Fonte: Agência FAPESP – 12/06/07
Para contribuir com a luta contra o aquecimento global, São Paulo precisa de um inventário estadual de emissões de gases de efeito estufa. São prioridades também acabar com a queima de palha de cana-de-açúcar no estado e incentivar o uso dos instrumentos legais já existentes para a recuperação e conservação de áreas de florestas e cerrados.
A análise foi feita pelo professor Carlos Alfredo Joly, do Departamento de Botânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante o evento Impactos das mudanças climáticas no Estado de São Paulo, realizado na última quarta-feira (6/6) na sede da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), na capital paulista.
Desmatamento e queimadas, principalmente na Amazônia, são responsáveis por 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, tornando o país o quarto maior poluidor do planeta e dando uma contribuição decisiva para o aquecimento global. Mas, de acordo com Joly, no estado de São Paulo o vilão da mudança climática é outro: a queima da palha de cana-de-açúcar.
“A queima da palha de cana-de-açúcar faz parte do processo tradicional de colheita manual. Esta prática solta na atmosfera cerca de 5 toneladas de carbono por hectare. Se a queimada de florestas é o problema brasileiro, a queima de palha de cana é o problema de São Paulo”, disse Joly à Agência FAPESP.
Na última safra, de acordo com dados do governo estadual, foram queimados mais de 2,5 milhões de hectares de cana, o que teria lançado na atmosfera cerca de 750 mil toneladas de material particulado. Em 2006, da área plantada, 3,4 milhões de hectares foram colhidos para a produção de açúcar e álcool. Desse total, apenas 900 mil foram colhidos com máquinas.
“A legislação estadual prevê uma redução anual de 5% da área queimada, que precisa ser substituída por colheita mecânica, dispensando a queima da palha. Mas o prazo previsto na lei para o fim das queimadas é ainda excessivo: 2031”, declarou o biólogo. No último dia 4 de junho, o governador José Serra e a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) assinaram um protocolo de intenções em que se aceita eliminar as queimadas até 2017.
“Há um problema social envolvido: o uso de maquinário diminui a mão-de-obra e reduziria as possibilidades de emprego para os bóias-frias que dependem desses cortes. Mas acho que o estado precisa ser ousado e criativo o suficiente para desenvolver atividades alternativas que possam ocupar essa mão-de-obra”, disse Joly.
Inventário estadual de emissões
De acordo com Joly, a diferença do cenário ambiental em São Paulo e no resto do Brasil cria a necessidade de um inventário estadual das emissões de gases de efeito estufa no estado. “Isso é importante, porque vários elementos indicam que a realidade aqui é bastante particular. Lidamos com dados regionais da década passada. É preciso investir num inventário”, afirmou o professor.
Joly afirmou que São Paulo já tem os instrumentos legais necessários para recuperar e conservar suas áreas de florestas e cerrados. O estado precisa agora criar meios para articular a aplicação da legislação vigente. Um dos principais problemas de São Paulo, segundo ele, é que as áreas de florestas e cerrados estão muito fragmentadas.
“Pela lei, os proprietários devem dedicar 20% de suas áreas à reserva legal. Se isso for feito de maneira desordenada, preservaremos vários fragmentos sem conexão. Se for feito de forma ordenada, podemos ter um grande fragmento com capacidade de conservação maior. O programa Biota/FAPESP pretende justamente fazer essa articulação, com o Mapa das áreas prioritárias para conservação e recuperação da biodiversidade, declarou.
De acordo com o cientista, em São Paulo, a cultura cafeeira levou à diminuição significativa das florestas, enquanto o cerrado foi dizimado pela cultura canavieira, principalmente durante o Pró-Álcool [Programa Nacional do Álcool, realizado a partir de 1975].
“O estado inicialmente tinha 85% de florestas, hoje tem 10%, dos quais 5% são florestas primárias. Em 1950, o estado ainda tinha 85% de seus cerrados. Em 40 anos destruímos quase tudo: os 2% que restaram estão divididos em 8.500 fragmentos”, disse Joly.
Para o professor, o estado pode recuperar boa parte das florestas e cerrados com os instrumentos legais disponíveis. “Com financiamentos provenientes do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Kyoto, podemos fazer a reposição de matas ciliares, criar áreas de preservação permanente e usar a reserva legal, prevista no código florestal. Isso permitirá reconectar os fragmentos, aumentando a capacidade de conservação do estado”, disse.
De acordo com um modelo climático desenvolvido por um grupo coordenado por Joly, com as mudanças climáticas esperadas dentro de um período de 50 a 100 anos, o estado de São Paulo veria desaparecerem espécies vegetais como o palmito e a araucária. A já reduzida área remanescente de Mata Atlântica deverá perder de 30% a 65% de sua área atual.
No cerrado, graças à fragmentação, pouquíssimas áreas remanescentes ainda têm capacidade de manter a fauna de vertebrados de grande porte, como o tamanduá e o lobo-guará.
“Alguns experimentos mostram que uma primeira reação de espécies arbóreas nativas a um aumento de dióxido de carbono na atmosfera é um aumento na fotossíntese. Mas notamos também que essas espécies têm um envelhecimento precoce e a resposta não é homogênea – haveria uma seletividade com empobrecimento das florestas”, disse o professor.
Segundo ele, mudanças climáticas semelhantes aconteceram no passado, mas levavam milhares de anos. As espécies, submetidas às mudanças por várias gerações, podiam se adaptar, pois tinham tempo para que o processo de evolução e de seleção atuassem.
“A diferença é que agora esse tipo de mudanças se dá em questão de décadas ou anos. Com isso, espécies como o jatobá, que tem vida média de 230 a 250 anos, não terão tempo para que várias gerações respondam às mudanças. A tendência é que estas espécies desapareçam”, disse.