A indústria metalmecânica é estratégica para a competitividade nacional. Dados compilados no Perfil da Indústria Brasileira indicam que a rotina de produção do segmento está entre as que mais colaboram para o desempenho industrial do país, dada a relevância e também a diversidade do setor, que agrega uma ampla gama de atividades interligadas pela competência de extrair e manipular metais e suas ligas.
Essa definição faz com que a dinâmica da produtividade metalmecânica seja fortemente orientada pela variedade dos materiais disponíveis, desde os mais tradicionais aos mais inovadores - esses em moldagem constante pelo contexto da sustentabilidade e das novas tecnologias.
Ferro, alumínio e cobre continuam na base das atividades do segmento, onde também estão presentes outros metais como o magnésio, o níquel, o ouro e a prata. Não menos importantes são as ligas. Formadas por dois ou mais componentes, sendo um deles sempre um metal, são consideradas, em geral, mais resistentes e versáteis para a indústria e, por isso, utilizadas em larga escala pelo segmento metalmecânico.
Nesse grupo, tem posição de destaque o aço, composto de ferro e carbono que se caracteriza por ser um dos materiais mais abundantes na indústria metalmecânica, empregado na produção de uma grande diversidade de bens. O aço carbono e suas variáveis - que dependem da concentração dos elementos na liga - servem à fabricação de diferentes componentes estruturais para a construção civil e para os setores de transporte, como peças de automóveis e trilhos de ferrovia, devido à boa capacidade de resistência mecânica. O aço inoxidável também apresenta vantagens que o torna muito versátil para a indústria. Por ter boa resistência à corrosão, é usado produção de equipamentos e produtos domésticos, como itens de linha branca, facas, tesouras e ferramentas. Alguns, por suportarem altas temperaturas, são utilizados em processos mais complexos destinados à composição de turbinas a gás, aeronaves e caldeiras a vapor.
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O setor se caracteriza ainda pelo uso de outras ligas. As ferrosas são destinadas, por exemplo, à fabricação de elementos destinados à construção civil e à produção de máquinas pesadas. As ligas de cobre, tal qual o latão e o bronze, abastecem indústrias de joias, peças de automóveis - como radiadores -, partes de aeronaves e instrumentos cirúrgicos. Já as ligas de alumínio são bastante comuns nas unidades fabris de partes estruturais de aeronaves e carrocerias de ônibus, embora a finalidade de cada um destes materiais seja bem mais ampla.
Nova indústria, novos materiais
Assim como em outros segmentos da indústria, a metalmecânica também tem incorporado novos materiais aos seus processos de produção, sobretudo como alternativa para tornar sua manufatura mais tecnológica e sustentável.
“Alinhada ao tema da sustentabilidade, a indústria metalmecânica vem explorando materiais e processos que reduzem o impacto ambiental, como materiais compósitos (combinação de materiais), reciclagem de materiais (sobretudo aço e alumínio), ligas mais leves e resistentes, materiais biodegradáveis (plásticos biodegradáveis) e o aço verde (baixo teor de carbono, produzido com energia renovável)”, afirma Luiz Gonzaga Trabasso, engenheiro e pesquisador-chefe do Instituto Senai de Inovação em Sistemas de Manufatura e Processamento a Laser.
Segundo o especialista, no atual contexto de sustentabilidade e indústria 4.0, ganham evidência na indústria metalmecânica materiais compostos e aqueles obtidos pela nanotecnologia e por tecnologias de fabricação aditiva (3D).
A nanotecnologia, descreve o engenheiro, processa materiais em escala nanométrica e, na metalmecânica, é usada para desenvolver materiais mais resistentes e eficientes. “Também se aplica no desenvolvimento de revestimentos de superfície para aumentar a resistência à corrosão, na melhoria da lubrificação, na criação de materiais mais leves e resistentes, de sensores, de catalisadores e de implantes médicos”, completa.
