Fonte: Envolverde - 20/08/07
Os pobres das áreas rurais se beneficiarão de um auge na extração de biocombustíveis de suas colheitas, apesar de isso poder desatar um encarecimento dos alimentos e o recrudescimento da fome, afirmam especialistas. Para que os pobres tenham uma parte dos ganhos da chamada “revolução do biocombustível”, deverão ser mudadas as políticas e práticas comerciais e agrícolas, acrescentam. O preço de muitos produtos agrícolas básicos esteve em queda livre desde os anos 70 até os 90, com conseqüências devastadoras para países inteiros. As cotações-chave se recuperaram nos últimos anos graças, em grande parte, à indústria do biocombustível.
“O crescente uso desses fluidos reverteu décadas de queda dos preços agrícolas”, disse o presidente do centro de estudos ambientalistas Worldwatch Institute, Christopher Flavin. “Os agricultores de algumas das nações mais pobres foram dizimados pelos subsídios dos Estados Unidos e da União Européia aos cultivos de milho, algodão e açúcar. O encarecimento atual poderia permitir-lhes vender suas colheitas a um preço decente”, acrescentou Flavin. Além disso, o especialista afirma que os países que desenvolverem indústrias nacionais de biocombustíveis poderão comprá-lo de suas próprias empresas em lugar de gastar grandes somas em divisas para importar petróleo, combustível cujo preço aumentou sete vezes desde 1999.
Dos 47 países mais pobres do mundo, 38 são importadores de petróleo e 24 compram de outras nações a totalidade do que consomem. A indústria do biocombustível ajudaria a reduzir a fome e a pobreza somente se sua produção mudasse dos países ricos para os pobres, disse o diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Jacques Diouf. Estados Unidos e Estados Unidos devem reduzir as barreiras comerciais que afetam a rentabilidade dos cultivos para biocombustíveis nas nações em desenvolvimento, disse Diouf, que também reclamou financiamento em pequena escala para os camponeses pobres elaborarem eles mesmos o combustível em nível local.
“Estas medidas permitiriam ao mundo em desenvolvimento usar suas vantagens comparativas, como os ecossistemas e climas mais adequados para a produção de biomassa e suas grandes reservas de terra e trabalho”, acrescentou Diouf. Também são necessários esforços para garantir que os estômagos não percam diante dos tanques dos automóveis em épocas de colheita, e que as florestas não corram riscos com a expansão dos cultivos. A quinta parte do milho norte-americano está se transformando em combustível, não em alimento. A demanda de etanol converteu amplas áreas da Amazônia brasileira em pasto de arado. O Worldwatch Institute exorta no sentido de deixarem de utilizar os cultivos de alimentos como fonte de biocombustível e apelar para outras formas de biomassa, como os desperdícios florestais e agrícolas.
“Serão necessárias grandes reformas e desenvolvimento de infra-estrutura para assegurar que o aumento dos benefícios se dirija aos 800 milhões de desnutridos do mundo, a maioria vivendo nas áreas rurais”, disse Flavin. A desnutrição e a miséria em plantações de cana-de-açúcar outrora prósperas como as da área de Negros Occidental, nas Filipinas, foram modelos nos anos 80 da minguante prosperidade das regiões do mundo em desenvolvimento dependente da exportação de produtos básicos. Apenas 10% da colheita de cana são usados na produção do etanol, enquanto o preço do açúcar já duplicou, disse Lester Brown, presidente do centro de estudos Earth Policy Institute.
O preço dos cereais aumentou na medida em que o milho e, em menor medida, o arroz e o trigo, são usados para produzir combustível. Apesar dos benefícios potenciais no longo prazo, o futuro previsível se mostra pouco auspicioso. “Para os dois bilhões de pessoas mais pobres do mundo, muitos dos quais gastam metade de sua renda, ou mais, em alimentos, o aumento dos preços dos cereais são uma ameaça de morte”, disse Brown. “O maior risco é que o crescente preço dos alimentos derive em fome e desate instabilidade política em países de baixa renda que importam cereais, com Indonésia, Egito, Nigéria e México”, acrescentou.
A diretora do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas, Josett Sheeran, advertiu no mês passado que o encarecimento dos produtos básicos prejudicava as operações de sua agência. Por sua vez, o Worldwatch Institute admitiu na semana passada que “o preço crescente da comida acrescenta dificuldades a alguns pobres de áreas urbanas, que necessitarão de mais ajuda do Programa Mundial de Alimentos, entre outras instituições”. Mas “a causa central da escassez de alimentos é a pobreza, e procurar a segurança alimentar manipulando os preços agrícolas para barateá-los prejudicará mais gente do que ajudará”, acrescentou esse centro de estudos.
A produção de biocombustíveis duplicou entre 2000 e 2005, segundo a Agência Internacional de Energia, órgão que assessora desde sua sede na França 26 países, a maioria do Ocidente industrializado. Brasil, Estados Unidos e Europa concentraram no ano passado a produção de 95% do biocombustível. Entre os demais produtores se destacam Canadá, China e Índia. A maioria desse combustível produzido nos Estados Unidos é feito à base de milho, enquanto os brasileiros usam cana-de-açúcar e os europeus utilizam arroz, trigo e colza. O biocombustível alimenta apenas 1% do transporte terrestre mundial. A Agência Internacional de Energia acredita que essa porcentagem se multiplique por quatro até 2030.