Após anos de euforia, fábrica de moto demite

Com vendas em queda, setor quer tratamento semelhante ao de automóveis e de caminhões

Elas substituíram os jegues no Nordeste, os cavalos nas fazendas e as bicicletas nas cidades. Por quase duas décadas, as motocicletas foram fenômeno de vendas, saindo de 53,4 mil unidades em 1992 para 1,9 milhão em 2008. A aceleração foi interrompida em 2009, na crise financeira internacional.

Embora tenha reagido em 2010 e 2011, o mercado voltou a se retrair. De janeiro até a primeira quinzena de agosto, os negócios caíram 9,3% em relação ao mesmo período do ano passado, com 1,05 milhão de motos vendidas. No mesmo período, a produção caiu mais de 15%, para pouco mais de 1,1 milhão de unidades.
 
Diante desse quadro, que tem levado fabricantes a darem férias coletivas e a reduzirem o quadro de pessoal na Zona Franca de Manaus, onde são produzidas mais de 90% das motos vendidas no País, o setor espera ser o próximo contemplado com pacote de incentivo às vendas. 
 
Depois da prorrogação do corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e de novos benefícios à venda de caminhões na semana passada, fabricantes e revendedores de motos aguardam para as próximas duas semanas um anúncio do governo federal.
 
"Estamos de plantão esperando ser chamados pelo governo, igual a um menino que fica esperando a mesada para ir ao cinema", diz o presidente executivo da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), Alarico Assumpção Júnior.
 
Crédito
A ajuda mais urgente é uma medida para destravar o crédito para financiamentos. De cada 100 motos vendidas no País, 80 são para pagamentos parcelados. Atualmente, bancos e financeiras aprovam no máximo 20% das fichas enviadas por revendedores, informa José Eduardo Gonçalves, diretor executivo da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas (Abraciclo).
 
O aperto no crédito reduziu a capacidade de compra principalmente dos consumidores das classes D e E, normalmente responsáveis por 48% das compras de motocicletas, principalmente dos modelos mais populares, com 50 a 150 cilindradas, e preços entre R$ 3 mil e R$ 6 mil. Segundo a Abraciclo, de todas as motos vendidas no País, 85% são dessa categoria.
 
As empresas iniciaram 2012 com projeção de vender pouco mais de 2 milhões de motos - 5% a mais que em 2011 -, mas agora trabalham com redução de 10% a 15%. Mesmo que sejam adotadas medidas de estímulo nos próximos dias, "o máximo que conseguiremos será repetir os números do ano passado", diz Gonçalves.
 
Na opinião de Paulo Takeuchi, diretor da Honda - marca que detém 80% do mercado -, uma alteração no recolhimento dos depósitos compulsórios dos bancos poderia liberar R$ 3 bilhões em crédito para o financiamento dos veículos de duas rodas. Ele lembra que, para os automóveis, o Banco Central adotou esse tipo de medida, dando um fôlego de R$ 18 bilhões para o financiamento no segmento.
 
Takeuchi calcula em 7,5% a 8% o índice de inadimplência no financiamento das motos. É esse cenário que levou os bancos a retraírem o crédito. Segundo ele, atualmente as marcas trabalham com condições mais rigorosas de vendas, com exigência de 20% de entrada e o restante no máximo em 36 parcelas. 
 
O executivo acredita que as medidas de incentivo aos automóveis, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), também tiram uma fatia de consumidores de motos, pois "está muito fácil comprar um carro".
 
Frota
Com base em dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Gonçalves afirma que o Brasil tem hoje uma frota de cerca de 20 milhões de motocicletas, mais de três vezes o volume de dez anos atrás. Apenas 19% são usadas para lazer. A maioria é para uso de locomoção e de trabalho. O retrato disso é a enorme quantidade de motoboys circulando diariamente pelas grandes metrópoles.
 
Em 2002, havia 32 habitantes por motocicleta no País, relação que caiu para 10 habitantes no ano passado. "A Espanha tem nove habitantes por motocicleta, a Itália tem sete, a Indonésia cinco, a Tailândia tem quatro e o Vietnã, três", compara Gonçalves. Mesmo assim, ele não vê uma saturação do mercado brasileiro que, a seu ver, ainda tem espaço para crescer.
 
Cleide Silva/ O Estado de S. Paulo
 

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