Fonte: Inova Unicamp - 21;05;07
Leveduras floculantes cultivadas em meio líquido
Dentro de um ano, se tudo correr bem, uma nova tecnologia para produção de etanol deverá ser colocada no mercado, proporcionando redução no custo de produção das usinas sucroalcooleiras instaladas no país. Pesquisadores do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiram selecionar com sucesso linhagens de levedura Saccharomyces cerevisiae com capacidade floculante (cresce de maneira agrupada, formando flocos ou aglomerados de tamanho variável) para serem utilizadas em reatores do tipo torre empregados nos processos de fermentação industrial pelas destilarias brasileiras. A vantagem dessas leveduras sobre as tradicionalmente empregadas é que elas dispensam uma etapa do ciclo de produção do álcool, a centrifugação, que ocorre imediatamente após a fermentação. Os pesquisadores também desenvolveram dornas de fermentação próprias para o processo, que estão funcionando há dois anos em caráter experimental numa usina piloto da região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
Para dimensionar o alcance da inovação desenvolvida pelo grupo da Unicamp é preciso, antes, conhecer as etapas de produção do etanol. Depois que a cana-de-açúcar é colhida dos canaviais ela é encaminhada para a usina onde passa por um processo de moagem. O mosto resultante, constituído pelo caldo de cana ou pelo melaço misturado com água, segue para as dornas de fermentação alcoólica. Nessa etapa, as cepas de leveduras Saccharomyces cerevisiae têm papel vital, pois são elas as responsáveis pela transformação do açúcar em álcool etílico. Nos processos convencionais usados por praticamente todas as cerca de 400 usinas brasileiras, o mosto fermentado é enviado para centrífugas onde ocorre a separação das leveduras. O fermento centrifugado, contendo as células de leveduras, passa por um tratamento ácido e retorna às dornas de fermentação, enquanto o mosto é encaminhado para as colunas de destilação, o passo final do processo de produção do etanol.
Com as linhagens de leveduras floculantes selecionadas no CPQBA, o mosto fermentado sai das dornas sem conter leveduras, que permanecem retidas no próprio equipamento. “Ao contrário das leveduras convencionais, que ficam dissolvidas no mosto fermentado, as linhagem floculantes se depositam no leito da dorna. Com isso eliminamos a etapa de centrifugação, cujo objetivo é exclusivamente separar a levedura do mosto fermentado”, explica a bióloga Maria da Graça Stupiello Andrietta, coordenadora da Divisão de Biotecnologia e Processos do CPQBA. “A grande vantagem desse novo processo é a redução do custo de aquisição e manutenção de equipamentos por parte das usinas, já que elas não precisarão mais ter separadoras centrífugas.”
Pelos cálculos do grupo, a eliminação da centrifugação e do tratamento ácido dos processos convencionais poderá levar a uma economia no custo de processamento de R$ 0,02 a R$ 0,03 por litro de etanol produzido – o custo total de processamento é de R$ 0,20 por litro, sem contar o custo da cana-de-açúcar. Além disso, a ; da máquina facilita a automação do processo, já que a unidade de centrifugação é o único setor do processo que não admite automação total. Apesar de ter uma etapa a menos no ciclo produtivo, no entanto, o rendimento e a produtividade do processo são os mesmos.
Segundo a pesquisadora, há cerca de 15 anos algumas usinas brasileiras chegaram a utilizar pioneiramente processos que empregavam linhagens floculantes de Saccharomyces cerevisiae, mas eles foram abandonados por falta de domínio da tecnologia. “Naquela época, nós já fazíamos trabalho de seleção de linhagens e percebemos que as leveduras floculantes poderiam ter um desempenho eficiente na fermentação se contassem com equipamentos apropriados. Havia um gap tecnológico”, recorda-se Maria da Graça, que, no passado, trabalhou no Centro de Tecnologia Copersucar, atual Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em Piracicaba (SP), uma das principais instituições de pesquisa do setor sucroalcooleiro.
Outra grande barreira para a implementação industrial desse processo era a formação de um leito de células estável que permitisse a operação do sistema por longos períodos sem grandes variações nas condições operacionais. Um dos fatores ao qual a estabilidade do leito está fortemente associada é a característica das cepas presentes nos reatores. Daí a importância do trabalho feito no CPQBA. Das cerca de 300 linhagens de leveduras floculantes isoladas de unidades industriais do país e armazenadas no Banco de Cepas da Divisão de Biotecnologia e Processos do centro, 12 foram selecionadas para o estudo, financiado pela FAPESP.
Um dos aspectos que o grupo procurou entender foi o perfil de floculação de cada uma das linhagens, já que o tamanho do floco formado está diretamente relacionado ao desempenho fermentativo do microorganismo. Para selecionar as mais eficientes, os pesquisadores escolheram 12 linhagens e as colocaram em um reator para ver como se comportavam – durante a fermentação, as leveduras competem entre si e apenas as mais eficientes permanecem no processo. A identificação das 12 linhagens empregadas no estudo foi realizada por meio de eletroforese, método que isola o DNA das leveduras e traça um perfil de seus cromossomos. Ao fim dos estudos, foram selecionadas duas linhagens para uso na planta piloto como inóculo, nome dado à semente que dá início ao processo de fermentação.
