimentos. Mas, sem dúvida nenhuma, eles estão associados à profusão de novos empreendimentos", disse.
Os dados revelados pelo estudo são alarmantes. Foram identificadas 348 ocorrências de conflitos em 249 localidades entre 2020 e 2023, afetando diretamente mais de 101 mil pessoas. Os principais grupos atingidos incluem pequenos proprietários rurais (23,9% das vítimas de violações de direitos), trabalhadores da mineração (12,1%) e povos indígenas (9,8%). Segundo os pesquisadores, esses conflitos decorrem tanto de violações trabalhistas quanto de impactos ambientais e sociais, afetando especialmente populações tradicionais que dependem dos recursos naturais para sua sobrevivência.
A Amazônia Legal, uma região que abrange nove estados, concentrou 46,3% das ocorrências mapeadas. O estudo alerta que a transição energética pode ser injusta para as populações locais, como ribeirinhos, quilombolas, pequenos agricultores e indígenas, que já contribuem com a preservação ambiental e a captura de carbono. "Eles não precisam fazer uma transição energética, pois essas populações já protegem a floresta e a natureza", enfatiza Wanderley. Mesmo assim, são justamente esses grupos que têm sofrido os maiores danos em nome da transição energética, que beneficia principalmente países do Norte Global, como Estados Unidos, China e membros da União Europeia.
Além disso, a expansão da mineração nessas áreas também é vista como uma ameaça ao equilíbrio ecológico da Amazônia. De acordo com o estudo, as áreas com maior demanda por títulos minerais relacionados à transição energética estão localizadas no semiárido nordestino, na região amazônica e no Cerrado, especialmente na região de Goiás e Tocantins. A mineração nessas áreas tende a agravar ainda mais o desmatamento, tanto diretamente, pela destruição da vegetação nativa, quanto indiretamente, pela atração de trabalhadores e pela abertura de estradas.
Em Minas Gerais, onde a mineração é historicamente consolidada, foram registrados mais conflitos do que em estados como Goiás e Bahia. Isso ocorre devido à presença consolidada do setor mineral em áreas como a Zona da Mata, onde se explora a bauxita, e no Vale do Jequitinhonha, onde a exploração de lítio tem gerado uma série de novos conflitos. Segundo Wanderley, Minas Gerais apresenta essa dualidade: ao mesmo tempo em que possui uma longa tradição de mineração, também está vivendo um processo de expansão, com novas áreas de exploração.
No município de Barcarena (PA), por exemplo, a mineradora Hydro, que explora alumina, foi alvo de uma ação coletiva movida por moradores locais, que alegam a contaminação das águas do rio Murucupi. A Vale, outra gigante do setor, foi envolvida em denúncias de violações de direitos em suas minas de cobre e níquel em Canaã dos Carajás e Ourilândia do Norte, no Pará. Ambos os casos são emblemáticos dos desafios enfrentados pelas comunidades locais, que lidam com os impactos ambientais e sociais da mineração.
Em Alagoas, a cidade de Craíbas também é palco de conflitos. Ali, a mineradora Vale Verde opera uma mina de cobre a céu aberto e é associada a 29 ocorrências, segundo o estudo. Comunidades indígenas, como os Kariri-Xokó, têm expressado preocupação com a contaminação e os impactos em suas terras. Em nota, a mineradora afirmou que monitora suas operações com rigor e segue os padrões de segurança estabelecidos pelos órgãos ambientais.
A transição energética é imprescindível para o combate às mudanças climáticas, mas o estudo Transição Desigual revela a necessidade urgente de se adotar práticas mais sustentáveis e justas na extração dos minerais necessários para essa transição. Os dados mostram que, se não houver mudanças nas políticas públicas e nas práticas das mineradoras, as populações vulneráveis continuarão a sofrer com os impactos negativos da exploração mineral.
*Imagem de capa: Depositphotos.com
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