O impasse que ronda a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), cujo controle está à venda desde maio e permanece sem comprador definido, é apenas um dos problemas que a Vale está enfrentando para tocar seus projetos de siderurgia. Diante da crise mundial e do excesso de aço no mundo, a mineradora - que tem 37% de participação na CSA - ainda não conseguiu convencer parceiros a investir em suas usinas no Pará e no Espírito Santo, avaliadas em US$ 9,4 bilhões. E não está disposta a arcar com os custos sozinha num momento em que o preço do minério de ferro, sua principal fonte de receita, está em baixa. Mas a Vale não é a única: Usiminas e ArcelorMittal Brasil suspenderam projetos de US$ 6,9 bilhões por tempo indeterminado, elevando os investimentos em banho-maria ou cancelados a US$ 16,3 bilhões.
A Vale, que enfrenta ainda morosidade no processo de licenciamento e problemas na infraestrutura logística dos empreendimentos, não chegou a retirar as usinas de seu portfólio, mas já comunicou às autoridades que eles já não figuram entre suas prioridades.
Ao pôr o pé no freio nos dois projetos, a Vale se une a outras empresas que cancelaram ou suspenderam ampliações ou construções de siderúrgicas no Brasil por causa do cenário externo adverso. A Usiminas foi a primeira vítima da crise, ao anunciar o cancelamento de sua usina de placas em Santana do Paraíso (MG), de US$ 5,7 bilhões. No ano seguinte, a ArcelorMittal Brasil suspendeu, por tempo indeterminado, a duplicação de sua usina em João Monlevade (MG), de US$ 1,2 bilhão. Ao todo, a conta sobe a U$ 17,3 bilhões.
Obstáculos para usinas
No caso da Vale, o ritmo mais lento dos projetos na gestão de Murilo Ferreira, que assumiu a presidência em maio de 2011, vai de encontro ao que se esperava do executivo. Uma das razões para o embate entre seu antecessor, Roger Agnelli, e o governo federal foi o desejo do ex-presidente Lula de que a empresa investisse em siderurgia.
Os quatro projetos da Vale - além da CSA, no Rio, e das usinas em Pará e Espírito Santo, há uma siderúrgica no Ceará - foram desenhados na gestão Agnelli, quando o cenário era mais favorável à indústria do aço, e a pressão oficial era maior. O governo Dilma Rousseff continua a monitorar de perto o andamento dos projetos, mas fontes afirmam que ela está mais compreensiva diante da conjuntura internacional.
O conselho de administração, no qual o governo tem forte influência, ainda não aprovou as usinas nem demonstra pressa em fazê-lo. A participação de fundos de pensão patrocinados por estatais e do BNDES nas ações ordinárias (com voto) na Valepar, holding que controla a Vale, soma 60,5%.
"Tem que prevalecer o bom senso. O governo parece ter entendido que, para preservar o balanço, a Vale tem que focar em mineração", disse o analista da Geração Futuro para mineração, Rafael Weber.
A Vale divulga o resultado financeiro do terceiro trimestre na quarta-feira (24). Analistas esperam queda de até 65% no lucro líquido, para algo entre R$ 2,8 bilhões e R$ 4 bilhões. Ironicamente, empecilhos para que as usinas saiam do papel também vêm do próprio governo federal. Além da falta de sócios, a Vale enfrenta um impasse na infraestrutura logística da Aços Laminados do Pará (Alpa). Uma hidrovia que ligaria o porto de Vila do Conde, no litoral paraense, à cidade de Marabá, onde está a usina, teve as obras suspensas há oito meses, após ser retirada do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ela é crucial para levar para a Alpa o carvão importado, sem o qual os altos-fornos da siderúrgica não funcionam. É pela hidrovia também que será escoada parte dos produtos siderúrgicos, o que viabilizaria a construção de um polo metal-mecânico na região. A industrialização é o anseio do governo do Pará, que, por décadas, vive a contraditória situação de abrigar a maior reserva de minério da Vale, Carajás, e ver quase toda a produção ser exportada.
