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A demora em uma melhora das exportações de bens manufaturados brasileiros tem levado alguns economistas a questionar em quanto tempo afinal a desvalorização cambial - cujo ciclo mais recente se iniciou no segundo semestre de 2012 - deverá gerar uma reação das exportações desses itens pelo país. Ninguém discorda que há uma mudança de cenário em relação a períodos anteriores em que também houve depreciação do real, como em 2002, mas não há um consenso sobre os motivos da demora.
Alguns especialistas dizem que esse tempo de reação ficou mais difícil de ser previsto e de ser enquadrado em teorias econômicas, como a da "curva J", recentemente citada pelo ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges, em entrevista ao Valor.
Esse modelo, baseado em econometria, demonstra o efeito da desvalorização cambial sobre a evolução das transações correntes. Num primeiro momento de depreciação do câmbio haveria queda no saldo de transações correntes. Isso aconteceria por conta da pressão exercida pela balança comercial, com importações que demoram para reagir à desvalorização cambial porque há contratos anteriores em andamento. Em um gráfico de evolução das transações correntes, essa queda, tida como temporária, levaria à curva descendente do "J". A partir do cumprimento dos contratos antigos de importação, porém, haveria uma recuperação dos saldos da balança comercial porque as importações cederiam e também por conta dos resultados positivos do câmbio mais desvalorizado sobre as exportações. Com uma contribuição mais positiva da balança comercial, o gráfico do saldo de transações correntes subiria para finalizar o "J".
Entre os economistas, há, no entanto, outro grupo que tem alertado que há novas variáveis na economia brasileira e mundial nos últimos anos que dificultam que o "J" se realize. Outros dizem que os indicadores atuais mostram que o "J" terá uma base grande, mas, ainda assim, se desenhará no gráfico. E há aqueles que não acham que essa teoria possa ser aplicada ao caso brasileiro, sobretudo pelas mudanças profundas na sua estrutura produtiva, hoje com maior participação de bens importados, e preferem se basear em outras variáveis não captadas pela curva "J".
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Em um comparativo entre o comércio exterior brasileiro, o comércio mundial e o crescimento econômico brasileiro e mundial em diferentes momentos em que o Brasil passou por uma desvalorização da sua moeda, Fernando Ribeiro, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômico-Aplicada (Ipea), concluiu que um dos fatores que pesam atualmente para retardar o tempo de reação das exportações à desvalorização cambial é que a economia mundial hoje tem comportamento diverso do mostrado em outros períodos. Isso estaria trazendo efeitos diferentes do comumente esperado para as exportações (sobretudo de manufaturados) brasileiras.
Em 1999, quando houve forte depreciação - a cotação média do dólar saiu de R$ 1,16 em 1998 para R$ 1,83 no ano seguinte -, ele explica que o PIB mundial era crescente. No ano seguinte a exportação brasileira total cresceu 14,8% e a exportação total do mundo, 13%.
Em 2001 e 2002, quando a moeda brasileira voltou a se desvalorizar, a economia mundial recuperou-se rapidamente depois de ter se desacelerado em 2001. A taxa de crescimento do PIB mundial, de 4,7% em 2000, caiu para 2,3% no ano seguinte, mas subiu para 2,8% em 2002 e atingiu, em 2004, 5,1%. Em ritmo parecido, a exportação mundial, que em 2001 caiu 4,1%, cresceu 4,8% em 2002 e 16,8% no ano seguinte. A exportação brasileira teve alta de 5,8% em 2001, de 3,7% em 2002 e de 21,1% em 2003.
A partir do segundo semestre de 2012, quando a moeda nacional iniciou novo ciclo de desvalorização, a exportação brasileira não reagiu, apresentando recuo de 0,16% em 2013, na comparação com o ano anterior. A economia mundial, ao contrário de períodos anteriores em que houve desvalorização da moeda brasileira, se desacelerou: o crescimento de 3,2% em 2012 caiu para 3% no ano passado. A exportação total do mundo deixou de crescer a taxas três vezes maiores que a do PIB mundial, como aconteceu muitas vezes entre 2003 e 2011. Em 2012, a exportação de todo o mundo aumentou apenas 0,4%, e no ano passado, 2,1%. Para este ano, a estimativa é de que a demanda mundial seja afetada pela leve desaceleração da economia chinesa enquanto a União Europeia e os Estados Unidos devem apresentar lenta recuperação.
