Quando as empresas fazem toda a diferença

Foto: Max Mannix

Planejamento e avaliação do investimento social privado devem basear-se nos benefícios efetivos que a empresa pode proporcionar a sociedade.

Redução da pobreza, geração de trabalho e renda, melhoria da qualidade da educação básica, criação de modelos eficazes de saúde preventiva, promoção do desenvolvimento local sustentável. São muitos e complexos os desafios sociais e ambientais do Brasil. Tão complexos que já não se concebe, hoje, a busca de soluções parciais, localizadas e com baixa eficácia, nascidas da iniciativa isolada do primeiro, do segundo e do terceiro setores.

Uma alternativa cada dia mais defendida são as alianças estratégicas intersetoriais para as quais, as empresas, suas fundações e institutos podem colaborar gerando tecnologias sociais no âmbito do seu investimento social privado. Por tecnologias sociais, entende-se um conjunto de produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, resultantes do alinhamento de saberes populares, técnicos e científicos. Nem todas as boas soluções socioambientais elaboradas no campo empresarial enquadram-se, é claro, nessa definição. Mas muitas têm potencial para serem disseminadas por todo o país, na medida em que já deixaram de ser projetos com dono, entraram na vida das comunidades e já começam a produzir resultados efetivos de transformação social.

Segundo a Cristine Letts, diretora dos programas de educação executiva da Universidade de Harvard (EUA), e especialista em investimento social privado, as empresas interessadas em desenvolver projetos sociais devem, antes de mais nada, considerar uma primeira premissa: projeto bom não é o que atende exclusivamente aos objetivos institucionais da corporação, mas os que se alinham com necessidades e expectativas da comunidade beneficiada. Uma noção clara dos impactos sociais que se deseja provocar ajuda – de acordo com a professora – a definir o foco. Até porque sem foco, o impulso ativista de fazer tudo pode acabar em resultados menos consistentes.

Investimento social, passo a passo

“O primeiro passo é fazer uma análise ampla do problema a ser solucionado, avaliando se é mais indicado gerar uma idéia, disseminar uma idéia, criar um programa ou uma organização ou ainda apoiar instituições importantes que tratam do mesmo problema”, afirma Cristine. Em sua opinião, a empresa precisa também tomar o cuidado, no planejamento inicial, de escolher o local ou locais prioritários para o projeto, identificando pontos fortes e fracos, assim como potenciais colaboradores. “Por fim, é preciso definir a escala, o grau de expansão do programa, as suas formas de disseminação e os impactos de suas estratégias”, diz a especialista.

Ainda segundo a professora de Harvard, para que o projeto da empresa, instituto ou fundação chegue à condição de ser reaplicado é necessário adotar métodos de avaliação de resultados com o objetivo de validar a eficácia da solução desenvolvida, o que será determinante para ampliar a rede de parceiros e extensão da iniciativa no médio e longo-prazos.

Segundo Cristine, um bom critério para avaliar os impactos de um projeto é analisar o quanto ele está relacionado com as políticas públicas que tangenciam o problema que se propõe a solucionar. “Os resultados podem ser mensurados, portanto, com base nos impactos para a melhoria do desenvolvimento humano de uma comunidade. Outro critério é a capacidade de gerar solidariedade voluntária e possibilidades de parceria e cooperação intersetoriais”, afirma Cristine.

Ao se tornarem tecnologias, com potencial de reaplicação em outras realidades, os projetos de empresas, institutos e fundações alcançam uma dimensão muito maior. “Bons projetos são, portanto, os que geram resultados efetivos para melhoria da qualidade de vida de um grupo de pessoas, mobilizam, em uma dimensão voluntária, diferentes atores sociais e nascem da união de recursos e esforços de empresas, governos e organizações da sociedade civil”, ressalta Cristine, fazendo menção ao conceito de aliança intersetorial.