"A hidrovia é o principal gargalo hoje para o projeto. Sem ela, a usina não sai. O pior é que o projeto criou expectativa no empresariado local, que investiu em hotéis e restaurantes e, agora, teme que o dinheiro investido não tenha o retorno esperado", disse o secretário de Indústria, Comércio e Mineração do Pará, Davi Leal.
Segundo o Ministério dos Transportes, a hidrovia Tocantins, avaliada em R$ 693 milhões, foi retirada do PAC por problemas na licitação, e não há prazo para que seja reincorporada. A Vale informou que, a pedido do ministério, está apoiando estudos para o esclarecimento de dúvidas técnicas que surgiram na licitação e que, assim que as obras da hidrovia forem retomadas, dará início à construção da usina. Hoje, a Alpa está em fase de terraplenagem.
A mineradora disse que o projeto depende da desapropriação, conduzida pelo governo estadual. A Alpa tinha previsão de entrar em operação em 2013 e investimento de US$ 3,2 bilhões. Tanto neste caso quanto na Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU), no Espírito Santo, a Vale admite que os cronogramas terão de ser revistos. A usina capixaba está mais atrasada. Ela nasceu de conversas com a chinesa Baosteel em 2007. O projeto seria no Maranhão, mas foi cancelado, e o Espírito Santo surgiu como alternativa. Problemas ambientais e a crise levaram a Baosteel a desistir. A Vale, então, redesenhou o projeto e decidiu tocá-lo até conseguir outro parceiro, o que não aconteceu.
"Em função da menor demanda internacional por aço, a empresa avisou que os projetos siderúrgicos estão fora de suas prioridades e que está reduzindo a velocidade de implementação', diz o secretário de Integração Econômica Regional de Anchieta, Marcelo Pompermayer. "A ideia é fazer o licenciamento ambiental sem pressa, até que ela consiga um parceiro", afirma.
A CSU tem apenas a licença prévia e já foram impostas 69 condicionantes para a obtenção da licença de instalação. Ao GLOBO, a Vale reiterou a intenção de ser minoritária na usina e disse que "neste momento, aguardamos a definição de um sócio, que será responsável pelas definições finais, bem como pela construção e operação da planta". Para analistas, encontrar um parceiro não será tarefa fácil.
"Se a Thyssen tem dificuldades de vender sua fatia na CSA (a alemã tem 73% na unidade e a Vale os 27% restantes), imagine atrair duas empresas para um mesmo país. Não há tanta gente assim disposta a investir", afirma Weber.
Pecém, uma exceção
A Companhia Siderúrgica de Pecém, no Ceará, parece ter alcançado algum sucesso, após anos de imbróglio entre os sócios. Orçada em US$ 2,6 bilhões, a unidade tem como sócios as sul-coreanas Dongkuk e Posco, já começou as obras e tem previsão de operação em 2015. Hoje, há uma sobra de aço no mundo de 500 milhões de toneladas, o equivalente a cerca de 15 vezes a produção nacional. E os efeitos da conjuntura internacional já aparecem nas previsões do Instituto Aço Brasil, que reúne as empresas do setor. Em junho, a projeção de produção siderúrgica para 2012 foi revisada de 37,5 milhões para 36 milhões de toneladas.
"Estamos em crise, e a tendência é fechar os altos-fornos das usinas menos rentáveis e desovar estoques", diz Pedro Galdi, da corretora SLW.
Mas algumas siderúrgicas decidiram manter seus projetos. Casos de CSN e Gerdau, que estão diversificando os negócios. A primeira, que atua mais em aços planos (com aplicação na indústria automotiva e de eletrodomésticos), está a todo vapor com seu projeto de longos (usados na construção civil e obras de infraestrutura). A usina está sendo erguida em Volta Redonda, com investimento de R$ 1,2 bilhão e vendas previstas para 2013. Já a Gerdau, com tradição em longos, investe R$ 2,4 bilhões na instalação de uma linha de produção de aços planos em Ouro Branco (MG).
Por Danielle Nogueira/ O Globo