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Fábricas de aspiradores de pó, carros e aviões. As linhas de produção das mais diversas máquinas e equipamentos em todo o mundo terão nas próximas semanas uma missão diferente: produzir respiradores.
Depois da manada de manufaturas correndo para fabricar álcool em gel e máscaras, dispositivos essenciais para prevenir a infecção pelo novo coronavírus, grandes conglomerados industriais internacionais estão se oferecendo para produzir os aparelhos que ajudam os pacientes infectados pela covid-19, que ataca os pulmões, a respirar.
Fabricantes especializadas já não dão mais conta da demanda pelos respiradores. O caso mais emblemático vem dos Estados Unidos, onde o governo do presidente Donald Trump fez menção a uma lei do período de guerra para forçar a General Motors a produzir respiradores em suas fábricas. Mesmo antes disso, montadoras como Tesla, Toyota e Ford já haviam se voluntariado para ajudar fabricantes de respiradores a aumentar a produção, e algumas, como a GM, iniciaram projetos com parceiras especializadas.
Os respiradores são equipamentos médicos usados quando o sistema respiratório apresenta dificuldades de funcionar plenamente. Por isso, o aparelho é um dos mais demandados para combater a pandemia do novo coronavírus.
A suíça Hamilton Medical, que lidera globalmente o setor de respiradores, produz, normalmente, 220 aparelhos por semana. Por causa do coronavírus, a empresa passará a fabricar 400 nas próximas semanas. Ou seja, serão 57 por dia ou dois por hora. Mesmo para a líder do setor, ainda é pouco para o total de mais de 766.000 casos de coronavírus no mundo.
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Com mais de 153.000 casos de coronavírus nos Estados Unidos, só o estado de Nova York, por exemplo, pode precisar de mais de 30.000 respiradores, segundo autoridades de saúde americanas. Já circulam imagens de médicos nova-iorquinos dividindo respiradores entre duas pessoas, o que é uma prática sem comprovação de eficácia. Na Itália e em outros lugares da Europa há relatos de médicos que não puderam internar todos os pacientes por falta de leitos e de equipamentos.
Neste cenário, além das montadoras americanas, há uma série de outros casos de empresas globais que correm contra o tempo para adaptar as fábricas. No Reino Unido, o governo local e empresas que operam no país criaram um consórcio para produzir os aparelhos. O projeto foi batizado de VentilatorChallengeUK — algo como “desafio dos respiradores”.
Estão participando nomes como a fabricante de aeronaves francesa Airbus, a montadora americana Ford, a montadora de carros de luxo britânica Rolls-Royce e o conglomerado industrial alemão Siemens. Há ainda equipes de Fórmula 1 como Haas, McLaren, Mercedes, Red Bull e Williams.
A produção deve começar já nesta semana. O grupo recebeu do governo um pedido de 10.000 respiradores, mas diz que pode fabricar mais se necessário. A projeção é de que o Reino Unido possa ter já nas próximas semanas 30.000 respiradores, ante os 8.000 dos quais dispõe atualmente.
A equipe de Fórmula 1 da Mercedes também anunciou nesta segunda-feira, 30, que conseguiu desenvolver em apenas cinco dias um modelo de respirador do tipo Continuous Positive Airway Pressure (CPAP), que é menos invasivo por não exigir colocação de tubos internos no corpo do paciente. Se tudo der certo, a fábrica da equipe alemã, que fica no Reino Unido, pode fabricar 1.000 respiradores por dia e a produção pode começar na próxima semana, a partir de 6 de abril.
A britânica Dyson, que fabrica aspiradores de pó, afirma ainda que deve ser capaz de entregar 10.000 unidades de um respirador que desenvolveu.
As adaptações lembram tempos de guerra, quando indústrias nos países envolvidos adequavam a linha de produção ou criavam novos produtos para o campo de batalha e de acordo com os interesses nacionais — o Jeep, hoje do grupo FCA, nasceu na década de 1940 para ser usado pelos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.
A própria lei que Trump tenta reavivar no caso da GM é da década de 1950, no período pós-guerra. Empresas temem que a mesma lei possa ser usada, por exemplo, para evitar que a produção de respiradores da holandesa Philips no estado da Califórnia seja vendida para outros países antes de atender à demanda americana. A empresa disse na semana passada que vai dobrar a produção em dois meses na luta contra a pandemia. Mas a demanda será alta: só o governo holandês, terra natal da empresa, fez pedido de 2.000 respiradores.
