Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia - 28/06/07
Imagem: Divulgação
Pesquisadores ligados ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe/MCT), em colaboração com grupos da Itália, da Holanda e dos Estados Unidos, estão engajados em um projeto para tentar desvendar um dos principais mistérios da cosmologia na atualidade: a natureza da energia escura no Universo.
Observações feitas desde o início da década de 1990 indicam que a energia escura corresponde a cerca de 70% de tudo o que existe. No entanto, a ciência não tem a menor idéia do que ela é feita ou de quais são seus mecanismos.
De acordo com o coordenador do projeto, Reinaldo de Carvalho, da Divisão de Astrofísica do Inpe, além de contribuir com um objetivo científico de interesse internacional, o projeto tem uma finalidade prática para o Brasil: o desenvolvimento de tecnologia da informação (TI) em termos de conhecimento e de recursos humanos.
Investigar a energia escura implica vasculhar aglomerados de galáxias que estão a distâncias gigantescas. São objetos cujas luzes observáveis foram emitidas em um passado muito distante, o que torna as imagens bastante pequenas. Além de telescópios potentes, será preciso desenvolver ferramentas computacionais para lidar com um processamento muito pesado de imagens.
"Cada observação sobre distâncias tão grandes acumula uma quantidade gigantesca de dados de alta complexidade. Precisaremos desenvolver tecnologias dentro do conceito de observatórios virtuais, um projeto de ciência básica que será capitalizado pela sociedade, dando impulso à área de TI", disse Carvalho.
De acordo com o pesquisador, o projeto, cujas observações terão início em dezembro, é uma das vertentes do consórcio Bravo (Brazilian Virtual Observatory), que reúne 50 pesquisadores de diferentes instituições trabalhando em projetos científicos de vários campos da cosmologia, astrofísica e análise de dados. "O Bravo tem, entre seus objetivos, gerar investimentos em tecnologia da informação por meio da implantação do conceito de observatórios virtuais", explicou.
Quadrilhão de bytes
Os observatórios virtuais, segundo Carvalho, representam uma tendência mundial que surgiu da necessidade de organizar e disponibilizar a quantidade crescente de dados adquiridos em levantamentos fotométricos e espectroscópicos.
"Há um acúmulo de dados e metadados sobre todas as partes possíveis do espectro eletromagnético, mas não existem técnicas padronizadas para armazenamento e distribuição dessa informação. Por isso, estão surgindo diversas iniciativas voltadas para a criação de observatórios virtuais em todo o mundo. O Bravo procura inserir o Brasil nessa rede", destacou.
Os observatórios virtuais deverão gerar anualmente uma quantidade de informação da ordem de petabytes (quadrilhão de bytes). Para isso, será preciso criar protocolos virtuais padronizados. "Evidentemente, não se pode fazer download de algo dessa dimensão. Os dados precisam ser transformados em informação", disse. E é aí que entram as ferramentas computacionais que deverão ser desenvolvidas – pesquisadores do Laboratório Associado de Computação e Matemática Aplicada do Inpe também estarão envolvidos no projeto.
Os metadados, isto é, dados sobre as próprias condições de aquisição dos dados primários, ganham importância conforme cresce a distância de observação. Em grandes distâncias, os elementos conjunturais afetam as imagens de maneira importante, o que aumenta a necessidade de processar maiores quantidades de informação.
"Em termos matriciais, cada imagem detectada nesse tipo de observação tem 16 mil por 16 mil pixels. Cada uma é feita por meio de quatro filtros diferentes em regiões distintas do espectro magnético. O resultado é que apenas uma noite de observações pode gerar dados da ordem de 20 ou 30 gigabytes", disse o professor.
Alta tecnologia observacional
O Bravo reúne pesquisadores do Inpe, da Universidade de São Paulo, da Universidade do Vale do Paraíba, do Laboratório Nacional de Astrofísica, do Observatório Nacional e de uma série de centros de pesquisas europeus e norte-americanos. O projeto ainda aguarda financiamento, estimado em R$ 1,2 milhão.
Enquanto buscavam recursos para a montagem do Bravo, os pesquisadores decidiram aproveitar as conexões estabelecidas para criar um grupo internacional dedicado à investigação sobre a energia escura. Para isso, Carvalho e colegas brasileiros se uniram a pesquisadores do observatório de Leyden, na Holanda, e do observatório de Capodimonte, em Nápoles, na Itália.
"Os holandeses estão interessados em medir a abundância de aglomerados em grandes distâncias do Universo. Percebemos o interesse comum e as equipes começaram a trabalhar juntas nos mesmos problemas. Os italianos desenvolveram o telescópio VST, que será usado nas nossas observações", disse.
O VST, inteiramente desenvolvido pelo observatório napolitano, é um telescópio de 2,6 metros que será instalado ainda este ano em Cerro Paranal, no Chile, na mesma área do VLT (Very Large Telescope), que combina quatro telescópios de oito metros.
"O objetivo do VST era detectar alvos para o VLT, que já está em funcionamento e é voltado para observações muito profundas em áreas pequenas do céu. O VST é equipado com um detector CCD muito potente com uma câmera capaz de cobrir áreas maiores, com um grau quadrado", explicou.
Os detectores, que substituíram as placas fotográficas nos telescópios modernos, têm eficiência quântica 20 vezes maior. "A placa cobria uma área grande do céu. Os detectores vão mais fundo, mas em uma área menor. Por isso, estão sendo desenvolvidos detectores em estado sólido (CCDs) que, por meio de um mosaico, possam cobrir áreas mais amplas. O VST já tem uma escala da mesma ordem de grandeza das placas fotográficas", contou Carvalho.
A parceria com o observatório de Capodimonte garantirá aos pesquisadores do Bravo 65 noites de uso livre do equipamento. "Os italianos não iriam trabalhar com energia escura, mas perceberam a grande visibilidade que essa vertente traria para seus laboratórios", disse.
Mistério cosmológico
Do ponto de vista teórico, o conceito de energia escura se associa ao da "constante cosmológica" proposto por Albert Einstein. "Ele propôs essa idéia porque suas equações mostravam que o Universo estava em expansão, mas a observação no início do século 20 sugeria um universo estático. A componente servia para justificar que uma força contrária à gravidade contrabalançava a força de expansão", disse Carvalho.
Mais tarde, Einstein disse que a constante cosmológica havia sido seu "maior erro". No entanto, quando observações feitas pelo telescópio Hubble no fim da década de 1980 confirmaram que a expansão do universo estava em aceleração, a idéia de uma força oposta à gravidade voltou à tona.
"O erro dele foi inserir a constante para tornar o universo estático. O motivo de fato estava errado, mas a idéia estava correta. A energia escura foi sugerida então como hipótese para explicar a expansão acelerada", explicou Carvalho.
A densidade total da matéria bariônica – isto é, formada por átomos – existente equivale a cerca de 4% da massa estimada do Universo. Dos 95% restantes, 21% seria formado por matéria escura e 75% por energia escura.
"A comunidade científica internacional está debruçada sobre esse problema. No entanto, por mais que apareçam novas idéias, até agora não há conclusões. Um trabalho corrobora o outro, mas há também observações que dizem não existir energia escura alguma. Há uma celeuma que precisa ser resolvida", disse o pesquisador do Inpe.
(As informações são de Fábio de Castro, da agência Fapesp)