Por: Mônica Pinto
A procuradora do Ministério Público Federal em Angra dos Reis (RJ) Ariane Alencar antecipou nesta quarta-feira à Agência Brasil que o órgão vai encaminhar ao Ibama uma recomendação definitiva em relação à usina nuclear Angra 3: que não licencie o empreendimento até que os estudos de impacto ambiental sejam melhorados.
A procuradora participou das quatro audiências públicas realizadas pelo Ibama na semana passada, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ao emitir esse posicionamento, ela contemplou uma das maiores preocupações externadas nos eventos pela comunidade ambientalista: o destino dos rejeitos radioativos.
Ariane Alencar lembrou que até hoje Angra 1 e Angra 2 geram rejeitos radioativos que estão armazenados temporariamente nas próprias usinas. "E a gente não sabe por quantas centenas, milhares de anos, esses rejeitos podem gerar algum dano à saúde humana, ao meio ambiente", disse à Agência Brasil, registrando ainda a lei de 2001 que determina à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) a construção de depósitos definitivos. Uma lei até hoje não cumprida.
Os rejeitos das usinas são o foco de três itens do Manifesto de Repúdio à Angra 3, produzido no âmbito do Coletivo de Entidades Ambientalistas do Litoral Norte Paulista (Realnorte) e do Coletivo das Entidades Ambientalistas de Ubatuba (CEAU), entregue na audiência pública (clique aqui para ler a íntegra): “o lixo radioativo pode permanecer milhares de anos proporcionando riscos à saúde da população e ao Meio Ambiente para esta e as futuras gerações; não há solução segura para o lixo radioativo que deve ser armazenado 'eternamente' com um elevado custo financeiro e de pessoal, sem garantia legal e recursos para este fim; o Brasil não sabe o que fazer com o lixo radioativo de Angra 1 e 2, que permanecem armazenados no sitio das Usinas".
"Gostaríamos de ressaltar que desta vez o Ibama levou uma equipe atenta e competente e os trabalhos transcorreram a contento”, avaliam os ambientalistas Roberto Bleier e Beto Francine, respectivamente diretor do Instituto Gondwana de São Sebastião e vice-presidente da Associação Cunhambebe da Ilha Anchieta (Acia).
Segundo eles, a plenária dividiu-se entre “uma claque de funcionários e sindicatos que lotaram dois ônibus, ostentando inúmeras faixas e camisas dizendo SIM para a energia nuclear, para o bem do Brasil e dos empregos que serão mantidos ou gerados” e, do outro lado, o NÃO dos ambientalistas e de setores da sociedade civil organizada, grande parte moradores da região de Angra dos Reis.
Dirigindo-se à audiência, os ambientalistas de Ubatuba promoveram uma passeata percorrendo o centro da cidade e entoando palavras de ordem como "Angra 3, 4, 5 mil, queremos que o Lula vá morar em Chernobil".
Prós e contras
Em 2001, o Ministério do Meio Ambiente, por intermédio da Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos (SQA), realizou um processo de consulta a três segmentos sociais estratégicos (técnico-científico, não governamental e empresarial). Seu objetivo era recolher subsídios que pudessem fundamentar a posição do MMA com relação à Angra 3, no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
Professores do Programa de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) – entidade parceira do MMA no segmento técnico-científico – organizaram argumentos favoráveis e contrários à construção da terceira unidade do complexo de Angra.
