Dirigível não tripulado para monitoramento ambiental entra em operação no ano que vem

Pesquisadores da Unicamp integram projeto temático que reúne sete grupos de trabalho

Noamay – “cuidar e proteger”, na língua yanomami – é o nome dado a um dirigível que deve entrar em operação, em caráter experimental, no contexto socioeconômico e ambiental da Amazônia – a previsão é para 2020. O projeto temático InSAC (Fapesp-CNPq), iniciado em 2014 e que vai até 2021, envolve sete grupos de trabalho, sendo um da Unicamp (Faculdade de Engenharia Mecânica, FEM) e de outras diferentes instituições e empresas. O projeto segue uma nova concepção de aeronave não tripulada “mais leve que o ar”, capacitada para voar de forma autônoma e coletar dados do ar, do solo e da vegetação, bem como sinais de rádio emitidos por colares em animais.  O Noamay, antes denominado Droni (Dirigível Robótico de Concepção Inovadora), foi assim rebatizado quando executou seu primeiro voo teleguiado, em 2018.

Ely Carneiro de Paiva, professor da FEM e pesquisador principal do grupo de trabalho da Unicamp, explica que o dirigível Noamay é um projeto inovador por conta dos quatro motores elétricos dotados de hélices orientáveis, para que possam girar em 360 graus, no chamado sistema de vetorização multidimensional. “O dirigível é muito eficiente para monitoramento por ser silencioso, quando utiliza motores elétricos, como em nosso caso. Ele deverá realizar ensaios preliminares próximo a Tefé, a 500 quilômetros de barco de Manaus. Junto desse município estão duas reservas ambientais – Amanã e Mamirauá”.

Na reserva Mamirauá localiza-se o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), parceiro do projeto e onde invariavelmente se realizam os primeiros testes de todos os projetos científicos relacionados com a Amazônia. “A título de exemplo, um desses projetos, dos nossos parceiros da UFAM [Universidade Federal do Amazonas] com centros de pesquisa da Espanha e Austrália, denominado Providence,  está colocando uma rede de câmeras e microfones escondidos na floresta, sendo que os dados são transmitidos em tempo real para os pesquisadores via satélite.”


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O projeto da construção e operação do dirigível Noamay é uma iniciativa do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer – CTI. Segundo Paiva, o grupo da Unicamp é responsável pelo software de controle e guiamento automático do dirigível, sendo que o CTI-Renato Archer e o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) são os responsáveis pelo sistema eletrônico e de comunicação embarcados. “No simulador, já obtivemos resultados do controle de voo completo, com o dirigível subindo e descendo na vertical e percorrendo os pontos de observação. A próxima etapa será embarcar o sistema no dirigível efetivamente. Estamos em fase de transição do projeto para a UFAM e corrigindo um pequeno problema de excesso de peso para que o dirigível voe com o máximo de autonomia.”

O projeto Noamay já rendeu duas teses de doutorado na Unicamp, a última delas defendida agora em 8 de agosto por Henrique de Souza Vieira, aluno de Ely Paiva que trabalhou com os controles para o rastreamento de trajetória do dirigível. “Para um voo autônomo completo, que inclua decolar, pairar sobre um ponto escolhido e fazer o pouso, existem grandes desafios no que diz respeito ao controle. Controles automáticos podem ser classificados como lineares ou não lineares. Esta tese aborda o seguimento da trajetória, controle de posicionamento e navegação de um dirigível robótico com propulsores elétricos orientáveis, usando técnicas de controle não linear”, esclarece o autor da pesquisa. 

Ely Paiva salienta que o projeto temático é conduzido pela USP de São Carlos, sob a coordenação do professor Marco Henrique Terra, e está focado principalmente em robótica móvel. “Temos os robôs subaquáticos, com o pessoal da Coppe [Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da UFRJ]; os robôs terrestres, com USP e Unicamp; e também os drones (veículos aéreos não tripulados do tipo multirotores), com UFMG e USP-São Carlos, além de outros parceiros. Este projeto do dirigível, na verdade, é a continuação do projeto Droni, coordenado pelo  pesquisador Samuel Bueno, que se aposentou recentemente.”

Este dirigível de concepção inovadora foi projetado e construído pela empresa Omega AeroSystems, do Paraná, que também fez parte do projeto Droni e está corrigindo o problema de excesso de peso para os testes com o sistema embarcado na reserva Marirauá. O dirigível mede 11 metros de comprimento, com diâmetro de 2,5 metros na parte central, pesando 38 quilos sem o gás hélio (apenas com os equipamentos para voo) e capacidade para mais 6 quilos de carga útil – vazio e dobrado, ele cabe dentro de uma mala grande de viagem.

O docente da FEM acrescenta que o Noamay é um projeto piloto e, por isso, tem autonomia para ficar uma hora no ar, sendo que a ideia é construir um segundo dirigível, de tamanho maior e que poderia pairar o dia inteiro sobre um ponto de observação, consumindo energia apenas para se deslocar. “A coordenação agora ficará a cargo do professor Reginaldo Carvalho, da UFAM, que possui mini-aviões, drones, um balão para telecomunicações e muitas ideias, uma delas de utilizar drones para levar remédios até as comunidades ao longo do rio, acessíveis somente por barcos; outra ideia é evoluir o projeto Providence, que citei anteriormente, com Austrália e Espanha, para chegar até 1.000 sensores na floresta, inicialmente no pé das árvores e depois na copa, visando monitorar animais e eventualmente detectar invasões.”

