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Com mão de obra qualificada e sindicatos que preferem o diálogo ao conflito, o ABC paulista tenta voltar a chamar atenção da indústria e reocupar galpões vazios. De um lado, negocia investimentos com as metalúrgicas que fizeram dela o maior parque industrial do país - e tem conseguido atrair algumas empresas, mesmo em meio à crise recente do setor. Em outra frente, busca diversificar a economia da região - ainda bastante concentrada no segmento automotivo -, com foco no polo químico e também no polo aeroespacial, que começa a ser implantado no ano que vem.
Na década de 80, antes da disseminação da indústria pelo país, os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul chegaram a empregar juntos mais de 250 mil pessoas no setor. No início da década passada, esse número havia caído quase pela metade. Voltou a subir levemente até 2008 e agora oscila entre 150 mil e 160 mil trabalhadores.
Este ano está sendo particularmente difícil. De acordo com o sindicato dos metalúrgicos do ABC, 2,3 mil foram demitidos até junho e outros 1,3 mil estão em "layoff" (suspensão temporária do contrato). O presidente da entidade, Rafael Marques, atribui os números negativos às dificuldades enfrentadas pela indústria, especialmente a automotiva. Por isso, diz acreditar em retomada do nível da ocupação da região nos próximos anos.
Um dos motivos da confiança é a expectativa de criação de um polo aeroespacial na região, que deve nascer no próximo ano a partir do investimento de R$ 150 milhões que a sueca Saab fará para construir em São Bernardo a unidade que fabricará os 36 caças Gripen comprados pelo governo. O desenvolvimento do setor pode adicionar entre 3 mil e 4 mil empregos ao estoque, calcula Marques.
Para ele, a postura de seus antecessores no sindicato - Luiz Marinho (PT), atual prefeito de São Bernardo, e Sérgio Nobre, hoje secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT) -, mais aberta à negociação, tem sido importante para atrair novos investimentos. Representante dessa fase mais conciliadora, Marques preside também a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC.
A intervenção do sindicato foi fundamental, por exemplo, para que a metalúrgica MShimizu trocasse São Paulo por São Bernardo. A ideia de deixar Santo Amaro, na zona sul da capital, para ocupar parte dos 46 mil m2 que já foram da Magneti Marelli - fabricante de autopeças que saiu do ABC em 2011 - foi do presidente da comissão de fábrica da Mercedes-Benz, conta Mitsuru Shimizu, há mais de 20 anos à frente da metalúrgica que leva o seu nome.
A primeira conversa aconteceu durante uma negociação de dissídio, já que a MShimizu trabalha para a Mercedes, entre outras montadoras. O metalúrgico Sebastião Ismael de Souza sabia que a empresa queria ir além da prestação de serviços para lançar sua primeira máquina e que, por isso, precisava de espaço para crescer.
Souza intermediou o encontro com o sindicato dos metalúrgicos e posteriormente com o prefeito de São Bernardo, que conseguiram vencer o lobby feito pelo município de Mogi das Cruzes, pelo polo de Sorocaba e pelo Sul de Minas. "Eles tiraram a imagem de radicalismo que eu tinha do sindicato do ABC", afirma Shimizu.
A possibilidade de convênio com centros de ensino como a Universidade Federal do ABC e a Fundação Educacional Inaciana (FEI) fez diferença na decisão do empresário. Depois de mais de 20 anos consertando máquinas de apertar parafusos nas principais montadoras, a MShimizu passou a desenvolver produtos próprios e está prestes a lançar a primeira máquina de torque feita com tecnologia nacional - que deverá custar quase 30% menos do que as similares importadas, estima Shimizu.
Nesse sentido, a mão de obra qualificada do ABC também se encaixou nos planos de longo prazo da empresa. Atualmente, metade dos 280 funcionários já mora em São Bernardo. "Temos 23 países interessados nessa máquina nova", diz Shimizu.
A indústria alemã Kuka, que fornece robôs usados nas linhas de montagem das montadoras, mudou-se em novembro de 2012 de Guarulhos para São Bernardo. Edouard Mekhalian, diretor da fábrica, diz que a escolha de Guarulhos estava ligada à proximidade com o aeroporto internacional e aos baixos custos de instalação na região. Mas o ABC, explica o executivo, tem na localização uma vantagem que pesou para a empresa - a proximidade do porto de Santos, por onde chega parte dos robôs, importados da Alemanha -, além de rodovias importantes, como Anchieta e Imigrantes.
A fabricante de balanças Toledo chegou um pouco antes, no começo de 2007. Antes disso passou quase 50 anos dividida entre os bairros de Santo Amaro e do Ipiranga, em São Paulo. "As unidades estavam a 20 km uma da outra e estava ficando cada vez mais difícil transitar entre as duas", afirma Paulo Haegler, diretor-presidente.
Apesar da queda de quase 15% no faturamento no primeiro semestre em relação ao apurado no mesmo período de 2013, Haegler diz que não há intenção de sair da região. A mão de obra qualificada, o fácil acesso a fornecedores, a localização, importante para a logística de distribuição dos produtos, e o sindicato negociador são aspectos que, para o empresário, ainda fazem valer a pena eventuais custos mais altos de produção.
Nos últimos sete anos, o número de funcionários da Toledo cresceu de 1,1 mil para 1,8 mil, quase metade só no ABC e o restante em filiais espalhadas pelo Brasil. No ano passado, a empresa gastou cerca de R$ 10 milhões em maquinário e R$ 15 milhões em pesquisa e desenvolvimento.
Além das metalúrgicas e do setor de defesa, a indústria química também está no radar do sindicato e dos órgãos de fomento. O polo instalado na região já tem um peso importante, avalia Giovanni Rocco, secretário-executivo da agência de desenvolvimento, e pode voltar a crescer no médio prazo.
Estudo realizado pela Braskem, que tem fábricas em Santo André e Mauá, mostrou que, apesar de praticamente não ter atraído novas indústrias nos últimos dez anos, o polo químico do ABC fatura 13,7% do total arrecadado no país (R$ 49,5 bilhões por ano). A região concentra 63% do faturamento da indústria de tintas e vernizes, 45% da de transformação de borrachas e quase um quarto do faturamento do ramo de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. Entre 2002 e 2012 o número de empresas na região oscilou em torno de 1,3 mil.
Liderado pela própria Braskem, um grupo de trabalho, que inclui representantes do sistema S (Senai, Senac), de sindicatos e das universidades da região, tem estudado novas propostas para estimular o setor.
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