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Reza a lenda que a maldade tem que ser feita no início de mandato e de uma vez. Na prática, no entanto, seja ou não por vontade do governo, parte dos ajustes macroeconômicos pedidos pelo mercado, mas esperados apenas para 2015, já estão ocorrendo - o que, para alguns analistas, abriria espaço para um desempenho melhor da economia a partir do ano que vem.
Câmbio desvalorizado, juros em trajetória ascendente, ajustamento no mercado de crédito e até mesmo uma sinalização mais benigna na área fiscal compõem o pacote de eventos que, bem aos poucos, entra na conta dos analistas, como mostra o último relatório Focus, do Banco Central.
"Até cerca de nove meses atrás tinha gente achando que o Banco Central não subiria juros em 2014, ano de eleições", diz Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. A lógica, diz Borges, não só foi quebrada como o juro no Brasil deve chegar ainda na primeira metade deste ano perto de 11% ao ano. Para ele, o ajuste deixa o Brasil em vantagem com relação a outros emergentes, cujos juros nominais estão em torno de 3% ao ano, em média, com o juro real próximo de zero ou até mesmo negativo, como é o caso do México.
Enquanto essas economias terão de se ajustar, diz Borges, o Brasil deve encerrar a primeira metade de 2014 com o juro real próximo do equilíbrio - taxa que mantém a inflação estável. "Assim, quando o BC americano começar a subir juro estaremos à frente da curva". A LCA espera que a Selic feche o ano em 11,25%, pouco acima da mediana de analistas do mercado, que aponta 11,13%.
No mercado, a percepção de que os ajustes já estão em curso também é compartilhada. Luiz Carlos Mendonça de Barros, diretor da Quest Investimentos, concorda que a alta da Selic foi a terapia correta para esfriar o consumo e melhorar a trajetória de inflação. Em entrevista ao Valor publicada na quarta-feira, Marcelo Kfoury, superintendente do departamento econômico do Citi Brasil, é outro que aponta as mudanças. Desde meados do ano passado, diz ele, o BC passou a trabalhar com outra matriz econômica orientada por juro alto, mais intervenção no câmbio e mais disciplina fiscal, mudança de rota já percebida ao menos pelo investidor estrangeiro.
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Em relação ao câmbio, o governo até tentou fazer o ajuste em 2012, mas o fato é que a desvalorização mais forte veio por conta do cenário externo. "Isso não quer dizer que o câmbio não vai oscilar. Mas diminuíram muito as chances de haver uma desvalorização de quase 40% como a que tivemos de 2012 para cá", diz Borges, da LCA. Para ele, os efeitos benéficos de câmbio depreciado serão sentidos no médio prazo, com o aumento da competitividade e melhora das contas externas via exportações. O outro lado da moeda, diz ele, é que, no curto prazo, deve gerar mais inflação.
O ajuste também vem sendo feito, há um pouco mais de tempo, no mercado de crédito. Segundo Borges, desde 2011, com as medidas macroprudenciais, o mercado vem desacelerando e o crescimento do setor, que chegou a 35% ao ano, deve ficar ao redor de 14% em 2014. Borges reconhece que há uma preocupação na composição do crédito, já que hoje é puxado pelos bancos públicos, mas essa participação deve encolher, especialmente se o governo reduzir, como promete, os aportes ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A última perna do ajuste, a parte fiscal, suscita as maiores controvérsias. "Mas só o fato de [o anúncio] não conter nenhuma manobra contábil, já é positivo. Eles não vão atingir a meta prometida [de 1,9% do PIB], mas se o superávit chegar a 1,5% de forma limpa já é melhor", diz Samuel Pessoa, pesquisador associado do Ibre/FGV.
Para Pessoa, o ajuste macroeconômico começou em meados do ano passado, quando ficou claro que a "estratégia nacional-desenvolvimentista não trouxe crescimento e o ajustamento da economia americana bateu de frente com o calendário eleitoral local". Com tudo isso, diz Pessoa, o governo teve que ajustar a estratégia de "empurrar com a barriga", começando com as medidas de custo político menor, como a alta dos juros e um pouco do aperto fiscal. "A Dilma adoraria estar com juro de um dígito e, no processo eleitoral, dizer que o FHC foi o presidente da estabilização, Lula da inclusão social e ela, do juro baixo. Mas adotou a política de dar os anéis para ficar com os dedos, evitando corrida maior do câmbio", diz Pessoa.
Para Borges, se o governo entregar o que promete em 2014, a economia deve crescer menos neste ano, mas construir bases sólidas para ter um desempenho melhor de 2015 em diante. Algumas pendências, no entanto, ficarão para depois das eleições. Dentre elas, cita o ajuste fiscal dos governos regionais, a correção de alguns preços administrados importantes - como energia elétrica, combustíveis e transporte público -, e a retomada das concessões, especialmente de ferrovias.
Pessoa acredita que o momento é parecido com o fim do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando sabia-se que era preciso fazer a transição do câmbio fixo para o flutuante, mas a medida ficou para depois das eleições. "É meio parecido. O que não tem custo político muito alto será feito agora e o que tem, depois".
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