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O etanol brasileiro pode representar solução muito mais rápida, eficiente, economicamente viável e amigável ao meio ambiente do que a eletrificação dos veículos para reduzir consumo de combustíveis fósseis e suas emissões de poluentes e gases de efeito estufa, o CO2. É o que propõe a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, a AEA, no documento Eficiência Energética Sustentável, que foi anexado este mês como contribuição oficial da entidade à consulta pública aberta pelo Ministério das Minas e Energia (MME) para estabelecer objetivos, valores e diretrizes estratégicas do programa RenovaBio, lançado pelo governo em dezembro passado com o o objetivo de expandir o uso de biocombustíveis no País até 2030.
A AEA defende que o RenovaBio, que prevê a ampliação do uso de etanol pela frota nacional de veículos dos atuais 28 bilhões para 54 bilhões de litros/ano até 2030, tem o efeito de servir como alternativa mais rápida para atingir a meta de redução de 43% nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) também até 2030, com a qual o País se comprometeu na COP 21 (a 21ª conferência da ONU sobre mudanças climáticas), realizada em Paris há dois anos. Para a associação de engenheiros essa é uma oportunidade para lançar um programa nacional de eficiência energética sustentável, como continuação do Inovar-Auto, com o estabelecimento para os próximos 10 anos de objetivos de redução de consumo e GEE que favoreçam a intensificação do uso de biocombustíveis de baixa intensidade de carbono, como etanol, biodiesel e biogás.
Vantagem nas emissões do poço à roda
Para isso, a entidade sugere que passe a ser usada formalmente no Brasil a medição de emissões de GEE chamada “do poço à roda”, que leva em conta o CO2 emitido por um determinado combustível desde a sua produção, passando pela distribuição (normalmente feita por caminhões que queimam diesel) até chegar ao uso no veículo, “do tanque à roda”, o que sai na ponta do escapamento. Essa seria uma forma mais justa de medir a real pegada de carbono (ou intensidade de carbono) deixada na atmosfera por cada tipo de combustível.
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Por esse raciocínio, segundo estimativas usadas pela da AEA, são bastante parecidas as emissões de CO2 (considerando gramas por megajoule, ou energia gasta) no processo de produção e distribuição de gasolina destilada de petróleo e etanol extraído de cana-de-açúcar (“do poço ao tanque”), com leve vantagem para o combustível fóssil. Tudo muda a favor do biocombustível quando se consideram as emissões “do tanque à roda”, pois o etanol é considerado um hidrocarboneto reciclável, pois todo o CO2 emitido após a combustão no motor é reabsorvido pela própria plantação de cana. Levando isso em consideração, “do poço à roda” o etanol emitiria 27 gramas de CO2 por megajoule gasto em toda sua cadeia de extração, transporte e queima. Já a gasolina usada no Brasil, com adição de 27% de álcool (E27) anidro, nessa mesma conta emitiria 80 gCO2/MJ.
Em um exemplo apresentado no documento da AEA, um carro com consumo energético de 1,68 MJ/km (um nível que, depois das metas do Inovar-Auto, 61 modelos já têm hoje no Brasil), se abastecido com gasolina E27 emitiria 134 gramas de CO2 por quilômetro rodado quando se considera a pegada de carbono do combustível desde a sua produção, do poço à roda. Pelo mesmo cálculo, usando etanol esse mesmo veículo emitiria apenas 45 gCO2/km – como comparação de ordem de grandeza, este índice é menos da metade da meta de 95 gCO2/km do tanque à roda estabelecida para ser atingida em 2021 pela União Europeia, onde as montadoras investes pesadamente em eletrificação, que pode reduzir a zero o GEE do veículo, mas pode emitir muito CO2 dependendo do meio de geração dessa energia, como no caso de usinas térmicas a carvão, diesel ou mesmo gás.