Basf leva educação ambiental para as escolas

Da integração do setor privado com o público tem surgido experiências muito interessantes. Um bom exemplo é o Programa Ambiental Interativo Semente do Amanhã. Desenvolvido em Guaratinguetá, a partir de iniciativa da Basf, indústria química instalada na cidade, integra a Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Educação e do Serviço Autônomo de Águas, Esgotos e Resíduos (Saeg), e também a Cooperativa “Amigos do Lixo”, do Grupo de Apoio de Proteção aos Animais - e da Polícia Militar Ambiental (Gapag).

Graças à sinergia de esforços entre segmentos que normalmente não se conversam e trabalham pouco juntos, foi possível inserir a educação ambiental no currículo das escolas municipais de Guaratinguetá, beneficiando, anualmente, cerca de 6200 crianças de primeira à quarta série.

“A educação ambiental é o eixo central da proposta pedagógica elaborada pela Secretaria Municipal de Educação a partir de 2005. Com essa diretriz, o meio ambiente passou a ser abordado de forma transversal pelos professores. O tema deve estar presente em todas as disciplinas e atividades”, afirma Gilda Cortez Pereira, secretária municipal de educação de Guaratinguetá.

O Programa Semente do Amanhã contempla a capacitação anual de cerca de 500 educadores para a abordagem de temas relacionados ao meio ambiente em sala de aula e a apresentação dos trabalhos para a comunidade.

“A experiência da empresa contribui muito para a qualidade da nossa prática, até na questão metodológica. Na realização da ‘Feira verde’, por exemplo, onde são expostos os trabalhos realizados pelos alunos, os professores aprendem a organizar e planejar um evento. Há uma socialização de saberes entre os setores privado e público”, afirma Gilda.

Em julho de 2007, o Programa Semente do Amanhã recebeu investimentos de R$ 100.373,00 do Fehidro (Fundo de Recursos Hídricos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente). O projeto foi selecionado pelo Comitê das Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul e a própria Secretaria de Meio Ambiente em quesitos como abrangência, custo, impacto.

A contrapartida para o recurso será realizada pela Basf (R$ 60 mil) e pelo Saeg (R$ 40 mil). Com esses investimentos as capacitações passarão a ser bimestrais e envolverão não só os professores, mas todos os funcionários das escolas.

Hoje, o Programa Semente do Amanhã foi estendido para as escolas rurais e a APAE de Guaratinguetá. O projeto já atraiu a atenção de outras prefeituras como Ubatuba e Cruzeiro que demonstraram interesse em implementá-lo em sua rede de escolas.

Atuação em redes

Tecnologia da Fundação Ioschpe espalha programa de capacitação de jovens

Mais antigo, o Programa Formare, da Fundação Iochpe, atraiu, inicialmente, a atenção de clientes da própria Iochpe que a partir dos resultados do projeto resolveram utilizar a sua bem-sucedida metodologia que consiste na realização de cursos de educação profissional para jovens de famílias de baixa renda com idade entre 15 e 17 anos.

Em 2008, o programa completa 20 anos. Mas foi só em 2001, quando formatou um modelo adaptável a diversos ambientes empresariais, que passou a ser reaplicado. Hoje, o Formare é realizado em 42 empresas parceiras, totalizando 74 escolas espalhadas por 10 estados do Brasil.

O objetivo do programa é preparar o aluno para o mercado de trabalho. “A empresa é um grande ambiente de aprendizagem. Por isso, as escolas do Formare são instaladas dentro das fábricas e os próprios funcionários ministram as aulas. Com isso, é possível levar os saberes contidos na empresa para os alunos”, afirma Beth Calia, coordenadora geral do Projeto Formare.

Cerca de 80% dos alunos formados pelo Formare conseguem entrar no mercado de trabalho, uma média muito superior à dos programas similares. Hoje, conta com a participação de 3450 educadores voluntários. Desde a sua criação, 5200 jovens já foram capacitados.

