BNDES contraria política industrial e apóia setores tradicionais

Setores agropecuário, de metalurgia básica, aviação, veículos automotores, eletricidade e gás entre outros serão beneficiados

Fonte: Valor OnLine - 11/06/07

Imagem: Divulgação
 
A distribuição setorial dos desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos últimos dez anos (1997-2006) mostra que, paralelamente ao aumento da fatia abocanhada pela indústria de transformação de 33,76% para 50,15%, os números só muito timidamente sinalizam que o banco está, desde 2004, a serviço de uma política industrial.

A política industrial do atual governo, iniciada em março daquele ano, criou mecanismos de estímulo aos setores de software, máquinas e equipamentos, fármacos e semicondutores. Mas essa aposta não transparece nos números do banco. A expectativa dos analistas é de que o novo presidente da instituição, Luciano Coutinho, leve adiante seu propósito de focar mais na política industrial.

"Dois terços dos desembolsos estão concentrados nas mãos de setores tradicionais, no sentido de serem setores controlados por grandes empresas de alta capacidade financeira", destaca o economista Jorge Britto, professor de Economia Industrial da Universidade Federal Fluminense (UFF). De fato, os setores agropecuário, de papel e celulose, metalurgia básica, outros equipamentos de transporte (aviões, basicamente), alimentos e bebidas, veículos automotores, eletricidade e gás e transporte terrestre fecharam 2006 com participação de 64,35% do total desembolsado, não muito longe dos 67,4% de 1997.

Ao mesmo tempo, os setores claramente relacionados com investimentos em tecnologia e inovação - equipamentos médicos de precisão e de automação industrial, máquinas, aparelhos e materiais elétricos, máquinas e equipamentos, máquinas de escritório e informática e material eletrônico e de comunicação - seguem com uma participação muito baixa no total, embora tenham passado de 3,38% para 6,37% em dez anos, ainda assim com picos de crescimento e de queda ao longo da série.

"A medida da importância é dada pela distribuição dos recursos. No conjunto não há mudança significativa", constata Edgard Pereira, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), após ponderar sobre a necessidade de se observar os setores por dentro para saber se a política industrial está mostrando alguma efetividade.

Quando os números setoriais são agrupados por médias trianuais, nas duas pontas, fica mais evidente a falta de nitidez quanto aos setores prioritários. Máquinas e equipamentos passam de uma média de 2,97% de 1997 a 1999 para 3,35% de 2004 a 2006. Máquinas de escritório e de informática, o setor que percentualmente mais cresce nos dez anos em foco, passa nos mesmos triênios de imperceptíveis 0,023% para irrisórios 0,33%. Material eletrônico e de comunicação sai de 0,66% para 0,79%.

"Vê-se que mesmo o setor de informática cresce de forma errática, o que parece ser mais ao sabor da demanda do que de uma política direcionada", diz Britto, da UFF. Ele refere-se ao fato de o setor, após partir de 0,03% em 1997, ter chegado a 0,14% em 2001 para recuar a 0,03% em 2004, passando por zero em 2003. Apenas em 2005 e 2006 é que o setor mostra dois anos seguidos de aumento significativo no conjunto dos desembolsos do banco, mantendo uma participação muito baixa (0,38% e 0,59%).

O economista destaca também que os financiamentos a máquinas e equipamentos, mesmo crescendo, ainda estão muito distantes do que vai para os setores tradicionais, algo que ele espera ser diferente na gestão de Coutinho.

"Chamou a minha atenção que a participação do agronegócio até diminuiu. Não é possível ficar apenas ao sabor dos preços (do mercado). É preciso ter uma visão estratégica", diz Fábio Silveira, da RC Consultores. "Fortalecer o agronegócio nas suas mais variadas ramificações é uma questão de política de Estado. Não há (essa política). Talvez com Luciano Coutinho (o banco) possa ganhar um pouco mais de rumo neste sentido." Silveira destaca também a queda do setor elétrico, que de 32,21% em 1997 desaba para 5,72% em 2001, ano do apagão, reage para 23,66% em conseqüência da crise e chega a 2006 com 9,33%.

A comparação dos desembolsos do BNDES com a participação de cada setor no total do valor da transformação industrial (VTI), medido pelo IBGE, raramente apresenta uma proximidade. A fabricação de outros equipamentos de transporte, com apenas 1,6% do VTI em 2005, levava 12,87% dos empréstimos do banco no mesmo ano. Já os produtos têxteis, com 2,2% do VTI, recebiam apenas 0,56% dos recursos do banco.

Chamou a atenção dos analistas a baixa participação dos setores intensivos em mão-de-obra, começando pelo têxtil. "O setor já tinha dificuldades e agora, com o câmbio no fundo do poço, está pior ainda", lamenta Silveira.

Pereira, do Iedi, chama a atenção para o fato de a fatia do setor nos financiamentos totais do BNDES ter caído para quase um quinto da que era em 1997 (de 1,81% para 0,40%). Também perderam posição ou ficaram estáveis setores como o de móveis, vestuário e o coureiro-calçadista. Resultados da concorrência chinesa e do câmbio valorizado. Ele suspeita que o crescimento proporcional do setor de informática está mais relacionado à possibilidade de importar crescentemente, graças ao câmbio, do que a investimento em máquinas e equipamentos.

Se os grandes números ainda não revelam claramente um direcionamento dos empréstimos do banco para setores prioritários, é certo que o salto nos desembolsos do BNDES em dez anos foi grande. Os R$ 17,89 bilhões de 1997 praticamente triplicaram, alcançando R$ 51,32 bilhões no ano passado. Isso explica porque o setor de couro e artefatos manteve praticamente a mesma participação no total (de 0,64% para 0,62%), mas praticamente triplicou em valores absolutos (de R$ 114,4 milhões para R$ 316,3 milhões). Ou porque o setor de metalurgia básica perdeu participação (de 5,34% para 4,21%), mesmo tendo seu quinhão ido de R$ 955,4 milhões para R$ 2,16 bilhões.

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