O grupo, formado também pelo engenheiro químico Sílvio Roberto Andrietta, enfrentou outro desafio: desenvolver equipamentos específicos para uso dessas leveduras floculantes. O sistema piloto projetado é constituído de dois biorreatores tipo torre, de formato cilíndrico, mais compridos e finos do que os convencionais, que trabalham em série e têm capacidade para fermentar 4.500 litros de mosto por hora, o que significa uma produção diária de 12 mil a 15 mil litros de etanol. “As dornas convencionais seriam inadequadas, pois permitiriam que os flocos formados passassem para adiante junto com o mosto fermentado, causando entupimento nos equipamentos de destilação”, explica Sílvio Andrietta. A usina piloto, construída com apoio de um grande fabricante de máquinas para o setor sucroalcooleiro – que prefere não ser identificado –, está funcionando há dois anos com resultados promissores, segundo os pesquisadores. “Vamos testá-la por mais uma safra e ela estará pronta para ser lançada no mercado. Já estamos em fase de licenciamento do equipamento para uma indústria do setor”, afirma Maria da Graça. “Creio que o processo com leveduras floculantes será uma alternativa interessante para os produtores de álcool.”
Banco de dados - Outro projeto desenvolvido pelos pesquisadores da Divisão de Biotecnologia e Processos do CPQBA tem como objetivo fazer a caracterização da composição celular de diferentes linhagens de leveduras Saccharomyces cerevisiae – floculantes ou não – de uso industrial. “Com esse levantamento, vamos saber como são constituídas as cepas mais empregadas nos processos fermentativos industriais no país”, afirma a química Cláudia Steckelberg, coordenadora da pesquisa, que também conta com apoio financeiro da FAPESP. A pesquisadora coletou, aleatoriamente, 35 cepas de leveduras dominantes utilizadas por usinas de açúcar e álcool de diferentes estados, que estão sendo avaliadas com relação a quatro parâmetros: desempenho fermentativo, tolerância ao etanol, cariotipagem (ou perfil cromossômico) e composição celular (perfil de ácidos graxos).
A cariotipagem é feita pelo método de eletroforese, enquanto a composição celular emprega um cromatógrafo a gás, que identifica os ácidos graxos presentes no microorganismo – já se sabe que as leveduras mais tolerantes ao etanol são aquelas com altos teores dos ácidos graxos do tipo palmitoléico e oléico. Para avaliar o desempenho fermentativo dos microorganismos, os pesquisadores criam condições ideais de fermentação em laboratório, colocam as 35 cepas juntas e observam quais delas fermentam melhor. “O projeto ainda está em andamento e não tem a finalidade de identificar a melhor levedura, mas conhecê-las a fundo. Nossa idéia é criar um grande banco de dados que reúna informações sobre as características cinéticas (produtividade e rendimento) e de composição celular delas. É uma espécie de ‘bioma’ das leveduras”, afirma Maria da Graça.
Graças aos conhecimentos adquiridos em duas décadas de pesquisas voltadas ao setor sucroalcooleiro, o grupo também tem trabalhado na identificação de outros microorganismos presentes no ambiente canavieiro de interesse industrial – mas não diretamente associado à produção de álcool etílico. “A finalidade desse trabalho, fruto de duas dissertações de mestrado, é avaliar o potencial de linhagens de bactérias isoladas de cana-de-açúcar em sintetizar produtos de interesse comercial a partir da sacarose”, diz Maria da Graça. Os pesquisadores já conseguiram isolar uma bactéria encontrada em canaviais, a Leuconostoc sp., que produz um tipo de goma, chamada dextrana, muito utilizada pelas fábricas de alimentos, medicamentos e cosméticos. Gomas são biopolímeros de origem microbiana (gomas dextrana, xantana etc.) ou vegetal (gomas guar, carragena etc.) com ampla aplicação industrial. A dextrana, por exemplo, entra na composição de alimentos como espessante ou estabilizante, garantindo sua consistência, e, na indústria farmacêutica, como substituto do plasma sangüíneo.
O interesse por essa nova linha de pesquisa surgiu a partir da constatação de que bactérias produtoras de goma do tipo dextrana são freqüentemente encontradas em amostras de cana deteriorada. “Já caracterizamos três gomas dextranas, com propriedades diferenciadas das que existem no mercado, que podem ser empregadas na indústria de alimentos”, diz a pesquisadora. Os estudos ainda estão em andamento e, por enquanto, ainda não foi feito nenhum contato com as indústrias potencialmente interessadas para a transferência do conhecimento gerado nos laboratórios do CPQBA.
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