A participação da indústria de transformação na geração de empregos caiu quase pela metade entre 2002 e 2011, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Entre as mais de 760 mil vagas criadas naquele ano, 21,1% foram para a indústria de transformação. No ano passado, a fatia que cabe ao setor ficou em 11,2% - em um total de 1,56 milhão de empregos líquidos gerados no país. No mesmo período, o peso do setor de serviços passou de 37,5% para 50,2% dos novos empregos.
A fatia da indústria de transformação frente ao saldo líquido de empregos do Caged no ano passado está bem aquém do índice registrado no acumulado dos últimos dez anos. De 2002 para cá, foram criados 13,2 milhões de vagas líquidas, sendo que o setor respondeu por 18,7% desse total (2,47 milhões).
Esse movimento, dizem os economistas, ocorreu tanto por fatores próprios do setor- como ganhos de produtividade e mudança na composição da indústria com aumento da participação de setores menos intensivos em mão de obra - como pela maior presença dos importados e pelo crescimento mais expressivo de outros setores, especialmente serviços.
Na Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a perda de participação do emprego industrial no período também fica evidente. Enquanto na maior parte dos setores, inclusive na construção civil, a distribuição da população ocupada (estimada em 22,6 milhões nas seis principais regiões metropolitanas do país) se manteve mais ou menos igual, na indústria houve queda de 1,5 ponto percentual em dez anos (incluindo-se aí a indústria extrativa).
Em 2002, a participação do setor era de 17,6%. Em dezembro do ano passado, ficou em 16,1% - em fevereiro deste ano, dado mais atualizado, a participação caiu para 16%. Apenas o setor de serviços prestados à empresa, aluguéis, atividades imobiliárias e intermediação financeira apresentou alta significativa no período (3,2 pontos percentuais).
"Essa perda de 1,5 ponto percentual de participação no estoque de emprego sugere um processo de mudanças estruturais muito lento que está em curso no Brasil", diz o economista David Kupfer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor da presidência do BNDES.
Em contrapartida, a produtividade do trabalhador industrial (relação entre a produção industrial e o número de horas pagas) cresceu 27,2% no acumulado entre 2002 e o fim do ano passado. Ou seja, apesar de a fatia de ocupados na indústria - especialmente na de transformação - ter sofrido uma forte queda nos últimos anos, o trabalhador que se mantém no setor aumentou a sua produtividade.
Kupfer explica que, por ter ganho de produtividade maior que os outros setores, o emprego na indústria tende a crescer em ritmo menor que o emprego em serviços, por exemplo. "Se a produção crescer de maneira isonômica entre os setores, o emprego industrial perde participação no total do país, já que a produtividade da indústria cresce mais que a de outros setores. É uma trajetória normal para o desenvolvimento."
Um processo de desindustrialização no Brasil está na pauta de discussão de diversos setores da indústria e de analistas de mercado. Entre os principais argumentos está o fato de que a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cai seguidamente há sete anos. Em 2002, ficou em 16,9%. No ano passado, o setor respondeu por 14,6% das riquezas geradas no ano, sendo que o setor atingiu um pico de relevância em 2004, quando foi responsável por 19,2% do PIB.
O fato de a indústria estar andando de lado e a invasão de produtos importados entram nessa conta - e explicam também, em parte, a menor geração de empregos na indústria. "Determinados insumos passaram a ser importados. Se você aumenta a participação de importados no seu produto final, você diminui a demanda por trabalho no processo produtivo", afirma Mariano Laplane, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. "Com um câmbio menos distorcido, seria possível recuperar a produção, inclusive de componentes e de insumos. Precisamos de uma política industrial voltada para isso."
Os economistas observam que, na última década, houve uma mudança de peso dos setores que compõem a indústria e, consequentemente, do perfil do emprego. "Tivemos um crescimento industrial apoiado em commodities e recursos naturais. Houve uma evolução mais forte de setores de insumos básicos da cadeia produtiva e mais fraca nas manufaturas, como na indústria têxtil, de calçados e móveis, em que a mão de obra é mais intensiva", explica Kupfer.
"Os setores vinculados a petróleo, insumos pesados, como siderurgia e química, são setores que empregam, proporcionalmente, menos que a indústria tradicional. Uma mudança na composição setorial da indústria, ou seja, o avanço mais modesto da indústria de transformação, que emprega mais, leva a essa queda do setor na relação de empregos criados [Caged] e estoque [PME]", diz Laplane.
Para Kupfer, essa mudança não é desejável. "A indústria tradicional é a que está mais fragilizada pelo atual quadro do setor, mas é a que gera mais empregos e empregos mais acessíveis ao perfil de qualificação da sociedade brasileira. Essa indústria pode se espalhar pelo território e promover o desenvolvimento regional necessário", afirma.
Kupfer reconhece que a indústria de transformação já teve momentos em que o salário era "maior" do que o pago pelos outros setores. "Os serviços estão se expandindo e encontram menor disponibilidade de mão de obra, por isso aumentam os salários", diz. "Além disso, há um claro movimento de formalização, mas não entendo que isso desestimule a busca de emprego no setor industrial."
"Não acho que a indústria deixou de ser interessante para o trabalhador", concorda Laplane. O professor da Unicamp acredita que o momento no mercado de trabalho brasileiro é de qualificação do emprego. "Estamos com um nível de desemprego muito baixo. Se a indústria voltar a crescer, principalmente com mais investimentos, haverá um aumento de produtividade, e isso vai exigir mão de obra mais qualificada, oferecendo melhores salários, como consequência", diz.
Carlos Giffoni / Valor Econômico