Crise já cria desemprego no setor automotivo

No ABC, demissões puxadas por pequenas empresas e fornecedores já somam 1,7 mil no 1º trimestre

A redução na produção de automóveis já provoca demissões na cadeia do setor automotivo. As dispensas são pulverizadas e atingem principalmente trabalhadores das pequenas empresas, mas compõem um mercado de trabalho radicalmente diferente daquele do início do ano passado em todo o setor automotivo. De janeiro a março de 2013, a indústria de material de transporte (segmento que envolve montadoras, autopeças e outros subsetores no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) abriu 13,9 mil novas vagas. No mesmo período deste ano, o setor fechou 1.071 postos de trabalho em todo país, aponta o Caged.

Alguns polos automotivos estão sendo mais afetados, como o ABC paulista, a gaúcha Gravataí e a fluminense Porto Real. No ABC, a indústria de material de transporte eliminou 1.746 vagas no primeiro trimestre, percentual equivalente a 2,4% de todas as pessoas empregadas no setor até o fim de 2013.


Em Gravataí e Porto Real o número absoluto de corte de empregos é menor, mas proporcionalmente o impacto é maior. Na cidade gaúcha que sedia a fábrica da General Motors o saldo negativo entre admissões e demissões indica o fechamento de 472 vagas, equivalente a 4,9% do total de pessoas empregadas pelo setor em Gravataí. Em Porto Real, o saldo negativo de 371 empregos eliminados representa 6% do total de trabalhadores empregados no setor no fim de dezembro.

As demissões são pulverizadas e atingem principalmente pequenas empresas, segundo os sindicatos de trabalhadores. Em alguns casos, o movimento ainda não foi percebido pelas entidades. No Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, por exemplo, a direção considera a situação do mercado de trabalho "estável", diz o diretor Valcir Ascari. A informação de que o Caged indica fechamento de 472 vagas na indústria de material de transporte do município foi recebida como novidade. "Não sentimos essa redução", disse Ascari.

Outra diferença na base sindical gaúcha foi o acordo salarial. O sindicato negociou com a General Motors um reajuste de 7%, o que significa aumento real de 1,3% pelo Indice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), percentual inferior ao dos últimos dois anos quando superou 2%.


Continua depois da publicidade


Na base dos metalúrgicos do ABC (São Bernado, Diadema, Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires), levantamento do próprio sindicato indica que foram fechadas 1.012 vagas no setor automotivo no primeiro trimestre, situação bem diferente das 100 vagas criadas em igual período de 2013. "Esse movimento vem das pequenas empresas que sentem redução dos pedidos das montadoras e não possuem fôlego para segurar os trabalhadores", diz Wagner Santana, secretário-geral do sindicato.

Nas montadoras e grandes autopeças, diz Santana, outros expedientes foram colocados em prática, como programas de demissão voluntária, licença remunerada ou "layoff" para evitar a demissão de funcionários qualificados. "Mas já sentimos o sinal amarelo no setor", resume o sindicalista.

Em outra base metalúrgica do ABC, a cidade de São Caetano, onde está a fábrica da General Motors, foram fechados 407 postos de trabalho na indústria de material de transporte no primeiro trimestre. De acordo com o presidente do sindicato local dos metalúrgicos, Aparecido Inácio da Silva, esse número envolve boa parte dos 348 trabalhadores que aderiram ao Programa de Demissões Voluntárias (PDV) da GM. "As outras demissões são espalhadas e essa situação reflete a instabilidade da economia, o aumento da taxa de juros, a retração do consumidor", diz ele, criticando o que ele classifica como "falta de rumo do governo na área econômica".

Os dados do Caged mostram que boa parte dos trabalhadores que aderiram ao PDV da GM aproveitaram a situação para pedir aposentadoria. Do total de 407 vagas eliminadas de janeiro a março, 337 desligamentos decorreram de pedidos de aposentadoria. Outra mudança no mercado de trabalho neste início de ano é a redução do número de trabalhadores que pede demissão. No ano passado, eles responderam por 15% dos desligamentos do setor na cidade de São Bernardo, percentual que caiu para 7% neste início de 2014.

O coordenador da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) na região metropolitana de São Paulo, Alexandre Loloian, chama atenção para outra mudança no comportamento do emprego no ABC paulista. A pesquisa, feita em conjunto pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), aponta que nos últimos 12 meses voltou a aumentar o número de trabalhadores sem carteira e por conta própria na região, enquanto o total de assalariados com carteira assinada caiu 2%. Na comparação com fevereiro de 2013, o total de trabalhadores contratados sem vinculo formal subiu 7% e o de autônomos, 17%.

"Esse comportamento foge do padrão dos últimos anos e o aumento dessas vagas reflete a insegurança dos empregadores e a procura por outra ocupação para evitar o desemprego", diz Loloian. Na região, a taxa de desemprego está se comportando, por enquanto, dentro do padrão. Ficou em 10,3% em fevereiro, acima dos 9,5% de igual mês do ano passado. Na indústria, foram fechadas 34 mil vagas desde dezembro, das quais seis mil no setor metal-mecânico, mas esse movimento é normal no início do ano, pondera Loloian.

Santana, dos Metalúrgicos do ABC, lista três frentes de negociação para tentar minimizar - e conter - o efeito negativo da queda da produção sobre o emprego. Um programa de renovação da frota de caminhões (com crédito para a compra de caminhões novos), crédito para automóveis com apoio dos bancos públicos (no ano passado, cita ele, 1,6 milhão de pedidos de crédito foram negados e se apenas 20% deles fossem atendidos poderia se ter um mercado extra de 300 mil veículos) e novas regras de proteção do emprego, com ampliação do uso do chamado "layoff". Pelas regras atuais, diz ele, o uso desse instrumento está limitado a cinco meses e ao valor do seguro-desemprego.

O sindicato, junto com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), sugeriu ao governo criar um fundo com os recursos da multa adicional de 10% sobre o saldo do FGTS (que já existe) para compensar parte das despesas que as empresas têm no afastamento de um funcionário. Santana explica que no caso de uma redução de jornada de 20%, esse fundo poderia ser usado para evitar redução de salários. No caso, o fundo custearia parte da redução dos salários, que não teriam o corte proporcional de 20%