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A maneira de dirigir e controlar empresas tem sido um dos temas mais abordados no universo corporativo e, recentemente, Valéria Café, diretora de Vocalização e Influência do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), explicou quais são as melhores práticas de governança corporativa.
Em entrevista concedida ao Projeto Indústria Verde, que tem como principal objetivo mostrar soluções sustentáveis implementadas em diferentes segmentos industriais, a especialista do IBGC disse que “quanto mais as organizações implementarem as melhores práticas de governança corporativa, melhor será a nossa sociedade”.
A especialista explicou ao Indústria Verde que o IBGC é uma espécie de hub de conhecimento sobre a boa governança corporativa, “desenvolvendo pesquisas e publicações e implementando planos de advocacy”, entre muitas outras frentes.
Confira abaixo a entrevista em que ela explica como se dá a boa governança corporativa para manter saudáveis e longevas tanto uma grande corporação quanto uma pequena ou média empresa.
Projeto Indústria Verde: O que é exatamente o cargo de Vocalização e Influência?
Valéria Café: Na verdade, o cargo surgiu com a ideia de o IBGC aumentar sua articulação no mercado. O Instituto agrega valor em três atividades: uma gerando conhecimento por meio das pessoas que circulam nele – somos um think tank. Não temos um conhecimento de academia, mas de profissionais do mercado que vivem a governança na prática – e a partir disso desenvolvemos conteúdos e oferecemos cursos para profissionais do mercado e agentes de governança. Ao mesmo tempo, influenciamos o mercado, porque levamos esse conhecimento para as empresas e trabalhamos com órgãos reguladores, para manter a régua da governança corporativa ou melhorá-la. Somos um hub de conhecimento e de divulgação desse conhecimento. Hoje sou responsável pela área de gestão de conhecimento e de disseminação desse conhecimento, no sentido de influenciar e vocalizá-lo.
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PIV: Como se estrutura a governança corporativa?
VC: Quando eu vim para o IBGC, ouvi um conselheiro dar uma ótima explicação. Se você mora em um prédio, quem é o CEO? É o zelador: o funcionário número 1 da empresa. O síndico, por sua vez, é o presidente do conselho. E quais são os acionistas do prédio? Os moradores – e eles elegem quem? O síndico, que é o presidente do conselho. E ele coloca o zelador, mas existe um conselho! Então os moradores, o que fazem? Eles escolhem não só o síndico, mas também os conselheiros, que são como sócios acionistas – e, dentre os acionistas, escolhem e formam um conselho. O diferencial numa empresa é que os acionistas escolhem seus representantes: os conselheiros e o presidente do conselho. Eles se encontram anualmente na assembleia geral ordinária, e lá escolhem o conselho.
PIV: E quando a governança começa?
VC: A governança é um sistema que estrutura e ajuda a empresa a dirigir, monitorar e incentivar os relacionamentos entre todos os stakeholders – os acionistas, os funcionários, os clientes; todas as pessoas que são impactadas de alguma forma pela empresa. Mas uma empresa que não tem conselho pode ter governança. Tem que ter uma diretoria estatutária geralmente, com um CEO, e sempre tem um presidente da empresa ou dois diretores. Então essa empresa tem uma liderança, um administrador. Então se tem um administrador ela já começa a ter governança. Se é a melhor prática ou não, é outra questão.
A gente tem uma publicação muito legal para startups que responde à seguinte pergunta: como sei se tenho governança? Primeiro, você tem um contrato entre sócios? Tem propriedade intelectual dos produtos e serviços? Existe contrato de trabalho, planejamento estratégico estruturado, contabilidade, prestação de contas aos sócios? Tudo isso é uma estruturação da governança – e, de acordo com o tamanho da sua empresa, você vai aprimorando a sua jornada de governança para níveis mais sutis. A melhor prática é resultado de alguns princípios básicos: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.
Esses princípios devem ser vivenciados, independentemente do tamanho da sua empresa ou de onde você está em sua jornada. Uma empresa precisa agregar valor à sociedade; ela precisa ser longeva e, por isso, sustentável; e observar qual impacto ela vai causar na sociedade – e que seja um impacto positivo, não negativo. Todos os princípios têm de estar presentes na prática. Ainda que você tenha no papel a melhor das governanças, esses princípios têm de ser vivenciados, senão é muito difícil garantir que aquela governança realmente exista.
PIV: Então a má governança é não colocar em prática o arcabouço teórico estabelecido, com os princípios mais altos?
VC: Sim, sempre os princípios mais altos – mas você não precisa ter uma estrutura de uma empresa de grande porte se a sua empresa é de médio porte. Primeiro, é preciso enxergar que uma empresa tem um propósito, ou seja, que diz o que ela vai entregar de valor à sociedade. Ainda assim, uma empresa não pode viver sem lucro; nem ONG pode. (Eu sou uma ONG e eu não posso viver sem lucro. O lucro da ONG é reinvestido na própria ONG, ou ela reinveste na causa. Ou seja, ela não vai ter lucro no final porque ela vai transformar isso em valor.) Para ter uma boa governança corporativa, você precisa ter propósito; liderança que esteja consciente deste propósito e da governança que foi definida para aquela organização; e uma cultura de governança vivenciada no dia a dia das pessoas.
PIV: Qual seria um exemplo de propósito numa empresa?
