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Ricardo Itikawa    |   24/03/2025   |   Lean na Indústria   |  

Trabalho Padronizado: o que é e como fazer

Exclusiva

É como organizar os trabalhos para garantir ritmo, sequenciamento e balanceamento das atividades

Mesmo quem não entende profundamente de construção civil provavelmente sabe que não é aconselhável construir uma casa num terreno instável ou que está prestes a desmoronar. Na indústria, há uma situação metaforicamente similar: são aquelas empresas que não adotam de maneira adequada o Trabalho Padronizado, uma das principais bases do sistema lean.

Antes de entender o quão importante é isso no setor industrial, primeiro é essencial esclarecer a diferença entre “Trabalho Padronizado” e “padrão de trabalho”. São dois conceitos e práticas que ainda geram muita confusão nas indústrias.

“Padrão de trabalho” geralmente é descrito como procedimento operacional padrão. É quando, por exemplo, descrevemos o que é preciso ser feito: qual norma seguir, os detalhes da operação... Ou seja, um passo a passo, tal qual uma receita sobre como fazer uma sobremesa.

Já o “Trabalho Padronizado”, uma das essências do lean, é algo mais “profundo”. É como organizar os trabalhos para garantir ritmo, sequenciamento e balanceamento das atividades. Por exemplo, como estruturar as ações necessárias para, não apenas seguir uma “receita” para se fazer uma sobremesa, mas, muito mais do que isso, como estruturar os processos para fazer todo um “banquete”, incluindo a sobremesa. E, principalmente, como fazer isso no sentido de otimizar tempo, pessoas e recursos.

Nesse contexto, o Trabalho Padronizado, também conhecido pela siga “TP”, não é estático, mas um “documento vivo”. Deve ser continuamente melhorado por quem faz e lidera o processo. Trata-se de um princípio fundamental do sistema lean. É o que vai definir a melhor sequência de atividades para realizar um trabalho de forma eficiente, segura e consistente.


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Apesar de o conceito e a prática do TP já serem razoavelmente conhecido pelas indústrias, uma boa parte delas não domina ou nem aplica corretamente isso. Primeiro porque o setor industrial ainda é fortemente marcado pela resistência à mudança. Não é raro líderes e liderados preferirem “métodos próprios” e resistirem a padrões de gestão mais modernos.

Há ainda o fator cultural: empresas com pouca “mentalidade lean” negligenciam a padronização contínua. Também, claro, há a falta de treinamento. Quando não têm capacitação adequada, as equipes não sabem como desenvolver e atualizar padrões. Sem falar naquela já conhecida pressão por produtividade imediata, na qual muitas empresas focam apenas na produção rápida e negligenciam processos estruturados.

Como se tudo isso não bastasse, há também aquele sentimento em boa parte das pessoas que trabalham na indústria de que conhecimento é poder e garantia de emprego. Assim, profissionais mais experientes pensam que se transmitirem o que sabem para outros, perderão sua importância e poderão ser facilmente substituídos. Com isso, guardam seu conhecimento em segredo e o levam embora quando deixam a empresa.

Esse comportamento, por vezes, é gerado e fortalecido pela própria liderança que valoriza o "bombeiro", ou seja, o “herói”, que não padroniza o trabalho e muito menos compartilha o conhecimento, mas “apaga o incêndio” na crise.

Quando bem implementado, o Trabalho Padronizado transforma a produtividade e a qualidade nas empresas, tornando os processos mais previsíveis e eficientes, sendo o alicerce para qualquer outra iniciativa de melhoria, pois sem estabilidade, qualquer tentativa de evoluir irá se perder com o tempo. Seria similar, como afirmei no início desse texto, a construir uma casa em cima de solo instável. Com o tempo tudo tenderá a
desmoronar.

TP se baseia em três elementos principais:

1 - Takt Time: o ritmo necessário de produção para atender a demanda do cliente.
2 - Sequência de Trabalho: a melhor ordem para realizar as tarefas de maneira eficiente.
3 - Inventário Padrão em Processo: a quantidade mínima de material necessária para manter um fluxo contínuo.