É um resumo precioso dos principais pontos da polêmica, os quais AmbienteBrasil reproduz a seguir:
Argumentos favoráveis à construção de Angra III:
• É importante para a diversificação da matriz energética do País;
• O Brasil possui a sexta maior reserva de urânio do mundo, enquanto as termelétricas usam gás importado pago em dólares;
• A energia nuclear é considerada uma tecnologia limpa e estratégica em grande parte do mundo – portanto sua importância vai além dos aspectos da competitividade econômica e das considerações de curto prazo; ignorar o seu potencial seria obscurantismo;
• A densidade energética do combustível nuclear é da ordem de milhões de vezes superior à dos combustíveis químicos e infinitamente maior do que a das forças gravitacionais;
• Existem, hoje, cinco programas de pós-graduação em ciência e engenharia nuclear em universidades brasileiras: há que garantir a preservação das equipes técnicas e do conhecimento tecnológico já adquirido (know-how);
• O risco nuclear é remoto: nos últimos 44 anos, com 9.200 reatores/ano de operação, ocorreram somente dois acidentes sérios; ambos resultaram de falhas humanas que levaram ao desenvolvimento de medidas de segurança capazes de evitar a repetição dos problemas ocorridos;
• Há uma tendência a maximizar os riscos da energia nuclear e minimizar os decorrentes de outras fontes geradoras de energia elétrica: a planta nuclear não exige o alagamento de grandes superfícies de terra, eliminando a fauna e flora, não emite CO2 na atmosfera, tampouco produz óxidos de nitrogênio e dióxido de enxofre, causadores da chuva ácida;
• Não se deve vincular a discussão de Angra III às das unidades anteriores: os problemas de Angra I não se repetirão na unidade nova, pois o modelo é inteiramente diferente; os problemas de Angra II geraram uma experiência que torna a nova unidade mais segura e tecnicamente melhor;
• A presença das usinas (Angra I e II) não alterou o ecossistema local, seja do ponto de vista convencional ou do ponto de vista radiológico;
• O manuseio, o empacotamento, o transporte e o armazenamento de seus produtos/resíduos são rigidamente regulamentados (os padrões são internacionais) e controlados;
• A conclusão de Angra III viabilizaria economicamente o complexo e contribuiria decisivamente para a sua auto-sustentabilidade;
• A maior parte dos equipamentos já está comprado e 30% das obras preparatórias já foram realizados. Gasta-se em torno de 20 milhões de dólares/ano com a manutenção do que foi comprado e construído;
• A terceira usina pode representar a solução definitiva dos passivos com relação a segurança (plano de emergência), e as compensações para os municípios, uma vez que a falta de recursos impede que tais passivos sejam equacionados;
• Angra III acrescentará 1350 MW ao sistema elétrico brasileiro e significará um alívio na utilização de recursos hídricos regionais que se encontram significativamente pressionados;
• O Programa Avança Brasil, do Governo Federal, aprovado pelo Congresso Nacional, prevê o plano de investimentos para ANGRA III.
Argumentos contrários à construção de Angra III:
• O histórico de Angra I e II não pode ser esquecido; os antecedentes dessas duas usinas levantam dúvidas sobre as estimativas de tempo e custo da terceira unidade. Além disso, existe pouca confiabilidade nas estimativas da própria indústria nuclear brasileira acerca dos custos atuais e do desempenho das centrais termo nucleares; acrescente-se a isso a escassez de recursos para investimento no Brasil e o alto endividamento do setor público;
• Seria improcedente o argumento de que a energia nuclear pode ser uma fonte complementar interessante, no atual contexto de crise energética, pela seguinte razão: 95% da energia brasileira atual é provida por hidroelétricas; a geração dessas usinas varia conforme as estações do ano, segundo condições climáticas; a demanda não atendida por geração hidroelétrica é inevitavelmente intermitente e não se ajusta nem física nem economicamente às centrais de energia nuclear, como já foi demonstrado por Angra I e II;
• Deve-se ter cautela ao analisar Angra III como uma oportunidade, lembrando dos problemas de longo prazo: ainda não existe um plano de descomissionamento das plantas nucleares, nem de disposição final dos resíduos, nem recursos foram ainda previstos para estas tarefas;
• No contexto atual, os custos adicionais de produção de energia por Angra I e II, acima dos preços de mercado, são arcados pelos pequenos consumidores cativos; este cenário permite prever que Angra III significará elevadas tarifas de energia elétrica para o consumidor;
• O fato de o Brasil ter uma grande reserva de urânio não deve determinar a construção de usinas, uma vez que o combustível é somente uma pequena parcela do custo total da energia nuclear;
• Acidentes em uma usina nuclear têm pequena probabilidade de ocorrência, mas quando ocorrem são de extrema gravidade em termos tanto dos impactos sobre a saúde humana quanto ao meio ambiente; crescem em vários países as restrições à construção de novas usinas e mesmo alguns deles, por exemplo a Áustria e a Alemanha, estão descomissionando as que já existem, após terem sido realizados plebiscitos.
• Deixar sob a responsabilidade de uma mesma empresa – a Eletronuclear – a geração de energia nuclear (antes a cargo de Furnas) e também a construção de reatores (antes a cargo da NUCLEN), é altamente discutível; a Alemanha, por exemplo, nossa parceira no programa, já apontou a necessidade dessa separação, que favorece as atividades de fiscalização;
• Além das questões econômicas, existem questões éticas que não se resumem à possibilidade de acidentes: não se deve deixar para as futuras gerações a resolução de problemas da época presente e isso está ocorrendo com os depósitos (ainda relativamente pequenos) de rejeitos de alta radioatividade que permanecem em piscinas nas proximidades dos reatores. Estima -se que estes rejeitos tenham que ficar isolados durante 10 mil anos;
• A construção de novas usinas é sempre uma porta aberta para a possibilidade da construção de artefatos nucleares para fins militares e para o uso não pacífico da tecnologia nuclear.
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