Foto: Divulgação
O aço importado vem comendo cada vez mais fatias do brasileiro em algumas linhas de produtos no país. O caso de chapas grossas, material usado para fabricar máquinas pesadas, tubos e plataformas navais, é um exemplo, e afeta diretamente a Usiminas, única fabricante do produto no país.
De janeiro a abril deste ano, o uso desse material representou 28% do consumo interno. Um ano atrás, no mesmo período, quando a economia mundial e a brasileira ferviam e a demanda estava em alta, esse índice era de 11%. A Usiminas, dona de duas unidades - Ipatinga (MG) e Cubatão (SP) -, informa que tem ociosidade 50% a 60%.
De janeiro a abril de 2008, o consumo de chapas grossas no Brasil somou 609 mil toneladas, ante volume importado de 69 mil. Neste ano, com a crise, caiu 60%, para 259 mil toneladas, e o material vindo de fora subiu para 73 mil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS).
No grupo Gerdau, o material importado atinge principalmente suas controladas de aços especiais, Piratini e Aços Villares. A participação do chamado aço para construção mecânica e ferramenta vindo do exterior, que é aplicado em componentes para carros, caminhões, ônibus, tratores, máquinas e implementos agrícolas, subiu para 25% até abril passado. Respondeu por quase 30 mil toneladas, ante a demanda total no país de 117 mil toneladas. Essa demanda, no mesmo período de 2008, foi acima de 200 mil.
O avanço do aço importado tem como principal origem a China, informam as empresas e o IBS. A produção de aço chinesa neste ano, mesmo com a crise, cresceu de janeiro a abril, enquanto nos Estado Unidos, Europa, Brasil e outros mercados despencou de 40% a mais de 50%.
A entidade e as fabricantes no Brasil asseguram que o aço chega a preços abaixo do custo de produção das usinas chinesas. "Nos valores que chegam ao país caracteriza-se uma prática desleal de comércio e aponta fortes indícios de dumping", diz Sérgio Leite, vice-presidente de negócios da Usiminas.
Segundo o executivo, a origem é visivelmente chinesa e os preços são bem inferiores aos praticados no mercado internacional, que variam entre US$ 700 e US$ 800 a tonelada. Ele não revelou o valor de entrada no país. Segundo fontes do setor, é abaixo de US$ 500 a tonelada. "Mal pagaria o custo de produção", observa um especialista. Outra fonte de aço importado que ganha peso é a Ucrânia.
A penetração de material não se resume a esses dois tipos de aços e se dá de forma mais intensa nas chapas e bobinas de aços planos laminados. No consumo de bobinas a quente, aplicadas nas indústrias de autopeças, tubos, botijões de gás e em outras, a participação do aço importado quase triplicou até março, de 6,7% para 17,1%. Nos aços longos comuns, de menor valor agregado, também já se observa crescimento. É o caso dos vergalhões, cujo principal demandante é a construção civil.
"A situação do setor é grave e pode ficar mais complicada ainda se alguma medida de proteção do mercado brasileiro não for adotada pelo governo", afirma Flávio Roberto Silva de Azevedo, presidente do IBS e dirigente da V&M Brasil, uma fabricante de tubos. "Já levamos o caso a vários ministérios em Brasília: MDIC (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), Fazenda, à ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, e até ao presidente Lula". Mas, lamenta ele, até o momento nenhum movimento foi dado pelas autoridades nesse sentido.
O setor observa que um primeiro sinal seria a retomada das alíquotas de importação ao nível de 12% para oito tipos de aços, entre eles chapas grossas para máquinas rodoviárias, bobinas a quente, bobinas a frio, vergalhão e barras ligadas a quente. Desde o início de 2005 a alíquota foi zerada por pressão de consumidores que alegavam aumento de preços e problemas de abastecimento. "Isso não ocorreu, pois as usinas do país os supriram plenamente, a preços de mercado internacional, e praticamente não houve importações", informa Azevedo.
Ele lembra que as quatro siderúrgicas integradas - Usiminas, CSN, ArcelorMittal Tubarão e Gerdau Açominas - estão com metade dos seus altos-fornos parados, a maioria desde dezembro. O índice de ocupação ociosa varia de 35% a 50%. Nos aços longos, feitos por usinas movidas a fornos elétricos, também foi reduzida a capacidade de produção. Ao todo, em abril a siderurgia no país produziu 42% a menos que no mesmo mês de 2008 e ficou no mesmo nível de março.
O setor enfrenta dois problemas: a demanda interna despencou desde novembro e as exportações caíram drasticamente. As vendas das usinas caíram 46% de janeiro a abril, sobre um ano atrás em aços planos, e 36% em material longo. Ao mesmo tempo, as exportações caíram tanto para material laminado como para semi-acabados (placas e tarugos) por conta da depressão dos mercados americano, europeu e latino-americano, principalmente.
Segundo Azevedo, historicamente, é a primeira vez que isso ocorre no setor no país. Em outras crises, as usinas compensavam a retração interna com maior exportação, mesmo com margens menores. O Brasil exportava entre 30% e 40% do que fabricava. "Agora, o mercado externo não existe, pois encolheu mais que o nosso, que ficou sem condições de absorver todo esse excedente. Para piorar, enfrentamos a concorrência externa desleal com subsídios e preços predatórios", diz.
Para o dirigente, toda a cadeia produtiva do aço tem de estar protegida numa crise como essa - de itens como matérias-primas e insumos a bens finais. "Não adianta dar incentivos (redução de até 7% do IPI) para produção de automóveis e eletrodomésticos, manter 35% de alíquota para importação de autopeças e insistir com alíquota zero para vários tipos de aço", afirma. Ele informa que 13 países no mundo já adotaram medidas de proteção de seus mercados, entre eles EUA, Índia, Rússia, Turquia e países da União Européia.
O IBS lembra que as empresas do setor, por conta da crise e da paralisação de unidades produtivas, já cortou mais de 10 mil pessoas, das 120 mil que empregava. Além disso, os projetos de expansão e de novas usinas, com exceção daqueles que estavam em estágio avançado, foram todos postergados para além de 2012. O total de investimentos era de US$ 39 bilhões, para dobrar o tamanho, sobre as atuais 41 milhões de toneladas. A produção, neste ano, na melhor das hipóteses, pode atingir 26 milhões de toneladas - retração de 25%.
A Usiminas diz que mantém a expansão da linha de chapa grossa em Ipatinga, com alta tecnologia da Nippon Steel, com 500 mil toneladas. O alvo desse produto é o mercado do pré-sal, que precisará de material ultraresistente nos poços. Dois outros projetos (laminador de tiras a quente e nova linha de galvanizado) também serão completados. Já a Gerdau congelou o plano de fazer 900 mil toneladas de chapa grossa, assim como outras projetos no país. O grupo não concedeu entrevista ao Valor.
A Usiminas, todavia, deverá adiar, para depois de 2013, a nova usina de aço ao lado de Ipatinga. Da mesma forma, CSN e ArcelorMittal. Outros projetos, informa o IBS, foram congelados com a crise.
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