Fibras vão substituir plástico em veículos da Volkswagen do Brasil

Acordo com Unesp vai incluir fibras naturais em algumas partes dos veículos da montadora.

A Unesp e a Volkswagen do Brasil firmaram, em agosto, um acordo para o desenvolvimento de pesquisas e experimentos para a inclusão de fibras naturais na confecção das peças que formam o acabamento interno dos veículos produzidos pela montadora. A ideia é que algumas partes dos carros que hoje são fabricadas com plásticos, como o painel, forros ou acabamento interno das portas, passem a incluir fibras naturais em sua composição.

O objetivo é reduzir a pegada de carbono no processo produtivo da montadora, reduzir o peso do veículo e permitir a reciclagem integral dessas peças. 

O contrato prevê a remuneração de 430 mil reais por 18 meses de pesquisas e a transferência tecnológica para a montadora ou seus fornecedores, que poderão incluir a metodologia de fabricação do novo material na linha de produção dos veículos. Representantes da Volks afirmam que a adoção da tecnologia reduz a emissão de carbono no processo produtivo da fabricante automotiva, uma ação que está em linha com os objetivos da empresa de zerar as emissões de CO2 até 2050. 

“A substituição dos componentes minerais por outros naturais permitirá reduzir cerca de 80% das emissões de carbono no processo produtivo. Além disso, o peso das peças plásticas do veículo diminuirá em aproximadamente 10%, o que significa também redução na quantidade de CO2 emitido na atmosfera”, destaca Pablo Di Si, chairman executivo da Volkswagen América Latina. 

Mais de uma centena de tipos de fibras já analisadas 

O desenvolvimento das pesquisas e a realização de experimentos ficarão a cargo do RESIDUALL – Laboratório de Bioprocessos e Biotecnologia  da Faculdade de Ciências Agrárias (FCA) da Unesp, no câmpus de Botucatu, sob a coordenação do professor Alcides Lopes Leão. Uma das principais linhas de pesquisa do grupo envolve a criação, em escala piloto, de novos compósitos. De forma simplificada, os compósitos são produtos formados por dois materiais com diferentes características que, quando unidos, apresentam um terceiro perfil físico-químico, distinto dos anteriores. “Eu digo que o compósito é 1 + 1 = 3”, sintetiza Leão. 


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O foco do grupo nessa parceria com a montadora de veículos, entretanto, está no estudo de compósitos que incluam em sua formulação fibras naturais. O pesquisador afirma já ter estudado mais de uma centena de tipos de fibras no laboratório, oriundas tanto do Brasil quanto da América Latina e Caribe, além de Alemanha, Nova Zelândia e Austrália. Para a demanda estabelecida pelo acordo com a Volkswagen, o grupo deve orientar os estudos principalmente para o sisal, planta muito usada como matéria-prima de cordas e barbantes, sendo produzido principalmente no estado da Bahia; a juta, conhecida por seu uso na sacaria e na indústria têxtil, cuja produção está concentrada nos estados do Pará e do Amazonas; e a fibra do coco, obtida principalmente a partir de resíduos da fruta. 

O acordo entre Unesp e Volkswagen prevê a substituição de um conjunto de peças de acabamento interno que hoje são fabricadas com plástico ou fibra de vidro. Leão diz que as peças incluídas no projeto inicial do acordo somam aproximadamente sete quilos de peso. “Eu calculo, em uma conta conservadora, que é possível ir além e alcançar a substituição de até 30 quilos por veículo”, diz.

Adoção da tecnologia

Concluída essa primeira fase de pesquisa e experimentos, que terá duração de 18 meses, a montadora irá avaliar a forma e a metodologia como essa tecnologia será incorporada à linha de produção. O mais provável é que a transferência de tecnologia ocorra para alguma empresa fornecedora da montadora. “O ganho para a companhia é fabricar um carro com menor pegada de carbono na sua produção, mais leve e, portanto, com menor consumo de combustível, com peças renováveis, e com impacto social positivo, uma vez que boa parte dessas fibras são produzidas em áreas economicamente deprimidas”, explica Leão. 

A tecnologia desenvolvida pelo grupo envolve a mistura da fibra natural mais adequada para ser adicionada ao plástico. “O plástico e a fibra não se “gostam”, eles se toleram. Cabe à nossa tecnologia, por meio da química, fazer com que eles se gostem”, diz Leão, que tem como parceira à frente do laboratório a química Ivana Cesarino. O processo envolve a trituração da fibra natural até o ponto de ser reduzida a pedaços miúdos. Em seguida, esse farelo é colocado em uma máquina desenvolvida pelo próprio laboratório, onde é finalmente misturada ao plástico, formando uma liga sólida e homogênea. 