VC: Qual o propósito da Natura, por exemplo? É “bem-estar bem”. Isso é um modo de vida. Há um propósito; uma causa mais sutil. As empresas têm de ter uma causa. Se você procurar o propósito da Nike, se não me engano, é “ajudar a vida dos atletas”. Só que eles põem lá entre parênteses: “Atletas somos todos nós”. Se você procurar no site de qualquer empresa, vai achar o propósito da empresa. Quem discute o propósito das empresas são os conselhos de administração. Toda empresa tem que existir porque agrega valor à sociedade. Por que ela existe? É preciso ter um propósito; se não tiver, é melhor que não exista – porque existir só para vender… Posso vender sapato, papel higiênico ou batom: dá na mesma.
PIV: Quais outros elementos alimentam ainda a boa governança?
VC: Tudo alimenta a governança, porque você tem de viver num ambiente ético. Vivemos em sociedade; se cada um pensar só em si mesmo, isso vai impactar o outro negativamente. Isso acontece numa empresa também. Tem de haver uma cultura ética que desperte o melhor das pessoas, não o pior. Com a governança corporativa, cumprimos regras e estruturas montadas para garantir a vida na sociedade corporativa, que visem o interesse de todos – win win – dentro de um comportamento ético. E hoje a empresa tem de ter também o olhar aguçado para o ambiental e o social.
PIV: De que forma a má governança corporativa compromete a agenda ESG? É um efeito dominó?
VC: É isso mesmo: se a governança não está funcionando, não tem como a parte ambiental ou social funcionar. Se a governança é um conjunto de princípios, regras e estruturas que vão ajudar a empresa andar e não houver esse básico, como poderão ser trabalhadas as questões ambientais e sociais?
PIV: Os aspectos ambientais e sociais de ESG estão lá na ponta em termos de sofisticação da governança? Ou se tornaram básicas?
VC: Básicas. Eu posso começar já com esse olhar ambiental e social; posso ser pequeno e já começar sofisticado. Há várias empresas assim, como você sabe. Não preciso esperar para dizer “agora, que eu sou grande, posso não desmatar, não poluir”. A empresa pode nascer com essa consciência. Os aspectos ambientais e sociais têm a ver com a forma como você trata as pessoas; como as paga; com o prazo que dá ao seu fornecedor, por exemplo. E, em termos ambientais, que produto vou entregar ao meu cliente que possa ser parcialmente recuperado depois? Por exemplo: na Gerdau, hoje, mais de 60% de todo o alumínio usado não é de extração – provêm de latinhas. Se eu começar com esse olhar, posso desenvolver produtos que possam ser desmontados para virar novos produtos. Há vários olhares: como trato a questão ambiental para extrair menos, gastar menos? Como lido com a questão social para ter mais diversidade; para tratar todo mundo da mesma forma; para que a sociedade goste de mim como vizinho; e para que a empresa passe a ser agente transformador dessa sociedade?
PIV: Em que grau você acha que aumentou a importância desses aspectos ambientais e sociais no conjunto da boa governança? Se a empresa não tem boa performance ambiental e social está condenada ao insucesso?
VC: A importância aumentou porque o consumidor mudou e passou a exigir que as empresas tenham esse olhar ambiental e social. O investidor também mudou, porque agora ele quer menos risco: ele quer que a empresa dê certo. Se a empresa trata mal os funcionários ou causa danos ambientais, não vai dar certo: aumenta o risco. Hoje há também o olhar da inovação: para crescer em um mercado altamente competitivo, a empresa precisa inovar – e, para tal, pode usar pessoas diversas, com olhares diferentes e novas formas de fazer, como vantagem competitiva. A inovação vem também do uso do meio ambiente como conhecimento para inovar. Dizemos, por exemplo, que a floresta em pé hoje traz mais lucro do que a floresta no chão. Então, o quanto o conselho de administração e os administradores – a diretoria estatutária, o CEO, os diretores e o conselho de administração – estão olhando para as questões ambientais e sociais como risco e oportunidade? Isso tem de entrar na agenda da governança, na agenda do conselho, na agenda da diretoria. Não é mais de uma área só – tem de ser transversal e estar nas metas e métricas de todas as áreas da organização. De dez anos para cá, viemos falando deste tema de forma mais efetiva, mas eu trabalho com isso há 20 anos. A pandemia e as mudanças climáticas estão fazendo com que as empresas olhem para o social e o ambiental de uma forma muito mais efetiva.
PIV: Nesse contexto, o que é a governança climática?
VC: Na governança ambiental, é preciso que as empresas comecem a entender o processo de mudanças climáticas. Chamamos isso de governança climática. Em 2020, o IBGC foi convidado pelo Fórum Econômico Mundial a participar de um grupo de organizações do mundo inteiro que discute as questões relacionadas à governança climática. Nesse contexto, surgem então perguntas como: Qual o papel do conselho na discussão relacionada a mudanças climáticas? Tem gente dentro da empresa com esse conhecimento? Como faço para que a governança climática aconteça? Quais as metas e métricas? Quem é responsável por isso? Todas essas perguntas são inerentes à governança climática.
PIV: Em termos gerais, quais desafios a boa governança corporativa encontra no Brasil?
VC: A falta do enforcement, e a impunidade que resulta disso. [Enforcement significa a aplicação da lei, o cumprimento das regras.]
PIV: O Brasil está entre os países com boa governança corporativa?
VC: Somos um dos países que têm estruturas e processos de governança muito bem organizados. Só pra você ter uma ideia: todo ano, o IBGC visita um país diferente para conhecer a sua governança. Visitamos praticamente o mundo inteiro nos últimos 15 anos, e percebemos que o Brasil está muito bem em termos de governança – mas não temos enforcement.
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