Fonte: Valor Online - 11/06/07
Indicada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como prioridade para melhorar o ambiente regulatório no país, a Lei do Gás começa a ganhar contornos finais nesta semana, com a apresentação do relatório do deputado João Maia (PR-RN) à comissão especial formada para discutir o assunto.
Maia entregará o texto aos colegas na quinta-feira, em reunião da comissão a portas fechadas, com um ponto que deverá provocar embate entre a União e os Estados: conforme queria o governo federal, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) ganhará, de acordo com o relatório do deputado, poderes para estabelecer as prioridades de consumo do gás natural em casos de emergência.
Maia adiantou ao Valor que, em situações reconhecidas pelo CNPE como de risco iminente de desabastecimento, o Executivo poderá implementar um plano de contingência, que deverá dispor sobre "medidas iniciais, medidas que mitiguem a redução na oferta de gás e consumos prioritários". A elaboração e acompanhamento das ações do plano ficarão sob responsabilidade de um comitê de contingenciamento, a ser coordenado pelo Ministério de Minas e Energia.
Três projetos de lei foram reunidos para a criação de um marco regulatório do gás natural: o do governo, o texto de autoria do ex-senador Rodolpho Tourinho (já aprovado no Senado) e uma proposta do ex-deputado Luciano Zica. Aquele que sair da comissão e for aprovado no plenário da Câmara deverá, após passar pelo Senado, tornar-se a nova Lei do Gás. Há vários pontos polêmicos: qual será o regime de outorga (concessão ou autorização), se e por quanto tempo haverá exclusividade no uso dos gasodutos existentes, como lidar com uma crise de fornecimento.
O relatório de Maia deve provocar reação dos governos estaduais, que querem ter voz na discussão sobre como gerenciar uma crise de fornecimento e resistem a implementar um plano de contingência elaborado por Brasília. "É um preceito constitucional que o monopólio da distribuição do gás é dos Estados", assinala o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico e Energia do Rio, Júlio Bueno. Para ele, qualquer plano emergencial que aponte prioridades no abastecimento de gás precisa ser negociado com os Estados, jamais imposto pelo governo federal.
A questão ganhou relevância após as ameaças de corte no fornecimento da Bolívia. O Ministério de Minas e Energia já deixou clara sua preferência para o atendimento das usinas termelétricas movidas a gás natural. Essa escolha suscita contestações de setores da indústria - como vidro e cerâmica - que converteram fornos e equipamentos para utilização do gás.
No Rio, a prioridade é o uso de gás para mover os veículos que adotaram esse tipo de combustível. "Usamos mais de 3 milhões de m3 por dia para abastecer a frota veicular, principalmente táxis. Precisamos ser ouvidos", diz Bueno, que assumiu a presidência do Fórum de Secretários do Estado para Assuntos de Energia e vê a nova lei com preocupação.
O relator João Maia afirma que a lei não mencionará quais os setores - térmicas, indústrias ou GNV - que serão prioritários em um eventual plano de contingência, mas confirma que o CNPE ganhará atribuições hoje inexistentes ou pouco claras. Ele diz ter negociado pessoalmente, com o ex-ministro Silas Rondeau e sua equipe, os termos do capítulo da lei que trata da contingência de gás.
"O governo faz muito bem em se preocupar. Vamos torcer para não precisarmos disso, mas não podemos ser pegos de calças curtas", observa Maia, um parlamentar de primeiro mandato, com experiência na área econômica - participou da equipe de Dilson Funaro no Ministério da Fazenda (governo Sarney) e chegou à secretaria-executiva da pasta, na gestão de Zélia Cardoso na Fazenda (governo Collor).
No texto de Tourinho, aprovado no Senado, havia a previsão de privilegiar o abastecimento das térmicas até 2010, em caso de necessidade de contingência. Essa emenda foi colocada a pedido da liderança do governo, atendendo a pedido do Palácio do Planalto. A intenção dos Estados era mudar esse ponto na tramitação da Lei do Gás na Câmara, mas a redação dada pelo relator não deverá satisfazê-los.
Para o professor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), é polêmica a inclusão de um capítulo para tratar de contingência do gás na nova lei. "O CNPE não tem autoridade para isso. É inconstitucional", assinala o especialista. Ele lembra que não é apenas o monopólio dos Estados na distribuição que deve ser considerado, mas os contratos de fornecimento em vigência.
Pires avalia que o governo federal tenta encontrar formas de garantir, em momentos de crise, o abastecimento de gás para as termelétricas. "O governo sabe que a possibilidade de racionamento de energia elétrica é enorme."
Nas estimativas do especialista, haverá sérias restrições ao despacho das usinas térmicas nos próximos anos, se não houver corte de fornecimento a outros consumidores. Por isso é grande a chance de que o governo, por imposição ou negociando com os Estados, tenha que definir como será feito o racionamento do gás.
Pires acredita que, em 2007 e 2008, somente 29% e 35% da capacidade de geração elétrica das térmicas poderá ser acionada com o gás disponível. Em 2009, com o início das importações de gás natural liqüefeito (GNL), seria possível aumentar o despacho para 50%. No ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determinou a retirada 3,6 mil megawatts (MW) médios de capacidade térmica do cálculo de energia disponível no sistema interligado nacional.