Esses são os elementos principais. No entanto, há outras técnicas complementares necessárias para apoiar esses elementos e estruturar um TP de maneira mais adequada. São elas:

  • Gráfico de Balanceamento da Operação (GBO): também conhecido como Yamazumi (empilhamento de atividades). É usado para comparar cada etapa do processo ao takt time (ritmo) de entrega.
  • Diagrama de Trabalho Padronizado (DTO): é uma ilustração da sequência da atividade que precisa mostrar visualmente como deve ser a movimentação da operação. Ela precisa destacar os pontos principais, nos quais se deve realizar, por exemplo, inspeções de qualidade e pontos de atenção de segurança. Também define o tipo de Equipamento de Proteção Individual (EPI). E o estoque padrão de processo para garantir o ritmo de produção e o tempo takt.
  • Tabela Combinada de Trabalho Padronizado (TCTP): que não somente coloca as atividades em sequência, com tempos manuais, automáticos e de movimentação, mas mostra especialmente aquelas que podem trabalhar em paralelo ou que tem alguma precedência técnica para ser realizada.
  • Quadro de Capacidade de Processo: ferramenta que define os fatores que determinam o tempo de ciclo das máquinas, os intervalos de troca de ferramentas, os tempos dos trabalhos manuais, entre outros.

Implementar de maneira adequada o trabalho padronizado traz uma série de vantagens. Primeiro, redução de desperdícios ao minimizar variações nos processos, reduzindo retrabalho, defeitos e estoques excessivos. Com isso, claro, aumenta produtividade ao estruturar um método pelo qual as pessoas tenderão a trabalhar de forma mais rápida e eficiente. Também fortalece a estabilidade dos processos, gerando, consequentemente, maior previsibilidade, contribuindo com os planejamentos de produção. Além disso, tende a potencializar a melhoria contínua: com um processo bem documentado se tornará mais fácil identificar pontos de melhoria.

Com isso, intensifica a segurança no trabalho, pois a padronização reduz erros que podem levar a acidentes. Será também um facilitador de treinamentos, pois os novos funcionários aprenderão muito mais rapidamente, reduzindo o tempo da curva de aprendizado. Serve como primeiros passos para a implementação da gestão do conhecimento, pois torna explícito e acessível o conhecimento que até então era tácito.

Por tudo isso, indústrias que ainda não adotaram o TP ou adotam de maneira precária estão perdendo oportunidades de crescer muito mais do que poderiam, e se arriscando a terem perdas significativas no mercado.

Sugiro aqui um “passo a passo” rápido e básico para ajudar as indústrias que ainda não fazem o TP a entrarem de maneira mais produtiva possível no mundo otimizador do Trabalho Padronizado:

  1. Analisar e mapear o processo atual: significa observar operadores experientes, documentar como o trabalho está sendo realizado e identificar desperdícios e variações desnecessárias.
  2. Definir a sequência de trabalho ideal: para isso, ajustar a sequência para atender ao takt time, minimizar desperdícios e estabelecer o número mínimo de materiais em processo e recursos para manter o fluxo.
  3. Criar instruções claras e visuais: por exemplo, usar diagramas, checklists e guias simples para que os operadores sigam o padrão.
  4. Treinar os operadores: ou seja, capacitar equipes sobre a importância do Trabalho Padronizado e garantir que entendam as mudanças.
  5. Implementar e monitorar: o que significa acompanhar a aplicação e coletar feedback dos operadores para ajustes.
  6. Promover melhoria contínua: ou seja, revisar periodicamente o padrão e ajustar conforme necessário para otimização contínua. Por exemplo, realizando kaizens.
  7. Avaliar o processo: para verificar se o que foi treinado foi realmente entendido e está sendo seguido e praticado. E aproveitar esse momento para, mais do que um processo de auditoria, efetuar um processo de mentoria e desenvolvimento de pessoas.
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O autor do artigo, Ricardo Itikawa, é Head para Manufatura do Lean Institute Brasil (LIB). Imagem: Divulgação.

*Imagem de capa: Depositphotos.com

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
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Ricardo Itikawa

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