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No dia em que se comemora o meio ambiente, o Brasil tem muito a mostrar, mas ainda não sabe como incorporar o valor da sustentabilidade em seu projeto de País. Governo e sociedade estão em uma encruzilhada do processo civilizatório e os próximos dois anos são fundamentais para a definição do modelo de desenvolvimento.
O Brasil conseguiu superar várias de suas limitações e encontrar um caminho que o ajude a trilhar o século XXI como uma nação capaz de assumir sua posição de destaque em um mundo onde a globalização é mais uma forma de colonialismo do que de desenvolvimento sustentável. Durante os cinco séculos da história brasileira o país foi apenas um exportador de matérias primas e de recursos naturais baratos e sem valor agregado. Isto vem do pau-brasil, passa pela cana de açúcar, muda para o café, vira em direção aos minérios – ouro no início, depois ferro e chega finalmente à sofisticação do alumínio, onde além de exportar matéria prima, envia para o exterior uma imensa quantidade de energia elétrica incorporada ao produto. A pauta de exportação do Brasil é composta em sua maioria de produtos agrícolas, pecuários e minerais, com muito pouco em produtos industrializados e em serviços. Mas, ao mesmo tempo, o País tem uma indústria e um setor de serviços extremamente sofisticado e capaz de atender com qualidade o mercado interno.
Este momento, em que a política ambiental brasileira passa por uma delicada transição, com a saída de Marina Silva e a chegada de Carlos Minc, é, também, o momento de se entender o que significa para o Brasil ter uma pauta de exportação fortemente ancorada em recursos naturais e qual é a posição do País nesta onda de globalização. Muitos jornalistas e gente ligada à economia gostam de comparar o Brasil com a China, onde o crescimento econômico de quase 10% ao ano é baseado na superexploração de recursos naturais e em tecnologias que não seriam aprovadas por nenhum órgão ambiental da Europa, ou mesmo do Brasil. No entanto, a China tem uma pauta muito diferente da brasileira. Os desafios de distribuição de renda da China e Índia conseguem ser muito mais intrincados do que os do Brasil, além das diferenças políticas marcantes, principalmente em relação ao governo instalado em Pequim. O Partido Comunista governa dentro de um centralismo que o deixa livre para fazer o que bem entender e a sociedade local não têm muitas instâncias para reclamar.
As empresas que atuam na China estão sujeitas aos humores do Estado, mas ao mesmo tempo não estão submetidas às regulamentações de mercados articulados dentro de princípios de governança e transparência. Para uma empresa brasileira de grande porte é praticamente impossível passar por cima de leis sociais e ambientais sem ser cobrada por organizações da sociedade civil ou pela mídia. A mesma mídia que, na China, não goza de seu valor fundamental, que é a liberdade de imprensa.
O Brasil cresce e tem nas obras de infra-estrutura seu maior projeto de desenvolvimento. Obras complexas e que precisam de licenciamento ambiental para poder sair do papel. Justamente este capítulo, do licenciamento, é o que já fez grandes estragos na estrutura de gestão ambiental do governo. Mutilou o Ibama em duas instituições distintas (Ibama e Instituto Chico Mendes) e pressionou a ministra Marina até o limite de suas habilidades políticas. Marina deixou o Ministério do Meio Ambiente e reassumiu sua cadeira no Senado Federal, posição privilegiada de onde certamente vai continuar como guardiã dos valores da sustentabilidade no trato das questões ambientais. Foi substituída por Carlos Minc, também ambientalista histórico, e reconhecido como um hábil político no trato com a mídia e com as empresas que precisam de “flexibilidade” no licenciamento ambiental. Um ex-assessor disse esta semana que sua preocupação é que o novo ministro jogue mais para a mídia do que para os interesses do meio ambiente brasileiro. Afinal, tem muito dinheiro apontado para as grandes obras de infra-estrutura em energia, água, saneamento, transporte e logística, saúde e educação. Recursos que seduzem empresas e políticos e que precisam ser acompanhados de perto pela sociedade em sua destinação e aplicação.
Os recursos naturais do Brasil estão em alta. O País é a potência energética do presente. Tem o maior potencial de geração hidrelétrica instalado e por construir, tem o mais antigo e consolidado projeto de biocombustíveis com escala industrial do mundo e, agora, tem reservas de petróleo em exploração e em reservas provadas que o colocam entre os maiores produtores mundiais. Com tudo isso o Brasil tem o potencial de tornar-se a primeira nação a emergir como econômica e socialmente desenvolvida em um novo modelo de desenvolvimento, mais apropriado ao século XXI, sem as âncoras de um capitalismo sem valores.
