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Um excessivo foco em políticas de emissão, com estabelecimento de metas e prazos de redução, pode estar desviando a atenção para o caminho mais promissor no combate ao aquecimento global, que é voltar-se para políticas tecnológicas que levem a um investimento massivo em inovações. Esta foi a conclusão de um estudo divulgado na revista Nature na última semana e que tem provocado um rebuliço no meio acadêmico norte-americano.
“O IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima) participa de um jogo arriscado ao assumir que os avanços em inovações tecnológicas espontâneos serão os responsáveis por atingir reduções de emissões futuras, ao invés de focar nas condições que são necessárias e suficientes para que tais inovações ocorram”, disse o cientista sênior Tom Wigley, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas em Boulder, no Colorado.
Wigley é o autor do artigo junto a outros dois cientistas - Roger Pielke Jr, da Universidade do Colorado e Christopher Green, da Universidade McGill. Eles argumentam que o IPCC “subestimou seriamente” os desafios de desenvolver as tecnologias necessárias para reduzir as emissões globais de dióxido de carbono (CO2) para prevenir potenciais desastres climáticos trágicos.
Segundo Pielke Jr, a primeira pergunta que deve ser feita não é como reduzir as emissões, e sim, como fornecer energia de um modo que não leve ao acúmulo de carbono na atmosfera em um mundo que precisa de uma vasta quantidade de energia.
Estopim no meio científico
A faísca que a crítica provocou na comunidade científica não foi somente pelo artigo ter sido publicado em uma das revistas mais bem conceituadas do mundo, mas porque foca em detalhes básicos sobre o problema, o que implica que, quando o IPCC divulga projeções de emissões, seria melhor assumir que as tecnologias não melhoraram muito no decorrer do tempo.
“Isto daria um senso claro do desafio que temos a frente, de que nenhum lugar para além da metade de virtualmente todo o vazio tecnológico poderia ser fechado no curso ordinário da evolução econômica”, afirma Revkin, na reportagem para o The New York Times.
Em um artigo recente para a revista Scientific American, o economista Jeffrey D. Sachs, chefe do Instituto Terra da Universidade de Columbia, afirma que, mesmo com um corte no gasto de energia desperdiçada, as tecnologias atuais não podem suportar um declínio nas emissões de CO2 e uma expansão da economia global. “Se tentarmos restringir as emissões sem estabelecer novas tecnologias, vamos acabar asfixiando o crescimento econômico, incluindo a possibilidade de desenvolvimento para milhões de pessoas”, afirmou.
Segundo ele e alguns outros especialistas, é necessário o desenvolvimento de tecnologias avançadas radicais para reduzir as emissões, o que dizem só virá com o aumento de investimento de determinados governos no que vem sendo um comprometimento anêmico com a pesquisa e o desenvolvimento.
“O momento é crítico, segundo eles, uma vez que China, Índia e outras nações em desenvolvimento marcham com imprudência em direção ao mundo moderno de carros e consumo elétrico no seu modo para se tornarem produtores dominantes de gases do efeito estufa nas décadas que virão”, escreve o jornalista Andrew C. Revkin, em reportagem no The New York Times, lembrando que a China constrói, em média, uma grande usina de queima de carvão por semana.
“Não há dúvidas de que inovações tecnológicas são necessárias. A questão é em qual grau as políticas devem se focar para motivar diretamente tais inovações?”, afirma Pielke Jr ao The New York Times.
“Claro que precisamos de investimentos agressivos em P&D. Eu sou um que argumento isto há duas décadas”, afirma Joseph Romm, um blogueiro climático e integrante sênior do Centro para o Progresso Americano, um grupo sem fins lucrativos que incentiva legislações federeis para restringir os gases do efeito estufa no país.
No seu blog climateprogress.org , Romm defende que se não começar a se usar agressivamente as tecnologias que existem hoje, todas as novas tecnologias do mundo não irão prevenir uma catástrofe.
Outro cientista ouvido pelo jornal The New York Times foi Adil Najam, da Universidade de Boston. “Você pode fazer algo tremendo com as tecnologias disponíveis. É verdade que isto não será suficiente para selar o problema, mas isto será algo muito significante e provavelmente diferente”, disse Najam, um dos autores do relatório do IPCC.
União Européia e o debate tecnológico
A União Européia, por exemplo, discute hoje como promover e financiar tecnologias de baixa emissão de carbono. Tecnologias de captura e estocagem de carbono (CCS) estão no centro dos debates, assim como um consenso que vem emergindo no ciclo de políticas energéticas de que os combustíveis fósseis, e notavelmente o carvão, terão um papel central no mix energético da Europa.
As tecnologias, contudo, são caras e as autoridades públicas relutam para cobrir os custos necessários para estimular o desenvolvimento de tecnologias CCS. O setor privado, por outro lado, não espera cobrir os custos iniciais e pede grandes incentivos dos cofres públicos.
As indústrias são muito boas no desenvolvimento de tecnologia, mas se você olhar para as grandes inovações que ocorrem no século 21, a iniciação e a inovação, em quase todos os casos, vem de gastos governamentais com pesquisas. Uma vez que as concepções já estão lá, a indústria vem e lucra com isto. Porém eles não são bons em começar o processo”, disse Wigley.
A tecnologia de CCS é uma das apontadas por Sachs como promissora, juntamente com os carros híbridos plug-in e as usinas de geração solar termoelétrica. “Cada uma exigirá uma combinação de fatores para obter sucesso: mais pesquisas científicas aplicadas, mudanças importantes de regulamentação, infra-estrutura apropriada, aceitação pública e investimentos nos altos custos iniciais. Uma falha em um ou mais destes pontos pode matar a tecnologia”, alerta.
* Com informações da Nature, The New York Times, EurActiv e The Christian Science Monitor.