A oferta de energia elétrica no país tem de crescer 42.600 megawatts (MW) nos próximos dez anos, e o Brasil vai pôr em operação entre três e quatro usinas hidrelétricas por ano para atender à demanda. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) já planejou a entrada em operação de 34 novas usinas hidrelétricas até 2021, sendo 15 delas na Amazônia Legal. Para o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, ampliar a oferta de energia hidrelétrica é condição básica para o desenvolvimento econômico, e a instalação de usinas nos rios amazônicos é inevitável.
"Não podemos abrir mão de construir hidrelétricas. Preservar o meio ambiente não é uma decisão excludente. É preciso achar um meio de a hidrelétrica ajudar a preservar", diz Tolmasquim.
A EPE propõe construir hidrelétricas do tipo plataforma, que depois de prontas ficariam isoladas na floresta, acessíveis apenas por helicóptero, inspiradas na extração de petróleo no mar. Tolmasquim reconhece que durante a construção é impossível não abrir estradas, mas ressalta que estas podem ser reflorestadas. A construção de novas hidrelétricas visa a atender ao consumo cada vez maior de energia no país. E o brasileiro ainda consome três vezes menos que o americano.
"A sociedade tem de decidir se ela quer ser abastecida de energia elétrica. E a alternativa às hidrelétricas são usinas térmicas a óleo, gás natural ou carvão. É uma energia muito mais cara, que prejudica mais o meio ambiente", afirma o diretor-executivo da Brasil Hydro, Flavio Miguez de Mello.
O estudo da EPE para 2021 prevê que, à exceção das hidrelétricas, que representarão 12,6% da oferta de energia total no país, a participação das fontes renováveis só crescerá de 1,4% hoje para 1,6%. Com 2.200 horas de insolação, o Brasil sequer incluiu energia solar no planejamento.
"É preciso quebrar o paradigma de grandes hidrelétricas", diz o professor Paulo Henrique de Mello Sant"Ana, da Universidade Federal do ABC (UFABC), coordenador de um estudo recém-lançado, patrocinado pela WWF-Brasil.
Sant"Ana lembra que a Dinamarca tem 30% de sua energia gerada pelos ventos e que a Alemanha, com muito menos sol que o Brasil, só perde para China e EUA em energia solar. "No lugar de expandir a oferta, temos de aprender a gerenciar a demanda. Estamos diante de uma revolução energética, e o Brasil não está olhando para a frente", defende.
Linhas de transmissão: ponto frágil
Dados da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava) mostram que 8% da energia produzida se destinam apenas ao chuveiro elétrico. Isso corresponde a 15 mil MW no horário de pico, entre 17h e 22h. Segundo a Abrava, cada metro quadrado de coletor solar instalado para aquecer água pode evitar 56 metros quadrados de área inundada por hidrelétricas.
Já no estudo "O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21", patrocinado por cinco ONGs, incluindo o Greenpeace, o consultor em planejamento energético Roberto Kishinami afirma que o país precisa urgentemente planejar o aumento de sua eficiência econômica.
Ele lembra que a eficiência energética dos motores elétricos de uso industrial passou de 39,8% em 1984 para 47,1% em 2004. E diz que um programa reunindo fabricantes de motores e instituições de pesquisa poderia, a curto prazo, trocar equipamentos antigos, reduzindo o custo e a necessidade de uso de energia nas indústrias, que respondem por metade do consumo total.
Além disso, a produção de energia na Amazônia implica mais investimentos em linhas de transmissão. E os problemas nestas têm sido apontados como os principais responsáveis pelos apagões. Só em interligações e para usar a energia de Belo Monte, Teles Pires e Tapajós estão previstos, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), investimentos de R$ 37,4 bilhões.
A distância tende a agravar as perdas do sistema. Segundo a EPE, o índice dessas perdas, hoje em 16,9%, fechará 2021 em 16,1%. No Chile é de 5,6%, e na Argentina, de 9,9%.
O professor da Faculdade de Administração e Economia da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto Eliezer Martins Diniz lembra que as decisões sobre hidrelétricas se baseiam em critérios econômicos. E diz que o desenvolvimento econômico e social não pode ser um alvará para atropelar questões ambientais.
Por Cleide Carvalho/ O Globo