Os próximos seis meses são considerados cruciais no plano da Chery de se instalar no Brasil. A matriz da montadora chinesa, que há menos de três meses assumiu os negócios da marca no país, quer definir até o fim do ano quais serão os fornecedores da fábrica que está sendo erguida em Jacareí, no interior de São Paulo.
No fim de maio, o projeto foi apresentado a empresas do município e, ainda neste mês, outro encontro deverá ser realizado com fabricantes de autopeças, desta vez na capital paulista. A definição dos fornecedores é importante para que a Chery comece a desenvolver com eles os modelos - ainda não anunciados - a serem produzidos a partir do ano que vem na fábrica, a primeira fora da China em que o grupo tem 100% de controle.
A depender dos resultados dessas negociações, entre oito e vinte fornecedores poderão vir a se instalar no entorno da unidade, sendo boa parte deles para dentro do complexo que ocupa uma área de um milhão de metros quadrados.
"A área ao redor é bastante ampla. Não teremos problema de espaço", diz Luis Curi, empresário responsável por introduzir a Chery no mercado brasileiro e que agora, na função de diretor comercial, se tornou o principal interlocutor de origem brasileira nas mais diversas gestões envolvidas na implantação de um grande projeto.
Ele passou os últimos dias apresentando o andamento das obras para autoridades da província de Anhuí, onde está a sede da Chery Automobile, e representantes do Banco de Desenvolvimento Econômico da China, um dos financiadores da fábrica. Também tem dedicado parte de seu tempo a mostrar o projeto aos primeiros empresários interessados em suprir componentes à futura fábrica.
A aproximação da Chery com a indústria de autopeças está na gênese de um novo polo automobilístico nacional. Fora o projeto do grupo chinês, outros três grandes centros automotivos estão em formação no entorno de fábricas erguidas pela Hyundai, em Piracicaba (SP); Toyota, em Sorocaba (SP); e Fiat, que vai produzir mais de 200 mil carros por ano em Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco.
Os quatro novos polos mobilizam uma centena de empresas e somam investimentos estimados em mais de R$ 10 bilhões - sem falar de outros projetos importantes conduzidos em regiões onde já existe alguma cadeia de suprimento, caso da JAC Motors, em Camaçari (BA).
Os empreendimentos imprimem uma nova dinâmica econômica a essas cidades, que passam a assistir ao surgimento de distritos industriais e loteamentos residenciais ou comerciais ao redor das fábricas - algo que, muitas vezes, tem levado a revisões no Plano Diretor dos municípios.
Essa transformação tem avançado a passos largos em Goiana. De uma economia historicamente sustentada pela cultura da cana-de-açúcar, a região se tornou foco de investimentos da cadeia metal-mecânica e de grandes empreendimentos imobiliários desde que a Fiat decidiu instalar sua fábrica na região.
Em uma área de 600 hectares adjacente à fábrica, está prevista a construção de um complexo que comportará 18 mil residências, suficiente para até 60 mil habitantes. O projeto - cujo investimento é estimado em R$ 3 bilhões - foi lançado pela Queiroz Galvão e mais três empresas: Grupo Moura, GL Empreendimentos e Cavalcanti Petribu. Outro bairro planejado - avaliado em R$ 1 bilhão - prevê mais 2,2 mil residências na mesma cidade.
Mesmo em cidades como Piracicaba - onde existe uma indústria metal-mecânica bem desenvolvida, com a presença de gigantes multinacionais como a Caterpillar -, a chegada de uma fábrica de automóveis muda a paisagem de zonas antes dominadas por produtores rurais. "Os donos de terras decidiram dar outra atividade para suas propriedades além da plantação de cana", afirma o secretário municipal de governo, José Antonio Godoy, ao comentar o avanço de loteamentos residenciais e industriais sobre o canavial.
Em Goiana, a Fiat, a exemplo da Chery, ainda está prospectando os fornecedores de sua nova fábrica. Autoridades locais acreditam que o projeto vai atrair ao menos 60 empresas para a região. A referência é a fábrica da montadora em Betim (MG), que transformou a região no segundo maior polo automobilístico do país, ao atrair 65% dos fornecedores para um raio de 150 quilômetros da fábrica.
Dentro de um complexo de 14 milhões de metros quadrados, a Fiat terá uma área de 500 mil metros quadrados dedicada ao parque de fornecedores. A empresa diz que as negociações com sistemistas estão em andamento e que ainda não definiu seus fornecedores. Mas, na cola do investimento, algumas empresas se adiantaram em anunciar novas fábricas na região, caso da Takata, fornecedora de sistemas de airbags, e da WHB, fabricante de virabrequins.
Além da aposta na capacidade de o mercado automobilístico continuar renovando recordes nos próximos anos, a integração entre montadoras e a indústria de autopeças tem como pano de fundo a política do governo desenhada para o setor, que atrelou benefícios tributários ao uso de conteúdo regional e investimentos em inovação. E, claro, também existem motivações ligadas à redução dos custos de logística e eficiência das operações.
A Hyundai trouxe dez fornecedores para Piracicaba. Três deles foram instalados ao lado da fábrica. Paralelamente, a montadora coreana fechou contrato com outros 21 fornecedores brasileiros para suprir a unidade. Segundo estimativas da Prefeitura de Piracicaba, os investimentos da indústria de autopeças para atender às necessidades da montadora coreana são de aproximadamente US$ 250 milhões.
Por sua vez, a Toyota, em Sorocaba, montou um parque de onze fornecedores de componentes, que também inclui outra empresa de prestação de serviços. A montadora japonesa concedeu a eles uma área de 450 mil metros quadrados dentro do complexo, onde serão produzidos inicialmente 70 mil carros por ano.
Na semana passada, a Toyota anunciou o início das atividades de pré-lançamento do compacto a ser produzido no local, o Etios. Potenciais consumidores estão recebendo malas-diretas que apresentam o novo carro. Dentro da ação, as 133 concessionárias da rede vão receber um espaço exclusivo para receber os interessados no modelo.
Mario Tanigawa, secretário de desenvolvimento em Sorocaba, diz que, nos últimos anos, cerca de US$ 1,2 bilhão foram investidos no município pela indústria de veículos. Metade do montante corresponde ao aporte feito pela japonesa Toyota.
Por Eduardo Laguna/Valor Econômico