Ideal para monitoramento

Na opinião do pesquisador, o dirigível é o veículo ideal para monitoramento na Amazônia, não apenas por ser silencioso, mas também porque a região possui a menor média de ventos do país. “Se o vento for forte, pode gerar instabilidade no dirigível, especialmente em baixa altitude. Luciana Gatti, importante pesquisadora do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e mãe de um ex-aluno meu, utiliza aviões para medir CO2 e outros gases na atmosfera da Amazônia, e teve uma pesquisa sua na capa da revista Nature em 2014, onde ela mostrou que em 2010 a floresta emitiu mais CO2 do que absorveu, ou seja, virou geradora de gás carbônico naquele ano.”

Recentemente, Samuel Bueno e Luciana Gatti discutiram a possibilidade de a pesquisadora do Inpe utilizar sensores para baixa altitude, quando for concretizada a ideia de transformar o Noamay em uma plataforma multiuso, como uma alternativa aos voos tripulados, que são muito caros. “Os monitoramentos ambiental e agrícola estão muito relacionados. Com o dirigível é possível monitorar, por imagens, a coloração do solo (nível de nutrientes) ou da vegetação (indicativo de pragas), a 100 ou 500 metros de altitude, oferecendo outro tipo de informação em comparação com o satélite, por exemplo, que opera a grandes altitudes.”

O professor da Unicamp salienta que há muitas pesquisas em andamento também com o chamado UAV (sigla em inglês para veículo aéreo não tripulado), tanto na agricultura como no monitoramento de linhas de transmissão de energia e gasodutos. “Drones têm sido usados, mas eles não possuem autonomia suficiente para linhas de grande extensão. O professor Reginaldo Carvalho, da UFAM, teve a ideia de utilizar o dirigível como nave-mãe para abastecimento de drones, isso em 2010, mas foi a empresa Amazon que lançou a patente. Acho que o futuro é este: drones, quando a aplicação exige velocidade, e o dirigível, quando é preciso silêncio e maior autonomia; ou a combinação de ambos. O exército dos Estados Unidos já desenvolveu um dirigível capaz de permanecer doze dias no ar, para monitoramento no Afeganistão.”

Duas décadas de pesquisas e o primeiro voo autônomo

Os pesquisadores do projeto Noamay estão trabalhando com dirigíveis há mais de 20 anos e o professor Ely Paiva participa dos projetos desde o início, quando uma parceria entre o CTI (então Centro de Pesquisas Renato Archer, CenPRA) e o IST (Instituto Superior Técnico) de Lisboa resultou no primeiro voo autônomo de um dirigível no mundo, no dia 4 de março de 2000. Naquela altura, toda a componente tecnológica do projeto era coordenada pelo pesquisador Josué Ramos, do CTI, que havia também desenvolvido um simulador de voo preliminar.

“Antes de vir para a Unicamp em 2010, tinha trabalhado como pesquisador do CTI desde 1998, quando iniciamos um projeto de cooperação com o professor José Azinheira, do IST, para evoluir o simulador do antigo dirigível, que tinha apenas dois motores de combustão e um GPS grande demais, que pesava meio quilo – não era bom para monitoramento”, recorda Ely Paiva. “O Noamay, além de quatro motores, é muito mais ágil nas manobras no ar, e traz outras técnicas que não tínhamos testado e que validamos agora no simulador.”

Henrique Vieira, orientado de Paiva, veio à Unicamp para a defesa de tese de doutorado, mas já vem acompanhando a sequência do projeto Noamay na UFAM, junto ao professor José Reginaldo Hughes Carvalho. Na tese, o autor faz um histórico desta colaboração multi-institucional que prossegue no âmbito do Projeto Temático InSAC- Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Sistemas Autônomos Cooperativos (InSAC).

Vieira conta que o Noamay é uma evolução do projeto Aurora (sigla em inglês para Dirigível Robótico Autônomo Não Tripulado para Monitoramento Remoto), também criado pelo CTI, em 1997, centrado na criação de tecnologias para operação autônoma de uma aeronave para monitoramento ambiental e missões de controle aéreo. Dentre diversas parcerias para a execução do projeto Aurora, a inicial foi com o IST-Lisboa, tendo como marco o primeiro voo autônomo de um dirigível da literatura científica, no ano 2000 – o segundo seria realizado somente alguns anos depois, em Stuttgart, na Alemanha.

Uma cooperação recente se deu com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), uma organização social fomentada e supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que desenvolve suas atividades nas áreas das Reservas Mamirauá e Amanã (que somam 3,5 milhões de hectares), na região do Médio Solimões (AM). Outras parcerias igualmente importantes surgiriam no decorrer do projeto, com ITA, UFAM e Unicamp, além de universidades da França e do Reino Unido.

Conforme Henrique Vieira, o pioneiro projeto Aurora levou a uma nova concepção de aeronave, utilizando uma configuração de propulsão diferente, com quatro propulsores elétricos vetorizáveis (substituindo o par clássico de motor a combustão) para aumentar a manobrabilidade do dirigível, especialmente em baixas velocidades. Esta evolução recebeu o nome de Noamay, passando a integrar o InSAC em 2017. Dentro deste projeto temático, o dirigível se enquadra especificamente no grupo de trabalho de plataformas aéreas mais leves que o ar para sistemas de detecção, comunicação e informação para a Amazônia.