Não foi apenas para ver as novidades da indústria automobilística chinesa que o brasileiro Luis Curi, vice-presidente da Chery no Brasil, veio visitar o salão do automóvel em Pequim. Enquanto circula entre os cinco enormes pavilhões da feira, o executivo quer aproveitar para fazer contatos com importadores da América Latina que visitam a exposição. São os empresários que já vendem modelos Chery fabricados na China e, por isso, prováveis clientes das exportações da futura fábrica da Chery em Jacareí (SP).
A importância da busca antecipada por contratos de exportação para a fábrica que está sendo construída aumenta no cenário atual do mercado brasileiro, no qual as vendas de automóveis encolheram em consequência de restrições dos bancos para financiamento.
Com menos crédito disponível no mercado, tanto a Chery como a JAC Motors - as duas chinesas que já iniciaram os projetos de construção de fábricas no Brasil - decidiram não repassar para o consumidor o aumento de 30 pontos percentuais no IPI para carros importados, em vigor desde dezembro. E mesmo assim, as duas refizeram as projeções de vendas para a metade do que haviam planejado.
"Nossa especialidade é o carro de entrada", disse Curi, usando expressão que se refere a veículos mais simples, muitas vezes o primeiro da família. É nessa faixa que os bancos aumentaram as exigências para liberação de financiamento, em reação ao recente crescimento da inadimplência.
Além de saudável para a futura atividade industrial, a busca, nos mercados vizinhos, de canais para escoar a produção poderá ajudar os chineses a se prevenir contra novas futuras oscilações no mercado brasileiro.
Ao invés dos cerca de 60 mil veículos de vendas para 2012, calculados na virada do ano, a nova previsão da Chery indica não mais do que 30 mil. "Fomos afetados pelo fim dos planos de financiamento em 60 meses sem entrada", afirmou Curi.
Diante desse cenário, as marcas chinesas perceberam que o resultado seria ainda mais desastroso caso repassasem a elevação, em 30 pontos percentuais, do IPI dos veículos com menos de 65% de componentes produzidos no Brasil, uma medida fixada pelo governo no fim do ano passado para proteger a indústria local.
"Se repassarmos esse custo vamos deixar de vender", disse Sérgio Habib, presidente da JAC Motors. Os preços anteriores à elevação, que igualmente diminuiu a previsão de vendas para 2012 das 55 mil unidades inicialmente previstas para 30 mil., o que significará, assim como a Chery, praticamente repetir o desempenho do ano passado, a despeito do lançamento de mais modelos.
No caso da JAC, porém, Habib também atribui a expectativa de queda nas vendas à diminuição na propaganda. Segundo o executivo, a verba publicitária será reduzida como forma de compensar o custo adicional do que ele chama de "super IPI".
A propaganda foi uma das principais armas da JAC para entrar no mercado brasileiro. Além da rapidez na formação de uma imponente rede de revendas, quase todas pertencentes ao próprio Habib, a publicidade que atraiu popularidade para os carros da marca usou o apresentador Fausto Silva como garoto propaganda. O contrato com Faustão está, pelo menos, garantido até o fim do ano.
O projeto da fábrica que a JAC vai construir em Camaçari (BA) está na fase de pedidos de licença ambiental e conta com investimento previsto de R$ 900 milhões, dos quais dois terços serão aplicados pela empresa de Habib e um terço pela montadora, que pertence ao governo chinês.
Mas o fôlego financeiro que tanto Chery como JAC perdem hoje por conta do IPI mais elevado será compensado nas inaugurações das fábricas, ambas previstas para fim de 2013. O novo regime automotivo concedeu às empresas que produzirem veículos com pelo menos 65% de conteúdo local o direito de guardar, em forma de crédito, o IPI adicional. A estratégia dessas empresas é, portanto, bancar o custo extra do imposto para evitar que os atuais volumes de vendas -- já baixos para o tamanho do mercado brasileiro - diminuam ainda mais. A fatia da Chery no mercado brasileiro hoje é de 0,70%. A JAC tem 0,85%.
Para usar o sistema de crédito de IPI, que poderá ser descontado quando os carros começarem a ser produzidos, as importações da empresa, até o início da produção, a companhia só poderá importar volume equivalente à metade da capacidade de produção registrada noa projetos das novas fábricas. Em princípio, em ambos os casos, a cota será mais do que suficiente. A Chery prevê produzir 150 mil veículos por ano e a JAC, 100 mil.
No caso da Chery, o investimento, de US$ 400 milhões, será integralmente aplicado pela empresa chinesa, um grupo totalmente estatal e que lidera hoje o mercado chinês entre as montadoras que não têm parceiros de outros países. Há poucos dias, um executivo da matriz, Kong Fan Long, foi deslocado para o Brasil para assumir o posto de presidente da operação.
O plano de crescimento da chinesa Chery é ambicioso. A ideia é conquistar, com o início da produção local, 3% do mercado brasileiro, que, segundo projeções do setor, passará dos atuais 3,5 milhões de veículos por ano para 5 milhões.
A unidade de montagem do utilitário Tiggo, com peças importadas que a Chery tem no Uruguai, em parceria com o grupo argentino Macri, será mantida, segundo o presidente das operações internacionais da companhia, Zhou Biren.
Ontem, primeiro dia de apresentação do salão do automóvel de Pequim para jornalistas e convidados, Zhou Biren demonstrou entusiasmo ao falar sobre o país escolhido para erguer a primeira fábrica do grupo fora da China. Chegou a pedir paciência a um repórter da Turquia que queria entrevistá-lo enquanto concluía a rápida conversa com jornalistas brasileiros.
Além do Brasil, os maiores volumes de vendas da Chery estão no Irã, Rússia e Egito. O Irã passou à frente do Brasil em volume de vendas em 2011. E a próxima fábrica, onde será? "Está em estudos", disse, sorrindo.
Mas enquanto não se decide por novas construções, o executivo faz planos para elevar exportações a partir da China. Zhou Biren disse que pretende chegar a 1 milhão de veículos exportados num prazo de cinco anos, o que significa quintuplicar o volume de 200 mil unidades previstas para 2012.
O executivo chinês não é, no entanto, o único hoje na Chery a fazer planos de exportação. O brasileiro Luis Curi parece disposto a aproveitar a viagem para, desta vez, amarrar novos negócios na América do Sul. Há um grande potencial. Somente para Chile e Argentina, a Chery envia da China em torno de 22 mil veículos por ano. "Como a Argentina impõe restrições aos carros importados fora do Mercosul é certo que poderíamos vender mais se a exportação for feita pela fábrica brasileira", disse. Na Venezuela, são mais 20 mil veículos. "Vou aproveitar a presença dos colegas venezuelanos no salão de Pequim para fazer esses contatos", afirmou.
Por Marli Olmos / Valor Econômico