Projeções destacadas no documento da AEA mostram que, considerando o ciclo do poço à roda, a partir de 2025 as emissões de CO2 por megajoule gasto para gerar e consumir energia elétrica começarão a ficar maiores do que produzir e queimar etanol, em curva que vai se abrindo a favor do biocombustível até se inverter totalmente em 2050, quando, estima-se, a eletricidade vai emitir 40 gCO2/MJ, enquanto o índice do etanol desceria para apenas 20 gCO2/MJ.
Evolução do combustível e do carro
Isso não quer dizer, contudo, que a eletrificação não deva ser usada nos veículos, mas pode ser aproveitada de forma mais eficiente em conjunto com etanol ou outro combustível renovável. “O uso de biocombustíveis não deve ser uma desculpa para reduzir as preocupações com o aumento da eficiência dos veículos com a aplicação de novas tecnologias para diminuir o consumo. Muito pelo contrário, uma coisa não exclui a outra. O carro deve evoluir e o combustível também, para aumentar a eficiência”, ressalta Ricardo Simões Abreu, diretor do centro de pesquisa e desenvolvimento da Mahle no Brasil, além de membro da AEA e um dos autores do documento enviado ao MME.
Segundo explica Abreu, na rota proposta pela AEA para o estabelecimento de uma política de eficiência energética sustentável, é necessário primeiro estabelecer a metodologia de medição de CO2 dos combustíveis de forma justa e isenta, do poço à roda, considerando também o uso da terra e defensivos agrícolas “sem paixões”. Também é preciso fazer o etanol evoluir e se tornar uma commodity mundial, com nível de pureza melhorado, para então fazer com que o biocombustível participe efetivamente das rotas tecnológicas aplicadas aos veículos para redução de consumo e emissões, inclusive na eletrificação, para uso em modelos híbridos, por exemplo.
Uma das medidas urgentes para transformar o etanol hidratado brasileiro em um combustível internacional e mais eficiente e calórico é a redução da quantidade de água dos atuais 7,5% para menos de 2%, criando uma espécie de etanol premium com 98,4% de pureza, o que por si só pode reduzir o consumo em torno de 5%. O porcentual é menor dos que os 99,3% do etanol anidro hoje adicionado em 27% à gasolina no Brasil, mas segundo Abreu o seria tão eficiente quanto e duas vezes mais barato para produzir.
Essa solução já está em estudo nos Estados Unidos para se criar o E25-E30 HOF (sigla para high octane fuel), combustível de alta octanagem com adição à gasolina de 25% a 30% de etanol 98,4%, em substituição a aditivos poluentes utilizados atualmente. Em testes com um motor 2.0 turbo com injeção direta, alimentado com E30 HOF, houve redução de 5% no consumo – e por consequência das emissões de GEE.
“É fundamental termos um etanol eficiente para desenvolver o novo veículo flex (bicombustível), mais econômico e com potencial de exportação”, defende Abreu. Ele destaca ainda que apenas o uso de etanol mais eficiente misturado à gasolina na frota de modelos flex, em proporção variável entre E39% a E55%, já faria o nível médio das emissões brasileiras de GEE veicular baixar para as metas europeias. A isso se somam diversas tecnologias já disponíveis, como o uso de sistema start-stop, pneus “verdes” de baixa resistência ao rolamento, compressores variáveis de ar-condicionado, direção elétrica, peças e lubrificantes com redução de atrito, comando variável de válvulas, turboalimentação e injeção direta de combustível – neste caso, com a grande vantagem de o etanol reduzir muito a emissão de material particulado que a gasolina gera na injeção direta.
Segundo estudos divulgados no documento da AEA, todas essas tecnologias somadas à adoção de eletrificação mild hybrid (com bateria de 48V, recuperação de energia de frenagem e impulsor elétrico para partidas com o motor a combustão desligado) poderiam fazer a emissões brasileiras de GEE dos carros abastecidos só com etanol (E100) cair a menos de 10 gCO2/km (considerando o ciclo do poço à roda), pagando uma fração do custo de um elétrico puro ou híbrido total. O documento da AEA faz esse cenário parecer bastante possível. Para isso, bastará praticar a política certa.
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