Esvaziamento da GM em São José chega a fornecedor

Em São José, GM fechou um turno e promoveu demissões voluntárias, mas ainda tem excedente de mão de obra

A possibilidade de fechamento de uma linha de produção trouxe tensão para toda uma rede de fornecedores que se formou no entorno do complexo automotivo da General Motors (GM) em São José dos Campos, no interior paulista.

De multinacionais - como Johnson Controls, Eaton e TI Automotive - até pequenos fabricantes espalhados pela Zona Sul da cidade e que abastecem sistemistas da GM, uma série de empresas está exposta ao funcionamento do setor conhecido como MVA (Montagem de Veículos Automotores) - de onde saem os modelos Corsa, Classic e Meriva.
 
Os negócios já vinham sendo comprometidos pela contração da demanda pelos obsoletos produtos da fábrica, mas a situação se tornou mais crítica com a iminência do fechamento da linha. O fantasma de cortes passou a pairar sobre os metalúrgicos.
 
Por enquanto, não há registros de demissões em massa, mas o esvaziamento da unidade no Vale do Paraíba começa a se irradiar pelo cinturão de fornecedores.
 
A inglesa TI Automotive - que tem em São José sua maior fábrica no mundo -, parou de produzir sistemas de ar-condicionado para a linha ameaçada da GM e remanejou ao redor de cem funcionários para outras áreas, conforme informações do sindicato local, que a empresa de autopeças preferiu não comentar.
 
A prefeitura de São José estima que o fim da operação pode reduzir em R$ 25 milhões a receita com ICMS, o que parece pouco em meio a uma arrecadação municipal que chega perto de R$ 2 bilhões. Mas o prefeito Eduardo Cury, que se diz "extremamente preocupado" com a situação da montadora, lembra que são recursos suficientes para a construção de cinco escolas. "É um impacto que a economia da cidade consegue absorver, mas é um fato que poderia ser evitado", comenta Cury, que, assim como grande parte dos grupos empresariais da cidade - incluindo a própria GM - critica a falta de flexibilidade do sindicato local nas relações trabalhistas.
 
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima uma perda de R$ 104 milhões na economia da cidade, considerando apenas o pagamento de salários e benefícios dos 1,5 mil metalúrgicos que trabalham na montagem de carros. O sindicato local, contudo, aponta que outros 500 funcionários também estariam ameaçados por estarem em áreas relacionadas à linha.
 
E os cálculos dos sindicalistas se tornam mais preocupantes quando se leva em conta que o fim de cada vaga na GM coloca em risco de três a quatro postos de trabalho na rede de fornecedores.
 
Por isso, setores da iniciativa privada e entidades públicas de São José começam a se articular para pressionar um acordo entre montadora e sindicalistas, repetindo a coalizão formada em 2008 para garantir o investimento de R$ 800 milhões à produção na cidade da nova picape S10.
 
 
A Associação Comercial já está em contato com a prefeitura local e outras entidades representativas do setor industrial para montar um plano de ação em prol da manutenção dos empregos e dos investimentos da montadora no município.
 
"A se confirmar esse volume de dispensa na GM, a cidade ficará em posição de alerta e haverá uma reação em cadeia, tanto no setor de autopeças quanto no de serviços, com reflexos muito negativos no comércio local", avalia Felipe Cury, presidente da Associação Comercial de São José.
 
A prefeitura de São José descarta discutir incentivos fiscais e defende um acordo de longo prazo - de cinco a seis anos - entre a empresa e trabalhadores, de modo a atrair novos investimentos.
 
No total, existem cerca de 50 mil operários e 900 empresas no setor metalúrgico na região - considerando, além de São José, os municípios de Jacareí, Santa Branca, Igaratá e Caçapava. Por conta da diversificação no parque industrial do Vale do Paraíba, a maior parte dessas empresas não depende apenas da General Motors.
 
Algumas, no entanto, estão fortemente expostas. Na TI Automotive, por exemplo, a GM representa 30% do faturamento no Brasil, onde o grupo possui um total de 1,3 mil funcionários, sendo 850 deles em São José. Por sua vez, a Johnson Controls, fabricante de assentos, tem a GM como seu principal cliente na região.
 
As duas empresas, assim como a Eaton e outros fabricantes menores procurados pelo Valor, preferiram não comentar o caso.
 
Inaugurada no fim da década de 1950 para a produção de motores usados por veículos comerciais da Chevrolet, o complexo industrial da GM em São José foi a casa do Chevette - um dos modelos de maior sucesso da montadora - entre as décadas de 70 e 90. Nos últimos anos, contudo, os carros fabricados na unidade passaram a ser substituídos por modelos levados às fábricas de São Caetano do Sul, no ABC Paulista, e Gravataí (RS).
 
Desde junho, a GM fechou um turno de produção na linha de montagem de carros, abriu dois programas de demissões voluntárias que culminaram no desligamento de 356 metalúrgicos e, na última quinta-feira, encerrou a produção da minivan Zafira - alegando excesso de estoque.
 
Dos carros que vinham sendo produzidos na fábrica, os modelos Zafira e Meriva - aposentados pelo lançamento do Spin - mostram neste ano queda de 9,7% e 24,4% nas vendas, respectivamente.
 
A montadora opera com excedente de mão de obra em São José e deve tomar até o fim do mês uma decisão sobre o futuro da fábrica. Por enquanto, a GM, que critica o radicalismo do sindicato local, diz não ter novos planos de investimento na região. As duas partes devem voltar a discutir o assunto na próxima quarta-feira, embora a reunião ainda não esteja confirmada.
 
Na campanha contra o encerramento da linha de montagem, os sindicalistas já promoveram uma parada de duas horas na quinta-feira da semana passada e fizeram uma greve de 24 horas na última segunda-feira.
 
Por Eduardo Laguna e Virginia Silveira/Valor Econômico
 

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