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A estrutura em camadas das conchas de ostras e mariscos é responsável por um dos mais duros materiais naturais com base mineral. Um grupo de pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, com participação de um brasileiro, seguiu o mesmo princípio para desenvolver um novo compósito de alta flexibilidade e resistência.
Ao adaptar estrutura que forma conchas marinhas, cientistas desenvolvem plástico da espessura de um quinto de fio de cabelo e duas vezes mais resistente do que as conchas de moluscos
Os autores do trabalho utilizaram minúsculas placas cerâmicas artificiais e um biopolímero para montar a estrutura em lâminas do novo material. O resultado foi uma película com a espessura de um quinto de fio de cabelo, mas com resistência mecânica duas vezes maior do que a das conchas.
A película pode ainda ser esticada para aumentar em 25% de seu tamanho original, enquanto a estrutura da concha se deforma no máximo 2% antes de romper. Com alta capacidade de deformação, o composto artificial absorve cerca de dez vezes mais energia durante a fratura do que as conchas, tornando o material extremamente forte.
O trabalho, realizado por Ludwig Gauckler, André Studart e Lorenz Bonderrer, foi publicado em fevereiro na revista Science. O estudo também foi divulgado pela Chemistry World, da Sociedade Real de Química do Reino Unido, e terá destaque na edição de abril da Materials Today.
De acordo com Studart, que depois de cinco anos em Zurique mudou-se há oito meses para Cambridge, nos Estados Unidos, onde é pesquisador na Universidade Harvard, o novo material é visualmente semelhante a um filme plástico comum. Mas as plaquetas de cerâmica, que correspondem a até 15% de sua composição, dão as características especiais.
“Pelo fato de integrar materiais tão diferentes, o compósito combina as melhores propriedades de cada um: a alta resistência mecânica da cerâmica e a grande plasticidade dos polímeros”, disse à Agência Fapesp. O pesquisador se formou no Departamento de Engenharia de Materiais do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde estudou até o doutorado no grupo coordenado pelo professor Victor Pandolfelli.
Studart explica que, ao estudar as possibilidades de interações entre polímeros e materiais cerâmicos, o grupo de que fez parte procurou aprender as lições da natureza para harmonizar dois mundos aparentemente excludentes.
“Os polímeros têm uma temperatura de fusão muito baixa e são processados a cerca de 200º C. As cerâmicas são processadas a pelo menos 1.000ºC. No entanto, a natureza consegue conciliar esses dois materiais. Procuramos observar que ferramentas ela utiliza para, depois, adaptar ao nosso processo de trabalho”, disse.
O pesquisador lembra, porém, que a ciência tem à sua disposição composições químicas muito mais abrangentes do que a própria natureza. Exemplo disso são os materiais híbridos (que misturam estruturas orgânicas e inorgânicas) como os que compõem dentes, ossos e conchas.
“O arsenal de opções químicas disponíveis na natureza para formação desses materiais é bastante limitado. Enquanto isso, nós temos toda a tabela periódica para utilizar. A natureza, no entanto, justamente por dispor de tão poucos elementos, teve necessidade de criar estruturas muito evoluídas para conseguir propriedades específicas. Tentamos observar esses caminhos e aplicar o imenso leque de composições químicas que temos à disposição”, destacou.
Os pesquisadores não tentaram reproduzir o processo de formação da concha, mas apenas seus resultados. De acordo com Studart, a estrutura das conchas é formada pelo processo de biomineralização, que tem uma participação fundamental na liberação de determinadas proteínas pelas células do animal.
“Essas proteínas favorecem a precipitação de íons que estão na água do mar – no caso, cálcio e carbonato. Há grupos de pesquisa cuja abordagem adapta esse processo. Nós fomos por um caminho totalmente diferente, utilizando a tecnologia à disposição para conseguir resultados semelhantes”, apontou.
Mesmo com um processo menos elaborado, os autores do estudo conseguiram atingir os resultados desejados. O “truque”, segundo Studart, é utilizar composições químicas melhores do que as naturais.
“Enquanto o nosso compósito tem até 15% de plaquetas em sua composição, as cascas dos moluscos podem ter mais de 95% de plaquetas. Mas, pelo fato de as nossas plaquetas serem quatro vezes mais fortes do que as naturais, conseguimos propriedades mecânicas duas vezes maiores do que a das conchas”, afirmou.
Questão de geometria
As plaquetas das conchas, diz André Studart, são feitas de carbonato de cálcio – mesmo material extremamente frágil que compõe o giz. Por isso sua concentração precisa ser tão alta, garantindo a dureza do material, mas diminuindo a sua plasticidade.
“O material que desenvolvemos é maleável. No entanto, usamos plaquetas de óxido de alumínio, o terceiro material mais duro conhecido, perdendo apenas para o diamante e o carboneto de silício. O que garante a combinação de alta resistência mecânica e plasticidade é a geometria específica das plaquetas”, explicou.
A geometria a que Studart se refere é a razão entre o comprimento e a espessura das plaquetas inseridas na matriz plástica. Se elas são muito alongadas e finas, adquirem a estrutura frágil de vidro, rompendo-se sob tensão. Se forem muito curtas e espessas, não dão o reforço necessário.
“Elas precisam ser longas o suficiente para reforçar o material, mas não tanto a ponto de criar fraturas. A natureza precisa de plaquetas com comprimento equivalente a dez vezes a espessura. Como nossas plaquetas são mais resistentes, conseguimos uma geometria com comprimento 50 vezes maior do que a espessura. Com isso, o reforço é muito maior e as propriedades se mantêm”, afirmou.
Para tornar a aplicação do novo material viável, será preciso adaptar as técnicas à produção em larga escala, utilizando processos mais rápidos de fabricação. “Por enquanto ainda temos problemas a serem resolvidos em escala laboratorial. Será preciso melhorar a adesão entre plaquetas e plástico. Esse processo tem que ser melhor controlado para que os materiais mantenham sempre as mesmas propriedades”, disse.
Em Harvard, Studart integra suas especialidades em materiais inorgânicos à linha de pesquisa local, voltada para a área de fluidos complexos, que envolve cristais líquidos e emulsões.
“Nessa área, a preocupação é descrever a física dos fenômenos globais que envolvem os fluidos complexos. Em materiais inorgânicos, a ênfase está na engenharia e o interesse é produzir materiais inorgânicos com novas propriedades. A interface existe porque os fluidos complexos, como as suspensões, são muito utilizados na produção dos materiais inorgânicos, cuja estrutura será mais bem compreendida se soubermos mais sobre aqueles fenômenos físicos”, disse Studart.
O artigo
Bioinspired Design and Assembly of Platelet Reinforced Polymer Films, de Ludwig Gauckler e outros, pode ser lido por assinantes da Science em
www.sciencemag.org.