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Quem passa em frente ao prédio da Spectra Tecnologia, localizado em uma rua do Belenzinho, antigo bairro industrial da zona leste de São Paulo, não desconfia da riqueza tecnológica que ele guarda. Um dos galpões da empresa, que ocupa uma área de 5.200 metros quadrados, foi adaptado para acomodar um simulador de voo para helicópteros militares, construído em parceria com o Centro Tecnológico do Exército (CTEx). O equipamento criado pela Spectra para treinamento de pilotos reproduz de forma fiel a cabine dos helicópteros militares Esquilo AS350 e Fennec AS550 e a insere num ambiente virtual 3D. Todos os instrumentos, comandos, manetes, displays e até os bancos presentes nele estão dispostos da mesma forma que no cockpit dessas aeronaves usadas pelo Exército brasileiro.
“Somos a única empresa da América Latina que detém integralmente o conhecimento tecnológico para o projeto e a fabricação desse tipo de simulador”, afirma o engenheiro naval Aurélio Da Dalt, de 61 anos, um dos sócios-diretores da Spectra. “Ele vai complementar o treinamento de pilotos do Exército com um produto de concepção 100% nacional que, até então, só estava disponível em outros países, como França e Estados Unidos.”
O projeto para construção do simulador teve início em 2007, em um contrato com o CTEx e foi concluído em dezembro de 2011. Um ano depois, o equipamento, batizado de Shefe (Simulador de Helicópteros Esquilo e Fennec), foi homologado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e, em seguida, recebeu a certificação FTD4, de preparação inicial de pilotos. O modelo está atualmente em processo para a homologação como Full flight nível B. Essa qualificação – que varia, em ordem crescente, de A a D – assegura que durante o voo simulado o piloto tenha a mesma sensação do voo real, incluindo os movimentos do helicóptero e suas respostas aos comandos. O equipamento será transferido no próximo ano para o Centro de Instrução de Aviação do Exército (CIAvEx), em Taubaté (SP), que está em reforma.
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Não foram poucos os obstáculos para criar esse ambiente virtual. “A empresa desenvolvedora de simuladores normalmente tem o suporte do fabricante do avião ou do helicóptero a ser simulado, que fornece o modelo matemático de voo, além de partes e componentes da aeronave”, explica o engenheiro mecânico João Carlos Boaventura, de 51 anos.
A fabricante nacional das aeronaves, uma empresa do grupo francês Airbus Helicopters, não quis repassar informações pelo fato de a matriz possuir estreito relacionamento com fabricantes europeus de simuladores. “Não contamos com esse apoio e tivemos que projetar tudo do zero. O modelo matemático foi feito em conjunto com o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica]”, diz João, o sócio-diretor da Spectra responsável pelas inovações na área de defesa. O projeto também teve apoio do Comando de Aviação do Exército (CAvEx) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) da Aeronáutica.
Outro aspecto envolvendo o simulador é que o valor previsto inicialmente pelo Exército para construí-lo mostrou-se insuficiente. Como era do interesse da Spectra a consolidação do projeto – o que lhe daria capacitação para concorrer com as maiores fabricantes de simuladores do mundo –, ela usou dinheiro do próprio caixa para finalizar o Shefe. “O projeto custou R$ 16,8 milhões, mas o contrato com o Exército só cobriu 44% desse valor. Investimos cerca de R$ 9,5 milhões de recursos próprios, mas hoje temos um produto com índice de nacionalização de 92%”, afirma o engenheiro Aurélio, que também é professor do Instituto Mauá de Tecnologia.
Concluído há quatro anos, o Shefe passa por um processo de modernização, com a implementação de novos softwares. Um dos profissionais que participam dessa tarefa é a engenheira eletricista Amanda Shiokawa Freitas, 27 anos. “Esse é um trabalho que envolve muita pesquisa para que os modelos matemáticos consigam simular os sistemas da aeronave e o equipamento opere em harmonia, sincronizado e sem atrasos”, diz Amanda, que iniciou sua carreira na Spectra como estagiária, em 2011.
Simulador de tiro
Outro desenvolvimento da Spectra para a área militar é um simulador de tiro para armamentos leves, conhecido pela sigla Stal. O projeto nasceu por não existir um equipamento que atendesse aos requisitos do Exército e fosse produzido por empresa nacional. “O simulador de tiro servirá aos centros de treinamento para uma experiência equivalente ao treino feito em campo. O atirador utiliza réplicas de pistola e fuzil usados pelos militares e interage com alvos e a simulação 3D projetada em uma parede”, explica o cientista da computação Guilherme Simão Gibertoni, de 23 anos.
