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Zeca Chaves | 03/05/2020
Notícias
Entenda como legislação, mão de obra barata e alto custo dos veículos no país inviabilizam o sonho do automóvel que dirige por conta própria
Se você é daqueles que cansou de ouvir que o carro autônomo está próximo e já se imaginou indo ao trabalho digitando no seu computador ou lendo um livro enquanto o automóvel dirige sozinho, sinto lhe informar: isso não vai acontecer. Pelo menos não no Brasil. E talvez em nenhum lugar do mundo.
Não, eu não duvido que essa tecnologia possa chegar. E, só para deixar claro, hoje ela ainda não está disponível: o que existe atualmente é apenas um punhado de protótipos experimentais que trafegam dentro de locais e padrões restritos. Mas os verdadeiros obstáculos não são técnicos e, sim, econômicos e jurídicos.
Quem vai pagar se bater?
Do ponto de vista legal, a questão ainda sem resposta é: de quem é a culpa e, portanto, quem arcaria com a indenização em acidentes causados pelos veículos autônomos quando forem vendidos comercialmente? Será o proprietário, que estava distraído porque confiava na máquina, ou do fabricante, que criou um equipamento que não soube evitar a colisão? E será que as seguradoras aceitarão a apólice desses automóveis diante de tal limbo jurídico?
Por enquanto, não existe uma legislação de trânsito específica no mundo. O que há são regulamentos para testes de veículos sem motoristas, especialmente nos Estados Unidos, China e Alemanha, países que estão encabeçando essa corrida tecnológica. Mas bastará um acidente fatal para gerar um pesadelo de relações públicas e fazer com que os legisladores pensem duas vezes antes de liberar geral. Foi o que aconteceu com a Uber, que só voltou aos seus testes em vias públicas em fevereiro passado, quase um ano depois que uma ciclista morreu no Arizona ao ser atropelada por um de seus veículos autônomos experimentais.
O preço da nova tecnologia
Outro contratempo que as fabricantes terão de enfrentar, e o mais complicado de resolver, é o custo da nova tecnologia. E isso não pesa só no bolso das empresas, que terão investir bilhões de dólares num novo produto que elas não sabem se o consumidor está pronto para comprar ou mesmo para confiar. Afinal, você apostaria sua vida e a da sua família na decisão de uma máquina? Apenas 12% dos americanos disseram que sim, segundo pesquisa da Associação Automobilística Americana divulgada em março. E ainda nem falamos para esses futuros compradores o quanto eles terão de desembolsar.
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O mais próximo que temos hoje de um autônomo à venda são os modelos da Tesla, que oferecem o opcional Autopilot por US$ 7.000 (R$ 38.000) nos EUA. Esse recurso, no entanto, está apenas no nível 3 de autonomia, que acelera, freia e faz curvas sozinho, mas exige a presença do motorista para qualquer situação um pouco mais complexa.
Um carro que leva você ao trabalho sem necessidade de assumir o volante estaria no nível 5. Calcula-se que todo o pacote de sensores, radares e softwares para atingir esse nível varia entre US$ 65.000 e US$ 140.000 (R$ 360.000 a R$ 775.000). Claro que, com o aumento da produção em série, o valor vai cair, mas a questão é quem terá coragem de pagar essa conta no primeiro momento. E, mesmo que caia pela metade, ainda assim é uma conta pesadíssima.
A conta ainda será um pouco mais salgada porque os futuros veículos autônomos também serão elétricos, que custam entre 40% a 80% a mais que modelos equivalentes a gasolina. Isso nos Estados Unidos. Agora faça o cálculo pensando no mercado brasileiro, conhecido por ter um dos automóveis mais caros do mundo quando se compara o preço do veículo com o poder de compra do consumidor.
Solução não está nos carros de aplicativo
Bem, se ficou difícil para a pessoa física adquirir um autônomo, será que na pessoa jurídica o negócio faz sentido? Os defensores da nova tecnologia argumentam que o baixo custo de operação compensariam para empresas de compartilhamento de veículos. Pense no caso da Uber, que é uma das empresas que estão liderando os testes nessa área, seguida pela indústria automobilística, que já ensaia seus primeiros passos no mercado de carros de aplicativos.
O maior custo de uma corrida de Uber vai para o bolso do motorista. Imagine, então, o potencial de ganhos da companhia se ela tiver veículos que não precisam de motorista e que podem rodar 24 horas sem pausa. Só não podemos esquecer de um detalhe: a empresa hoje não precisa comprar o veículo nem fazer sua manutenção, que fica a cargo dos motoristas associados. Além disso, o custo da mão de obra em países emergentes como o Brasil é relativamente baixo. Sendo assim, pode até fazer sentido em mercado desenvolvidos gastar uma fábula comprando milhares veículos caríssimos no início para economizar no futuro, mas não no Brasil.
Mesmo no exterior eu não acredito que essa conta feche. Para mim essa estratégia é como comprar um veículo a diesel, que é bem mais caro, pensando apenas na economia que vai ter no consumo de combustível com o passar do tempo. Na prática isso, não funciona, pois muitas vezes leva mais de 10 anos para recuperar o dinheiro investido.
Portanto, se você é daqueles que cansou de ouvir que o carro autônomo está próximo e agora está se sentindo decepcionado, não se preocupe. Você não está sozinho. O jornal inglês The Guardian disse em 2015 que haveria 10 milhões de carros autônomos nas ruas do mundo em 2020. No ano seguinte, o site Business Insider previu o mesmo número para este ano. “Nós superestimamos a chegada dos veículos autônomos”, lamentou Jim Hackett, CEO da Ford, numa palestra no ano passado. Se até eles se enganaram, o que dirá de nós?
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Zeca Chaves
Consultor do mercado automobilístico e jornalista especializado na área há 26 anos, Zeca Chaves é colunista do AUTOentusiastas e do portal Automotive Business; foi editor do caderno Veículos da Folha de S.Paulo e trabalhou por 19 anos na revista Quatro Rodas, onde foi redator-chefe.
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