A metodologia desenvolvida pela Fundação Iochpe é reconhecida pelo MEC e acompanhada pela Universidade Tecnológica do Paraná. A partir da parceria com essa instituição de ensino, em 1994, todos os alunos passaram a receber um certificado ao final do curso.

“A empresa parceira encontra nessa metodologia uma boa forma de promover uma ação social consistente sem precisar reinventar a roda, aproveitando o caminho já percorrido, a experiência que não é só da Fundação Iochpe, mas de cada empresa que passa a fazer parte dessa grande rede”, ressalta Beth.

Fundação Bradesco dissemina metodologia no Vale do Ribeira

No final de 2006, após uma análise dos números de qualidade da escola pública, e seguindo um plano de expandir sua atuação, a Fundação Bradesco criou o projeto Educa + Ação, visando levar a metodologia utilizada nas 40 escolas da Fundação Bradesco para a rede pública de ensino.

Desde 2006, um projeto-piloto vem sendo desenvolvido com a parceria da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), em 14 escolas municipais de oito cidades do Vale do Ribeira--Registro, Juquiá, Jacupiranga, Eldorado, Iguape, Sete Barras, Pariquera-Açu e Cajati--, uma das regiões com menor Índice de Desenvolvimento Humano no Estado de São Paulo. Cerca de mil alunos estão sendo diretamente beneficiados.

O investimento previsto até o final de 2008, quando se encerra a fase piloto, é de R$ 1,5 milhão, feito diretamente pelo Banco Bradesco. Em 2007, a Fundação Bradesco investiu R$ 200 milhões para atender 109 mil alunos em Educação Infantil, Ensino Fundamental Ensino Médio, Educação Profissional Técnica de Nível Médio, Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores e Educação de Jovens e Adultos.

O objetivo do Educa + Ação é que os alunos cheguem ao segundo ano do ensino básico alfabetizados. Para alcançá-lo, a Fundação Bradesco distribuiu mais de 1000 kits pedagógicos, incluindo livros didáticos, CDs, videoteca e material pedagógico de apoio. Também foram realizadas capacitações, presenciais e a distância, de 48 professores, coordenadores, e diretores das escolas contempladas pelo projeto.

Por meio dessa metodologia os alunos aprendem o significado das palavras, frases e textos, dentro do universo cultural que possuem, cabendo ao professor a contextualização do conhecimento.

“Com o construtivismo, passou-se a estudar o aprendizado sob o ponto de vista da criança. Partindo desse princípio, as chances de se ter sucesso na alfabetização são maiores. Só que não existe um método pronto. É preciso mudar a forma de ensinar, principalmente durante a alfabetização. As metodologias de ensino devem ser aprimoradas continuamente. É o que fazemos com os materiais da Fundação e é essa experiência que queremos compartilhar com o professor da rede pública, mostrando que é possível um aluno terminar o primeiro ano devidamente alfabetizado”, ressalta Denise Aguiar, diretora da Fundação Bradesco.

As escolas também recebem visitas periódicas dos profissionais da Fundação Bradesco para acompanhar a implementação dessa metodologia.

“Finalizado o projeto-piloto, pretendemos estabelecer parcerias, por exemplo, com empresas que queiram realizar esse trabalho com escolas públicas”, afirma Denise.

No primeiro ano do Educa + Ação, os resultados corresponderam às expectativas. Em 2007, 70% dos alunos atendidos pelo programa encerraram o ano alfabetizados.

Etapas para o planejamento do investimento social privado:

1. Diagnóstico e identificação de objetivos

2. Definição do foco de atuação

3. Determinação do prazo de investimento

4. Identificação da configuração jurídica mais adequada (Apoio a um projeto ou instituição já existente, criação de um projeto próprio, instituto ou fundação corporativa)

5. Avaliação da possibilidade de formar parcerias e capacidade de mobilização de parceiros

6. Avaliação da possibilidade de utilizar voluntários no programa

7. Criação de um orçamento para o investimento social

8. Definição dos critérios para avaliação do investimento social

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