Embora o processo de “aglutinar” as fibras com o plástico seja relativamente semelhante para todas as fibras, o objetivo final da aplicação costuma impor certas exigências específicas, o que se reflete na inclusão de determinados aditivos químicos para adequar o compósito à demanda. As peças internas de um veículo, por exemplo, não podem ter cheiro, absorver água, inchar, mudar de cor ou apodrecer, para citar algumas exigências. Além disso, elas precisam ser homogêneas, ter durabilidade e reprodutibilidade. Essas são justamente características encontradas no plástico e na fibra de vidro, hoje os dois principais materiais usados na fabricação dessas peças. Além disso, o novo compósito deve ser feito a partir de uma matéria-prima cuja cadeia produtiva seja capaz de atender à demanda de produção em larga escala, outra “vantagem” do plástico. 

“Esses são requisitos desafiadores quando se trabalha uma fibra natural. E a indústria automotiva é bastante exigente nesses pontos”, diz o professor, mencionando como exemplo o rigor com as questões de segurança no processo de fabricação de automóveis. “Para atender a essas exigências é preciso acrescentar vários aditivos. Eles são capazes de conferir ao material propriedades como resistência a chamas ou à degradação por raios ultravioleta, por exemplo, além de melhorar suas características mecânicas”, diz. “A grande tecnologia está nessa mistura.” 

Há pelo menos 20 anos o grupo de pesquisa do câmpus de Botucatu estuda tecnologias que permitam substituir peças termoplásticas (como o polipropileno ou o polietileno) por compósitos que agreguem fibras naturais a esses materiais. No final dos anos 1990, Alcides Leão já contava com apoio da Fapesp por meio do programa de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) para pesquisar a produção de compósitos a partir de fibras naturais. Já no início dos anos 2000, começou a  estudar sua aplicação à indústria automobilística. 

Os primeiros anos do trabalho, entretanto, foram frustrantes. O pesquisador diz que alguns projetos fracassaram devido à falta de consciência e de interesse, por parte da indústria, pelos temas ambientais. Hoje, esta pauta está na ordem do dia. “Foi uma luta inglória nos primeiros anos. Mas, mesmo assim, acho que conseguimos manter uma produção científica e uma boa massa critica”, diz, e ressalta que o país responde por 6% das pesquisas sobre o tema em andamento no planeta. “Hoje existem pelo menos 200 pesquisadores trabalhando com fibras naturais no Brasil.” 

Nova estratégia para cooperação entre universidade e empresa 

A mudança foi gradativa. Porém, o crescimento do debate em torno das mudanças climáticas, que começou a ganhar intensidade a partir dos anos 2000, representou um ponto de virada na forma como o setor produtivo enxerga não só as fibras naturais, mas toda a área da bioeconomia em geral. No campo específico da substituição de peças plásticas por materiais que incluam em sua composição elementos naturais, diversas iniciativas semelhantes estão em andamento, tocadas por outras empresas montadoras. 

O acordo estabelecido entre o laboratório de Botucatu e a Volkswagen foi celebrado também pela Agência Unesp de Inovação (AUIN). Segundo o diretor da Agência, professor Saulo Guerra, a parceria está alinhada com as políticas de transferência de tecnologia e inovação que a Unesp procura estabelecer com o setor produtivo e já permitiu uma maior aproximação com a montadora. 

“A Volkswagen é uma multinacional importante e a assinatura do contrato abriu as portas para uma rodada de negócios com a empresa em que a AUIN pode apresentar outras tecnologias desenvolvidas pelos pesquisadores da Universidade que despertaram o interesse da empresa”, diz Guerra. 

O diretor explica que já há alguns anos a estratégia da Unesp para a política de inovação visa estimular o desenvolvimento conjunto de tecnologias com o setor produtivo. Essa abordagem difere bastante do sistema ainda mais usado, em que pesquisadores que trabalham isolados em seus laboratórios concebem novos processos e produtos, que depois resultam em novas patentes cujos registros demandam altos recursos por parte da Universidade, mas nem sempre interessam às demandas específicas do setor produtivo. “O que temos observado nestes quase dois anos à frente da Agência é que há um aumento gradativo deste tipo de acordos entre pesquisadores da Unesp e as empresas”, diz. 

Num momento em que a população mundial começa a lidar com as consequências diretas das alterações no clima, tecnologias que colaboram na redução da emissão de carbono na atmosfera se tornam cada vez mais urgentes. Por isso, a perspectiva é que haja um crescimento no interesse pela temática. “O carbono usado no nosso material estava antes em uma planta. Portanto, ele esteve em circulação na atmosfera e foi fixado no solo pela planta. É diferente do petróleo, que é a base para produção do plástico, porque o carbono do petróleo foi retirado do solo. O grande problema da mudança climática é que o carbono que tiramos debaixo da terra não estava contabilizado”, diz Leão. 

Ainda que a preocupação climática represente uma tendência necessária, as vantagens que a tecnologia oferece vão além dos benefícios ambientais. “As nossas fibras podem prevalecer sobre outros materiais porque são boas. É importante unir a questão técnica com a demanda ambiental. Mas sempre lutei para que seu uso foss