Foto: FAPESP
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Introduzir materiais sustentáveis nos componentes utilizados para a fabricação de automóveis é o principal objetivo das pesquisas conduzidas por Mohini Sain, diretor do Centro de Biocompósitos e Processamento de Biomateriais da Universidade de Toronto, no Canadá.
Sain coordena o setor de biofibras renováveis e biomateriais para componentes do Projeto Auto 21, uma grande rede de centros de excelência em pesquisa científica e tecnológica – com participação de mais de 500 estudantes e 200 cientistas de universidades e empresas –, financiada pelo governo do Canadá para promover o desenvolvimento e a sustentabilidade da indústria automotiva no país.
Ao utilizar fibras de materiais florestais e agrícolas, o objetivo é criar substitutos renováveis para materiais plásticos e metálicos em painéis, bancos, portas, consoles e outros componentes. O desafio é fazer com que, dentro de 25 anos, cerca de 50% dos materiais utilizados na fabricação dos carros sejam feitos de fibras vegetais.
Sain detém diversas patentes de biomateriais e suas pesquisas geraram a empresa spin-off GreenCore. No Brasil para ministrar uma série de cursos na Universidade São Francisco, em Itatiba (SP), com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Vinda de Pesquisador Visitante, o professor canadense também participou do workshop “Bionanocompósitos com Aplicação na Indústria Automobilística”, promovido pela Associação Brasileira de Polímeros no dia 30, quando concedeu entrevista à Agência FAPESP.
Agência FAPESP – Os esforços para reduzir o impacto ambiental causado pelos automóveis geralmente se concentram no desenvolvimento de combustíveis mais limpos. Por que nas suas pesquisas o foco está nos materiais que compõem os carros?
Mohini Sain – Geralmente culpamos os combustíveis pela poluição, mas eles são apenas parte do problema. Os materiais são outra parte. No entanto, nossa maior preocupação é o imenso consumo de energia embutido no processo de fabricação tanto de combustíveis como dos materiais. Cada polímero usado em um componente de um carro resulta de um processo de transformação do petróleo cru em etanol, em butanol e assim por diante. Portanto, as emissões causadas por um carro não saem apenas do escapamento: há emissões da indústria petrolífera, da petroquímica, de processamento de plástico e de manufaturas.
Agência FAPESP – A idéia é fazer uma abordagem sistêmica?
Sain – Sim. Não adianta reduzir o problema da poluição à questão de usar combustivel limpo. É preciso contabilizar como os materiais são feitos, de onde vêm, como e por qual distância são transportados, qual é a vida útil, em quanto tempo vão para o lixo, se vão parar no solo e assim por diante. A sustentabilidade do material é muito importante. Por isso não dedicamos o projeto Auto 21 apenas às células combustíveis, tecnologias de hidrogênio ou biocombustíveis. Isso também está incluído, mas achamos que é preciso olhar para os materiais, porque eles são o que realmente tem potencial para alterar todo o processo.
Agência FAPESP – Que tipo de componentes vocês pretendem substituir nos automóveis?
Sain – Pesquisamos materiais para aplicação em diversas partes, como o forro da porta, pára-choques, consoles, painéis, bagageiros e instrumentos. A idéia é utilizar sempre compósitos reforçados por fibras naturais para substituir as partes de plástico, metal ou vidro. Cada componente que conseguimos substituir significa uma diminuição no consumo de petróleo cru no fim da cadeia produtiva.
Agência FAPESP – Essa substituição também se reflete no consumo dos veículos?
Sain – Sim. Os bioplásticos são em média 10% mais leves do que os plásticos convencionais. Cada quilo de plástico tirado de um veículo de uma tonelada economiza entre sete e nove litros de combustível por ano.
Agência FAPESP – Que tipo de materiais são usados?
Sain – Todo tipo de fibra natural. A intenção é aproveitar os resíduos descartados na cadeia de produção agrícola e florestal. Evitamos utilizar matrizes como o milho, que possam comprometer a indústria alimentar, mas procuramos aproveitar a biorrefinaria de subprodutos das fazendas. Com isso, em vez de derrubar árvores e competir com a agricultura, agregamos a esses setores mais uma atividade econômica. As tecnologias que desenvolvemos são coerentes com a realidade econômica a que se aplicam.
Agência FAPESP – Poderia exemplificar algumas dessas tecnologias?
Sain – Alguns ácidos graxos de vegetais, óleo de soja e canola, por exemplo, podem ser convertidos em espuma de polietileno para os assentos. Utilizando uma bactéria, o amido de milho pode ser transformado em plástico biodegradável para os painéis e as portas. Algumas fibras podem ser usadas como agente de reforço. Também estudamos o desenvolvimento de biopolímeros a partir de recursos renováveis. Começamos a trabalhar com biotecnologias para a conversão de amido, a fim de fazer polímeros naturais a partir de tapioca e batatas, por exemplo. O resultado é algo muito próximo do polipropileno.
Agência FAPESP – Que vantagem esses materiais têm, além da economia de energia na produção?
Sain – Além da biogênese das fibras naturais gastar menos energia, elas diminuem o risco potencial de poluição na hora de serem descartadas. Esses compostos são facilmente recicláveis.
Agência FAPESP – Há aplicação de nanotecnologia também?
Sain – Há algumas intervenções em nível molecular nas biofibras. Estamos desenvolvendo um processo de transformação de fibras florestais que podem ser introduzidas em bioplásticos para a produção de bionanocompósitos com rendimento altamente elevado.
Agência FAPESP – Quais são os maiores desafios enfrentados pelo projeto neste momento?
Sain – Para fazer a indústria substituir peças de plástico, polipropileno, policarbonato e náilon por materiais renováveis é preciso que eles tenham a mesma performance e um preço competitivo. Se não conseguirmos baratear a produção, é impossível introduzir o material. Ao mesmo tempo, temos que fazer com que a produção desse material traga ganho econômico
Agência FAPESP – A idéia é ter um carro sustentável?
Sain – Em última instância, sim. Mas isso tem que ser introduzido gradualmente. Não queremos criar de uma vez só um carro inteiramente “verde”. Primeiro porque seria economicamente inviável. Além disso, na percepção do público, um “carro ecológico” seria visto como algo suspeito, provavelmente mais caro e com menor rendimento. Mas, se os materiais forem introduzidos aos poucos, dentro de alguns anos o “carro verde” seria aceito e, em seguida, a noção se inverteria. Provavelmente, no futuro, haverá selos de certificação de sustentabilidade dos carros e o público exigirá isso. Mas é algo que precisa ser gradual.
Agência FAPESP – Há uma perspectiva para o ritmo dessa substituição?
Sain – Esses materiais já começam a entrar no mercado. Na nossa avaliação, nos próximos cinco ou seis anos haverá substituição de 50 a 100 quilos de componentes dos carros por esses biocompósitos. E, entre 10 e 20 anos, serão introduzidos outros 100 quilos. De 20 a 25 anos, acreditamos que 50% dos carros serão feitos com esses tipos de tecnologias. Não ficarei surpreso se for mais, pois essas são estimativas conservadoras.