Fonte: Agência FAPESP – 28/05/2007
“Os indicadores de ciência e tecnologia não são neutros. Ao contrário, eles têm profundo teor político e refletem uma visão de futuro a ser construída. Por isso, o Brasil precisa repensar seus indicadores, visando a uma sociedade menos excludente e desigual.”
As afirmações são de Renato Dagnino, professor titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), proferidas na sexta-feira (25/5), em São Paulo, durante o 7º Congresso Ibero-Americano de Indicadores de Ciência e Tecnologia, cujo tema foi “Novos indicadores para novas demandas de informação”.
Para Dagnino, os indicadores de ciência e tecnologia, de modo geral, são focados quase que exclusivamente na competitividade empresarial, sem considerar as tecnologias necessárias às demandas dos movimentos sociais, que são, segundo ele, fundamentais para a construção de cenários menos desiguais.
“Os indicadores não deveriam refletir apenas o cenário de exclusão social do país, mas também o cenário futuro desse estilo de desenvolvimento alternativo, com protagonismo dos movimentos sociais e do processo de democratização política e econômica que está em curso, mas que está se armando de forma muito lenta”, disse à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, os indicadores atuais foram criados há cerca de 15 anos, em um contexto em que as empresas latino-americanas se tornariam rapidamente competitivas com a abertura econômica e globalização. Hoje, para o professor, o Brasil está em outro momento e precisa de outros indicadores.
“A onda neoliberal dos anos 1990 teve um apêndice teórico-analítico que fez os indicadores ficarem focados demais na competitividade corporativa. Vamos contribuir para a manutenção de desigualdade se não projetarmos o futuro na forma de novos indicadores coerentes com esse cenário a ser construído”, destacou.
Novos paradigmas
Tatiana Láscaris Comneno, diretora de pesquisa da Universidade Nacional da Costa Rica, propôs a construção de um novo modelo de indicadores que leve em conta a construção da sociedade do conhecimento e de um futuro inclusivo e solidário, com desenvolvimento humano sustentável.
“Para construir um modelo de referência futuro, proponho que se tome como ponto de partida os sucessos socioeconômicos de um pequeno número de países com um grau muito alto de desenvolvimento humano: os escandinavos”, disse a pesquisadora.
As variáveis de dimensão de desenvolvimento, de acordo com Tatiana, deveriam incluir índices de PIB per capita, desenvolvimento humano, produtividade, pobreza, desigualdade de consumo, predisposição para trabalho em rede, competitividade global, responsabilidade ambiental e ética no desenvolvimento.
“Não podemos nos basear em modelos dos Estados Unidos, que é um país rico com muitos pobres. Um modelo de referência não pode levar em conta apenas o aspecto econômico. Nosso modelo seria de uma sociedade que estaria em 5º lugar no índice de desenvolvimento humano, enquanto os Estados Unidos estão em 10º e o Japão em 11º”, afirmou.
Segundo a especialista da Costa Rica, uma visão estratégica de futuro precisa ter base em processos participativos. “A prestação de contas e a avaliação de indicadores de gestão são requisitos essenciais para a execução de qualquer proposta de desenvolvimento sustentável”, disse.
Modelo francês
O debate sobre o desenvolvimento de novos indicadores também teve a participação de Patrick Sechet, diretor-adjunto do Observatório de Ciências e Técnicas (OST, na sigla em francês). A organização, criada por iniciativa do Ministério do Ensino Superior e da Pesquisa da França, reúne diversos ministérios e os principais centros e institutos de pesquisa do país com o objetivo de produzir indicadores sobre atividades científicas e tecnológicas.
Para Sechet, a vantagem do modelo do OST é que ele configura um local de colaboração entre a oferta dos centros de pesquisa e a demanda do Ministério da Pesquisa. “Essa mediação não é trivial. Membros das comunidades políticas e de ciência e tecnologia tomam decisões em conjunto, criando oportunidades importantes”, destacou.
O modelo de organização do observatório francês pode ser estudado para adaptação em outras regiões, segundo o especialista. “O OST não é um laboratório de pesquisa, mas uma mera unidade de serviço, o que facilita sua replicação”, disse.
Por outro lado, de acordo com o francês, o observatório tem uma posição privilegiada para realizar uma mediação entre pesquisadores e gestores. “Estamos próximos do Estado e temos uma inserção satisfatória na comunidade científica”, destacou.
O principal desafio para o observatório, na opinião de Sechet, é que a produção deste tipo de indicadores exige uma formação bastante específica e complexa, configurando um perfil profissional bastante raro. “A falta de pessoal especializado em produção de indicadores de ciência e tecnologia é um problema muito grande”, disse.
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