No Brasil, o Ministério da Saúde abriu na quinta-feira, 26, o primeiro edital para compra de respiradores, pedindo 15.000 aparelhos. As empresas especializadas, contudo, já responderam que não têm estoque para atender à demanda imediatamente.
Embora o cenário seja ainda menos dramático do que no exterior, algumas empresas no país também tentam adaptar suas linhas de produção para fabricar opções de respiradores.
A empresa de energia WEG anunciou nesta segunda-feira que vai usar a estrutura de suas fábricas em Santa Catarina para fazer 50 respiradores por dia. O plano é em parceria com a fabricante brasileira de respiradores Lentsung, que vai ceder as instruções para que a WEG fabrique um de seus modelos.
Também em comunicado pela manhã, a fabricante de aeronaves brasileira Embraer disse que um grupo de trabalho da companhia está dedicado a encontrar meios para a fabricação de peças para a indústria de respiradores. Como boa parte dos itens é importada — e está em alta demanda no mercado global —, a fabricação de peças pela Embraer e sua cadeia de fornecedores poderia ser crucial neste momento. A Embraer disse que também está fazendo “estudos para o desenvolvimento de respiradores simples, robustos e portáteis visando a rápida implementação e disponibilidade.” A companhia não deu prazos para que as soluções fiquem prontas.
Apesar das tentativas, na prática, a adaptação das fábricas para produzir os aparelhos, que são complexos e demandam alta especialização, deve levar ainda algumas semanas. Mesmo na WEG, onde o modelo já vem pronto da parceira, as entregas poderiam começar somente na segunda quinzena de maio — antes disso, a empresa tenta viabilizar a compra dos componentes necessários, que são importados.
Enquanto não chegam novos itens, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) formou parceria com dez empresas (ArcerlorMittal, Fiat, Ford, General Motors, Honda, Jaguar Land Rover, Renault, Scania, Toyota e Vale) para fazer a manutenção de respiradores antigos. A indústria estima que até dez pacientes podem ser atendidos por cada aparelho recuperado.
Segundo a Associação Catarinense de Medicina e a Lifeshub Analytics, mais de 3.600 respiradores não estão mais em operação porque precisam passar por manutenção ou porque já foram descartados.
Entre as empresas especializadas, há quatro fabricantes nacionais de respiradores, que têm preços entre 20.000 e 200.000 reais, segundo levantamento da agência Reuters. Além da Leitsung, que está na parceria com a WEG, há VentLogos, KTK e Magnamed. Esta última teve uma fábrica em Cotia, São Paulo, invadida pelo governo local na semana passada na busca pelos respiradores. Uma lei brasileira de fevereiro permite que os governos confisquem estoques de insumos de saúde pagando preço médio dos últimos 12 meses ou o menor valor praticado.
“De 15 dias para cá, o telefone não para de tocar. A demanda está sendo geral, agentes públicos, privados, secretários de Saúde, governadores. Há uma mobilização por estes aparelhos”, disse à Reuters o diretor comercial da VentLogos, Eduardo Val. A empresa afirma ser a única fabricante do país a produzir respiradores que não precisam de componentes importados. A capacidade da VentLogos está completamente ocupada, com a produção de 300 unidades por mês.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem 65.000 respiradores, mais de 70% na rede pública. São três aparelhos para cada 10.000 habitantes. Cerca de 20% dos aparelhos já estão sendo usados para atender a outros casos de problemas respiratórios, segundo dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira compilados pelo jornal O Globo.
No total, o Brasil tem 40.600 vagas em unidades de tratamento intensivo (UTI), que incluem disponibilidade de respiradores. É uma das maiores disponibilidades de vagas por pessoa do mundo, mas só 25% delas estão em hospitais públicos. A divisão por região do país também é heterogênea, com menos opções em cidades pequenas ou de estados menos urbanizados.
O Brasil tinha até o último boletim neste domingo, 29, 4.256 casos de coronavírus (e 136 mortes pela doença). Os leitos vêm dando conta da demanda por ora, mas há um temor de que o número de casos cresça mais do que a capacidade — incluindo de respiradores. Há duas semanas, em 15 de março, o país registrou somente 79 novos casos e tinha menos de 500 no total. Neste domingo, foram 353 novas confirmações. Toda linha de produção que puder ajudar será bem-vinda.
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