Sobre as tecnologias de fabricação aditiva, Trabasso explica que são aplicadas na produção de peças metálicas complexas, camada por camada, a partir de modelos digitais. No setor metalmecânico, especificamente, a técnica vem sendo empregada para prototipagem rápida, fabricação de peças complexas e personalizadas, produção de ferramentas e moldes e peças para os setores aeroespacial, automotivo e médico.
O uso de compósitos na indústria metalmecânica
O aperfeiçoamento dos elementos empregados na indústria é uma resposta à necessidade de tornar a atividade da manufatura vez mais dinâmica e inovadora e, portanto, um processo constante. No segmento metalmecânico, os materiais compostos - também chamados de compósitos - ganharam evidência justamente por agregarem características que apresentam uma série vantagens na comparação com materiais tradicionais, além de, com o passar do tempo, possuírem cada vez mais tecnologia agregada.
“Os materiais compostos são a combinação de dois ou mais elementos diferentes a fim de criar um material de propriedade superior. Esses materiais são usados em componentes de aeronaves, peças automotivas, equipamentos esportivos e estruturas leves para construção civil, como é o caso das fibras de carbono e plásticos reforçados com fibra de vidro”, explica o pesquisador-chefe do Instituto Senai.
Especialista em processos de fabricação por usinagem e pesquisador de compósitos PRFC - plástico reforçado com fibra de carbono e fibra de vidro -, o professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), João Roberto Ferreira, acrescenta que, em geral, os materiais compósitos mais comuns são os constituídos por polímeros, cerâmicas e metais.
De acordo com o docente, os materiais poliméricos usados nos compósitos destacam-se pela baixa densidade e fácil capacidade de conformação, além de elevada resistência elétrica. A limitação, aponta o profissional, é que polímeros não podem ser expostos a temperaturas elevadas. Por outro lado, os materiais compostos reforçados com fibras cerâmicas podem ser submetidos a temperaturas bem mais elevadas, embora sejam mais frágeis. Já os materiais metálicos apresentam como características gerais excelente condutividade térmica e elétrica, mas que, por causa de elevada densidade, acaba tendo seu uso priorizado em aplicações aeronáuticas.
PRFC
No grupo dos compósitos, o plástico reforçado com fibra de carbono é outro destaque. Produzido em larga escala, são materiais desenvolvidos inicialmente para projetos militares por resultar em uma composição de elevada resistência e rigidez mecânica e baixo peso. Pelo conjunto de características - bastante apreciáveis pela indústria -, a expansão do uso do PRFC em outras áreas não tardou. “A aplicação desses compósitos em áreas comerciais tem crescido muito nos últimos anos com a frequente redução nos custos de fabricação desses materiais através do constante desenvolvimento de projetos de manufatura e com as novas técnicas, principalmente da manufatura 4.0”, explica Ferreira.
Hoje, o PRFC tem aplicação bastante diversa. “Na área aeroespacial, a redução do peso das aeronaves tem uma grande influência na decisão de projetos, fazendo com que o uso de materiais compósitos seja fundamental”, diz o professor da Unifei.
Na indústria automotiva, Ferreira acrescenta que os compósitos PRFC podem ser usados em peças estruturais, componentes de chassis e elementos de máquina, devido às interessantes propriedades de boa resistência a corrosão, elevada resistência elétrica, boa capacidade de amortecimento e baixa condutividade térmica. “São características que fazem com que compósitos PRFC adicionem vantagem comparados aos materiais metálicos, pois é um material resistente e com baixo peso. Por exemplo, seu emprego em barras de direção de veículos apresenta vantagens pela rápida resposta e boas características de amortecimento. E são também usados em estrutura de painéis, para-choques, capôs, etc. No entanto, assim como em aeronaves, o uso de compósitos PRFC em veículos automotivos se detém mais em elementos estruturais secundários e peças de acabamento, sendo que é um material de grande potencial e que pode ser muito mais explorado, principalmente na indústria automotiva”, descreve.