Rogério César de Souza, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), diz que a teoria é válida, mas para o momento atual existem outras variáveis que fazem diferença, principalmente para as exportações das indústrias. Além da demanda mundial fraca e de a vantagem da desvalorização cambial não ser somente brasileira, diz Souza, há, no caso do Brasil, alguns elementos que devem ser levados em conta como longo o período em que o câmbio ficou valorizado (entre 2003 e 2012). Nesse intervalo, lembra ele, a estrutura industrial se alterou e a presença do importado cresceu.
Essa avaliação é em parte compartilhada por Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP. Ele diz que hoje há uma multiplicidade de variáveis que dificultam esses modelos econométricos. "Você pode até montar um modelo e dizer que a desvalorização, comparando-a com outros momentos, levou tantos meses para rebater na exportação de manufaturados. Só que atualmente há um mercado internacional muito retraído e clientes importantes como a Argentina em crise muito profunda. O câmbio [desvalorizado] vai ajudar muito pouco nesse sentido", disse ele, que estimou que, em outras ocasiões, diante da desvalorização cambial brasileira, a recuperação das exportações de manufaturados se dava em aproximadamente oito meses.
Lívio Ribeiro, pesquisador da FGV/Ibre, entende que o problema das exportações de manufaturados brasileiros é hoje predominantemente de demanda. O ponto principal, diz, é entender o que aconteceu com a demanda por produtos industriais brasileiros. "Acho que estamos com grandes parceiros, como a Argentina, em período muito complicado. Então, não é uma questão de defasagem do câmbio", acrescenta. "Qual é o câmbio que faz você exportar para a Argentina hoje? Nenhum. Sem demanda, não há preço". Para o economista do Ibre, a "curva J" não trata de demanda, mas de preço. "Se a gente não estivesse com nenhum problema de demanda, acho que o argumento de preço poderia ganhar proeminência. Mas o fato é que hoje você tem um choque de absorção", destacou.
O economista do Ipea ressalta ainda outra característica do atual momento que o difere dos demais períodos de desvalorização entre o fim da década de 90 e o início dos anos 2000: pelo menos até o momento não há uma mudança de preços relativos, na direção de que os preços dos bens comercializáveis sobem mais rapidamente do que os não comercializáveis. "Agora há desvalorização cambial, mas os preços dos não comercializáveis continuam crescendo mais do que o dos comercializáveis, com os serviços pressionando ainda a inflação", ressalta Fernando Ribeiro. "Os períodos anteriores de forte desvalorização do real foram marcados por recessão doméstica. Apesar de doloroso, isso permitiu que o ajuste de preços relativos tenha sido feito de maneira mais rápida", acrescenta ele. Desta vez, no entanto, o país não está em recessão. "Nós estamos crescendo pouco, mas a taxa de desemprego continua baixa e os serviços mantêm pressão sobre inflação. Estar sem recessão é positivo, mas isso acaba dificultando esse mecanismo de transmissão da desvalorização para a expansão das exportações, principalmente do setor industrial."
A vantagem hoje, na opinião do economista do Ipea, é que o Brasil pode se dar ao luxo de ter resultados menos favoráveis na balança comercial sem grandes problemas no curto prazo. "Esse ajuste pode ser feito lentamente enquanto for possível sustentar um déficit em contas correntes em níveis aceitáveis." Para ele, a recuperação se dará ao longo do próximo governo, ano após ano, levando em conta que as exportações de petróleo tendem a crescer com o pré-sal e que deve haver elevação da exportação de minério, com a melhora gradual do lado da externo. "Teremos um "J", mas um "J" meio deitado."
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