Dias atrás esteve no Brasil uma das vozes mais coerentes em defesa da sustentabilidade, o empresário Ray Anderson, que criou uma das organizações mais social e ambientalmente responsáveis e equilibradas, garantindo um excelente desempenho econômico, a holding têxtil Interface. Uma de suas falas foi particularmente impressionante, ele acredita que o lucro não pode ser o objetivo da empresa, mas sim um componente do processo para que a empresa atinja sua “missão”. E a missão deve ser sempre um objetivo compartilhado por todos os envolvidos na geração dos recursos necessários para sua implementação.
Esta definição pode parecer ainda muito romântica em tempos de capitalismo industrial, baseado em não reconhecimento dos custos de externalidades, como a poluição do ar e da água e a superexploração de recursos naturais. Mas é um conceito em sintonia com as necessidades das gerações futuras. A humanidade precisa gerar alimentos, energia e tudo o que é preciso para viver confortavelmente, dentro de padrões da civilização da era do conhecimento, sem impedir que o futuro seja um bom lugar para as próximas gerações.
O Brasil está em uma encruzilhada que pode levá-lo a ser o país que conseguiu superar o subdesenvolvimento a partir de padrões civilizatórios do terceiro milênio, ou ser o país que conseguiu ser “desenvolvido” por uma geração, esgotou seus recursos naturais, e retornou ao subdesenvolvimento pré-industrial. Esta decisão está sendo tomada pela presente geração de brasileiros. A Amazônia pode ser uma imensa serraria para exportação de madeira em tábuas e carne de segunda ou ser o maior banco de biotecnologia e vetor de desenvolvimento científico deste século. Tudo depende de como o País vai manejar as decisões e de como a mídia vai informar a sociedade sobre os processos econômicos, sociais e ambientais em andamento.
Existem questões que são fundamentais para a construção do Brasil sustentável e potência ambiental. Muitas destas questões estão vinculadas a “limites”, sejam eles físicos ou éticos. E é preciso que as decisões tenham em mente que os recursos naturais e os valores culturais são finitos. Os primeiros podem acabar e os segundos podem ser extintos. O Brasil tem povos indígenas e por mais que setores da sociedade brasileira se sintam desconfortáveis com isso, são minorias que devem ter seus direitos respeitados. O Brasil tem um imenso potencial de geração de energia elétrica a partir da força de seus rios, mas é preciso que se discuta onde esta energia vai ser utilizada e não apenas que se aceite uma argumentação genérica: “é energia para o desenvolvimento”. É preciso que se discuta que modelo de desenvolvimento é esse que precisa de cada vez mais energia para produzir e vender cada vez mais quinquilharias fantasiadas de prazer e felicidade.
Nesta época, em que o tema ambiental está presente em todas as mídias, empresas, governos, escolas e mentes, é um momento especial para o Brasil lembrar-se que tem nome de árvore e uma bandeira que mostra a riqueza do verde. O potencial brasileiro para a produção de biomassa, seja para alimentos, combustível ou insumos industriais já é espantoso e o coloca em uma posição global de relativo conforto. Não é preciso avançar sobre novas terras na Amazônia e nem extinguir o que resta de cerrado e Mata Atlântica. O Brasil idealizado por Ignacy Sachs, pensador francês que acredita que não apenas estamos emergindo para a sociedade do conhecimento, mas também para a economia da biomassa, é um país de valores éticos e econômicos compatíveis com uma sociedade desenvolvida.
Este Brasil, por quem muita gente gastou músculos, sangue e idéias, um país equilibrado sob o ponto de vista social, ambiental e econômico, é possível. Não é um lugar para pobres de espírito e nem pode se deixar levar por oportunistas. É um país jovem em um mundo que precisa de inovações. O Brazil pode querer ser chinês, europeu ou americano. Mas o Brasil que foi construído por Zumbi, Tiradentes, Chico Mendes e muitos Josés e Marias é muito mais do que uma barraca de minérios e cereais. É um modelo de democracia que vai amadurecer e se firmar entre as grandes democracias do mundo. E na democracia não há vencedores e perdedores, apenas direitos e deveres da cidadania.