Além do uso em expansão na indústria de materiais esportivos, o PRFC também se tornou comum na construção naval: por ter peso menor, permite maior velocidade de cruzeiro, aceleração e reduz o consumo de combustível.
Relatório recente da agência de consultoria e análise de negócios Mordor Intelligence projeta que o mercado de plástico reforçado com fibra de carbono deverá registrar taxa de crescimento anual composto (CAGR) de 8% entre 2023 e 2028, crescimento impulsionado, sobretudo, pela demanda da indústria aeroespacial e por uma preferência crescente por veículos leves e com baixo consumo de combustível. Assim, alinha-se também às novas perspectivas de sustentabilidade que têm reorganizado os pilares fundamentais da indústria de todo o mundo.
Um novo ambiente
A agenda verde e as perspectivas de mudança acelerada nos processos de produção industrial, guiadas principalmente pelas pautas de redução de emissão de gases e pelo emprego de conjuntos de matéria-prima mais sustentáveis, têm dado vantagem aos materiais avançados no segmento metalmecânico, que é um ponto de partida para diferentes setores da manufatura global. A indústria automotiva, para onde a metalurgia destina diferentes elementos de fabricação e montagem de veículos, por exemplo, é uma das que mais tem reafirmado compromisso com a agenda verde, de olho em uma demanda que está prestes a levar o mercado de automóveis a um novo patamar.
No fim do ano passado, no rastro de autoridades de outros países mundo afora, o governo federal brasileiro anunciou um pacote de R$ 19 bilhões para incentivar a fabricação de carros mais sustentáveis. O Programa Nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover) concederá incentivos fiscais em troca do cumprimento de requisitos obrigatórios de sustentabilidade nos veículos comercializados no país.
Diferentes montadoras que operam no Brasil já haviam, inclusive, anunciado a adoção progressiva de medidas delineados pelo novo pacto socioambiental, entre elas a promoção de materiais mais sustentáveis em seus produtos, indo, assim, ao encontro de um novo modelo da indústria de transformação. Neste sentido, além de investir em materiais mais tecnológicos, outra aposta da indústria metalmecânica é a própria recuperação dos materiais como forma de reduzir custos e impactos ambientais.
“O contexto global tem imposto à indústria uma combinação de fatores, sobretudo relacionados à redução de custos, demandas por produtos mais sustentáveis, regulamentações ambientais mais rígidas e elevação dos custos dos materiais tradicionais, como o aço e o alumínio.
Exemplos de ações nesse sentido estão ocorrendo em vários setores, como o automotivo - a BMW já anunciou planos de usar 100% de materiais reciclados em seus carros até 2030; construção civil, o uso de concreto e aço reciclado; embalagens, o uso papel e plástico reciclados; e bens de consumo, com o uso de plástico biodegradável e papel compostável”, complementa Luiz Gonzaga Trabasso.
Projeção de um relatório assinado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), da Organização das Nações Unidas (ONU), estima que a indústria verde tem potencial para crescer U$ 8 trilhões até 2030. Neste processo, serão beneficiadas, principalmente, empresas que incorporarem às suas rotinas soluções mais inteligentes e menos nocivas ao planeta. Na mesma perspectiva, pesquisa recente da agência de análise de dados de mercado KPMG afirma que estratégias com capacidade de alinhar meio ambiente, práticas sociais e governança (da sigla em inglês ESG) serão vitais para os setores em busca de crescimento sustentável.
Ao longo dos sete episódios da série exclusiva Metalmecânica: Da base ao futuro abordaremos desde a definição do setor até sua evolução tecnológica, explorando temas como processos de fabricação, materiais avançados, papel da tecnologia, sustentabilidade, perfil profissional e os desafios e oportunidades futuros. Prepare-se para uma imersão objetiva e esclarecedora no universo da indústria metalmecânica.
*Imagem de capa: Depositphotos
