Mais do que consolidar a presença nos grandes centros urbanos, as montadoras foram ao interior para sustentar os sucessivos recordes nas vendas de carros dos últimos nove anos. Hoje, mais de um terço do consumo de automóveis está em cidades com menos de 200 mil habitantes, o que tem levado a indústria a explorar novos mercados no país.
Na Renault, o programa de ampliação da rede de concessionárias levará a marca a 100 novas cidades até 2017, sendo metade delas no Nordeste e no Centro-Oeste - em municípios como Cajazeiras (PB), Luís Eduardo Magalhães (BA) e Luziânia (GO). O mesmo direcionamento foi tomado pela Honda, que, após se instalar nas capitais, partirá para as cidades menores em sua nova fase de expansão territorial.
As montadoras mais antigas no mercado brasileiro - Fiat, Volkswagen, General Motors e Ford - pegaram o caminho do interior há mais tempo, mas nem por isso deixaram de prospectar novos mercados pelo país. A líder de vendas Fiat, por exemplo, chegou só no ano passado a cidades como Brumado (BA), Almenara (MG), Paragominas (PA), Crateus (CE) e Presidente Venceslau (SP).
Os motivos que justificam a estratégia são vários. Numa análise macroeconômica, eles vão desde o crescimento do agronegócio e os investimentos em infraestrutura nessas regiões até a melhora na renda das famílias, que, combinada à expansão do crédito, permitiu a inclusão de um enorme contingente de pessoas ao mercado de consumo.
Essa conjuntura se reflete em crescimento acima da média do mercado automotivo fora dos tradicionais centros de consumo. O trânsito cada vez mais caótico das maiores cidades brasileiras são o sinal mais claro de que as vendas não pararam de crescer no Sudeste. Porém, as regiões Centro-Oeste e Nordeste foram, nessa ordem, as que mais evoluíram em emplacamentos no ano passado.
Em todo o país, o Piauí e o Rio Grande do Norte foram os Estados que mais cresceram em 2012, marcando evolução de dois dígitos no ritmo de vendas: 16,8% e 15,8%, respectivamente.
Um levantamento feito pela Escopo - consultoria que ajuda as montadoras a descobrir mercados em rápida expansão - mostra que 34,2% das vendas de carros estão concentradas em municípios com, no máximo, 200 mil habitantes. Há doze anos, quando o mercado brasileiro pouco passava de um terço do tamanho atual, essa participação era de 28,2%. Na direção oposta, as vendas nas cidades com mais de 1 milhão de habitantes caíram de 45,6% para 37,3% do total nesse período.
Ao tentar explicar os números, Marcos Callegari, diretor da Escopo, diz que, além de uma questão de demanda, o acirramento da competição nas capitais forçou o deslocamento das marcas para o interior do país. Ao mesmo tempo, diz Callegari, as montadoras precisavam encontrar mercados novos para dar vazão a uma produção de carros populares que perdeu espaço nos centros mais desenvolvidos. "As marcas começaram, então, a buscar oportunidades de venda onde antes elas não imaginavam vender", afirma.
Fiat e Volkswagen, as duas marcas mais vendidas do país, têm mais de 19% de seus carros licenciados em cidades pequenas - de até 50 mil habitantes. No ano 2000, as vendas nesses municípios somavam apenas 10,7% do total da Fiat e 15,4% da Volkswagen. Já na General Motors, a participação saiu de 9,9% para 16,9%. Entre as quatro grandes, só na Ford as cidades pequenas perderam representatividade: a parcela delas caiu de 26,4% para 15% sobre as vendas totais da marca em doze anos, mostra o estudo da Escopo.
Apesar disso, mercados antes pouco explorados caminham para um cenário de maior competição à medida que mais marcas começam a seguir a trilha já percorrida pelas veteranas. Quinta montadora em vendas no país em 2012, a Renault se instalou nos últimos dois anos em 44 novas cidades, como Sinop (MT), Três Lagoas (MS), Catalão (GO), Caruaru (PE) e Barreiras (BA).
Hoje, a Renault cobre 82% do território brasileiro, mas quer ampliar essa cobertura para 93% e um total de 400 lojas até 2017. O plano passa, principalmente, pela maior capilaridade da rede de revendas nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. "Eu me arrisco a dizer que o mercado no Nordeste continuará crescendo mais do que o dobro da média nacional", afirma Gustavo Schmidt, vice-presidente comercial da Renault.
Para o executivo, além dos investimentos em infraestrutura e programas de transferência de renda - que conferem maior dinamismo à economia da região -, o potencial de crescimento se justifica pelo menor índice de motorização no Nordeste: um veículo a cada onze habitantes, enquanto no Sudeste a proporção é de um veículo para menos de quatro pessoas.
Na busca por novos mercados, as montadoras observam variáveis como densidade demográfica, renda e potencial de consumo para definir metas e investimentos adequados a cada região. Uma loja pequena, por exemplo, precisa vender, pelo menos, entre dez e doze carros por mês, diz Schmidt. "Claro que não vou colocar para esses revendedores as mesmas exigências que fazemos para as concessionárias da capital", diz o executivo.
Por Eduardo Laguna/ Valor Econômico