O benefício desse simulador é reduzir os custos do Exército porque se deixa de gastar munição e deslocar a tropa para locais de tiro. Ao mesmo tempo, é um ambiente seguro para os primeiros testes de tiro de jovens soldados. “A simulação 3D proporciona dinamismo com a posição e movimento dos alvos”, diz Guilherme.
Produção de LEDs de alta potência
Criada em 1989, a Spectra é uma empresa de tecnologia com capital 100% nacional. Ela faturou R$ 12 milhões em 2014 e investe 15% desse valor na área de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Conta atualmente com nove engenheiros, dois tecnólogos, seis técnicos e dois projetistas ligados ao setor de engenharia, além de 25 funcionários nas áreas industrial e administrativa. A linha de produtos é diversificada e inclui, além do simulador para helicópteros, equipamentos servo-hidráulicos para ensaios de durabilidade de veículos, módulos de eletrônica embarcada para controle da carroceria de ônibus (o produto foi fornecido por quase uma década a uma empresa brasileira – mais de 10 mil veículos foram equipados – e, atualmente, é exportado para o Peru), aquecedores industriais e sistemas de controle de guinchos de ancoragem para balsas usadas na exploração de petróleo em alto-mar, sendo a Petrobras cliente desse produto.
“A diversificação faz parte de nossa estratégia comercial. Quando um setor não está bem, outro compensa. Procuramos ter o controle de todas as etapas de nossa produção. Dessa forma, temos um domínio maior sobre a tecnologia que desenvolvemos e sobre o preço dos nossos produtos”, afirma o engenheiro eletricista Affonso Ferro, 50, que compõe o trio que comanda os rumos da Spectra.
Laboratório de ensaios
Os equipamentos servo-hidráulicos para ensaios de fadiga e durabilidade de componentes automotivos são o principal produto da Spectra e responderam por 30% do faturamento em 2014. Dotado de atuadores, bombas hidráulicas e um sistema de controle e aquisição de dados, o laboratório de ensaio é usado para testar diferentes peças e sistemas de carros, ônibus e caminhões, como suspensão, freios, amortecedores, caixas de direção e cintos de segurança. “Ele funciona como um simulador, reproduzindo de forma acelerada e muito precisa as condições do veículo em pista”, diz Affonso.
“Nosso laboratório é empregado para realização de testes completos de desempenho e ensaios estáticos e dinâmicos para análise de tensões mecânicas, vibrações e fadiga na estrutura do veículo.” Um dos desenvolvedores do laboratório é o engenheiro de computação Jonas Dourado, de 25 anos. “Trabalho no projeto de um software e na criação de um equipamento para realizar testes de durabilidade de peças mecânicas, principalmente automotivas”, diz Jonas.
Além de vender o laboratório montado, a Spectra também presta serviço às áreas de engenharia e desenvolvimento de fabricantes de autopeças e da indústria automobilística. Volkswagen, Mercedes-Benz, Scania, Ford, Fiat, Magneti Marelli e Mahle são alguns dos clientes. No ano passado, uma unidade foi exportada para a Argentina. “A Universidade Nacional de La Plata, a segunda maior do país, comprou um laboratório por US$ 2 milhões”, informa Aurélio.
O laboratório de testes, um dos maiores do gênero em operação no país, está na origem da criação da Spectra. Os três sócios se conheceram nos anos 1980, quando estavam na Mafersa, uma antiga fabricante de vagões e materiais ferroviários. Eles trabalhavam num laboratório de testes de durabilidade – parecido com o que desenvolveriam anos mais tarde –, cujos equipamentos eram importados da norte-americana Material Test Systems (MTS). O controle do laboratório era feito por um computador da época, que tinha o tamanho de um pequeno armário.
Aurélio, João e Affonso tiveram a ideia de desenvolver o hardware e os softwares necessários para fazer o microcomputador IBM PC-XT controlar o laboratório. Um dos diretores da MTS abraçou a ideia e decidiu comprar a inovação quando estava pronta. Segundo Affonso, a Spectra foi a primeira empresa do mundo a usar um computador tipo PC para controlar um simulador de estrada. Centenas de sistemas foram vendidas para montadoras e fabricantes de autopeças mundo afora. “Durante cinco anos, recebemos royalties pela venda do nosso sistema. Foi isso que nos permitiu, no início, estruturar financeiramente a Spectra”, conta.
*Imagem capa: Léo Ramos
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