O país está vivendo uma "revolução" cujos efeitos ainda estão por vir, avalia o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao referir-se à queda da taxa básica de juros de 12,5% para 7,25% ao ano e à desvalorização da taxa de câmbio obtida nos últimos seis meses.
No início, os efeitos dessas duas mudanças podem ser até negativos, disse ele, seja porque o rendimento das aplicações financeiras fica baixo, ou porque empresas que serão beneficiadas por um câmbio mais competitivo também tinham dívidas em moeda estrangeira. "Tem o custo de adaptação a esses novos preços, mas já começamos a sentir os primeiros efeitos do câmbio na reação das exportações de produtos manufaturados", indicou, em conversa com o Valor.
Do tripé da política econômica, formado pelo regime de metas para a inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante, Mantega considera "permanentes, fundamentais" apenas dois: a meta de inflação, " que tem que ser mantida sob controle e não tem conversa" - e a política de solidez fiscal. Sobre esse último, ele disse que continua em busca do superávit primário das contas públicas de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), mas com a prerrogativa de poder descontar uma parcela dos investimentos de acordo com o comportamento da arrecadação e da necessidade de fazer desonerações de tributos.
Para o ministro, a economia está reagindo e retomando o nível de atividade compatível com um crescimento de 4% a 4,5%. Salientou que houve menor ritmo de expansão em setembro comparado com agosto, porque também houve, no mês passado, apenas 19 dias úteis contra 23 dias úteis em agosto. Dessazonalizando os dados, ele sustenta que houve crescimento.
A inflação não está sob risco, acredita o ministro. A taxa vinha convergindo para o centro da meta quando, em julho, os preços das commodities agrícolas subiram no mercado internacional, configurando-se um choque de oferta. " Não há o que fazer com choque de preços de alimentos", disse, olhando os dados de uma tabela de maneira minuciosa e identificando o que já está retrocedendo: " Veja, os preços das hortaliças e legumes já cederam, caíram 5,8% em quatro semanas", comentou. Os índices gerais de preços também estão se acalmando, reflexo da acomodação no atacado e em um ou dois meses, calcula ele, isso vai se refletir nos preços do varejo. O choque de oferta é passageiro, garante o ministro, e a margem de tolerância de dois pontos na meta de inflação de 4,5% é para acomodar esses eventos.
Para ele, o sinal vermelho da política de controle da inflação acende no governo muito antes de ela apontar para o teto da meta, que é de 6,5%, e não há risco de um recrudescimento dos índices de preços no ano que vem. " O Banco Central olha as tendências e, tirando o risco eventual de choques de oferta, não há pressão inflacionária vinda de fora. O cenário externo é mais de deflação."
A crise na zona do euro, na visão de Mantega, também não será tao prolongada quanto alguns imaginam. " A contração lá não se sustenta. Não tem sustentação política nem social", acredita, vislumbrando mais uns dois anos de baixo crescimento.
Não há certeza de que o governo poderá cumprir a meta fiscal de 2013, em princípio de 3,1% do PIB. "Quando se pensa em política fiscal, estamos sempre perseguindo a meta cheia, mas temos a prerrogativa de abater uma parte dos investimentos. O que não é tolerável é deduzir gasto de custeio."
A política fiscal é anticíclica desde 2007-2008, e o que o governo persegue é a redução da dívida como proporção do PIB e do déficit nominal. "No passado, ela não era anticíclica e o governo mirava apenas o resultado primário. Nós aperfeiçoamos o conceito da política fiscal, pois você pode fazer um belo superávit primário e ainda assim ter deterioração fiscal, com aumento do déficit nominal".
Com o reforço fiscal de 2011, criou-se condições para o Banco Central aproveitar a crise das economias maduras para reduzir os juros básicos (a Selic). O corte de 5,25 pontos percentuais da Selic devolve a título de juros, para o governo, algo como R$ 50 bilhões, mencionou o ministro.
O objetivo da política econômica tem que ser compatibilizado, de forma que a inflação continue sob controle, o governo consiga obter uma taxa mais razoável de crescimento e consiga, também, um câmbio que seja competitivo para a indústria local. "Se exagerarmos em alguma dessas variáveis, não conseguiremos cumprir esses objetivos. temos que compatibiliza-las", disse Mantega.
"A meta de inflação e o superávit fiscal são básicos, fundamentais. Não dá para não cumpri-los". Ele não admite que o governo esteja relaxando a meta de inflação, permitindo algo na casa dos 5,5% e não buscando o centro da meta, de 4,5%. "Não está sendo relaxada, não", assegurou, atribuindo o aumento do IPCA ao choque de preços das commodities agrícolas, decorrente da seca nos Estados Unidos, e problemas decorrentes de seca também aqui. Quanto à taxa de câmbio, reiterou que o governo optou por uma gestão ativa. " O câmbio não depende de nós. O regime depende do mundo, dos nossos parceiros".
Mesmo com a depreciação do real frente ao dólar americano nos últimos seis meses, uma taxa ao redor de R$ 2 ainda estaria apreciada em cerca de 22% diante de uma cesta de moedas.
O tripé, que tem sustentado a estabilidade econômica há 13 anos, não é um dogma. "Você pode ter o tripé sendo rigorosamente cumprido e não crescer. Pode cumprir a meta de inflação com uma política monetária contracionista. Poderíamos estar com juros reais de 5%, com a inflação rigorosamente no centro da meta, mas sem crescimento". Num período de crise glocal, porém, a política monetária tem que ser flexível, disse.
Ele está confiante de que o crescimento econômico virá pelo aumento do investimento, como fruto do conjunto de medidas de redução de custos de produção, da retomada das concessões de serviços públicos para exploração pelo setor privado. Mantega atribui a demora da reação da atividade econômica à crise externa. Os mercados da Europa pioraram substancialmente este ano e os EUA continuam andando de lado. Mas as mudanças protagonizadas pelo governo vão reverter o quadro.