O Brasil transformou a posse de Roberto Azevêdo na direção da Organização Mundial do Comércio (OMC) numa demonstração de seu temor diante da iniciativa de EUA e Europa em fechar tratados de comércio separados, deixando de fora o resto do mundo e abandonando acordos multilaterais. A indústria brasileira admite que esse mega-acordo deve gerar duras perdas às exportações do País.
Azevêdo fez ontem (9) seu primeiro discurso apontando para os caminhos que quer conduzir a OMC, numa espécie de posse. Mas o evento acabou marcado pela preocupação de vários governos diante do risco do colapso do sistema comercial.
Depois de quase 20 anos sem um acordo global, as grandes economias começam a buscar alternativas bilaterais, iniciativas que poderiam enfraquecer o sistema multilateral.
Nos países emergentes, a negociação entre EUA e Europa é vista como ameaça e que, na prática, enterraria a relevância da OMC. Não apenas um acordo geraria perdas para exportadores de países que ficariam de fora. Mas, além disso, haveria o risco de que, no longo prazo, os emergentes tenham de aceitar regras criadas justamente por americanos e europeus.
A busca por acordos fora da OMC coincide com o fato de que, desde a posse de Barack Obama, em 2008, a Casa Branca jamais fez um gesto de concessão nas negociações. Para muitos, isso tem sido interpretado como um esforço deliberado de Washington para evitar qualquer acordo que possa dar mais vantagem comercial aos emergentes, mesmo que isso signifique a paralisia do sistema.
Alerta
O tom do alerta foi dado pela própria presidente Dilma Rousseff, que mandou uma mensagem para Azevêdo e que foi lido pelo novo chanceler, Luiz Alberto Figueiredo Machado. No lugar de atacar americanos e europeus, a opção foi por insistir que o caminho não eram acordos fora da OMC.
"Chegou o momento de colocar de volta nos trilhos as negociações e revigorar a OMC", declarou a presidente.
"Você (Azevêdo) pode contar com o forte compromisso do Brasil à OMC e ao multilateralismo como um instrumento essencial para promover a prosperidade e o desenvolvimento de todas as nações."
Dilma, após hesitar por meses se apoiaria Azevêdo, ontem (9) deixou claro que tem total confiança" de que o brasileiro "tem todas as qualidades necessárias para ajudar os países a revigorar a organização em direção a uma ordem mundial mais justa e próspera, nesse momento crítico da economia mundial".
Justiça social
Dilma não hesitou desta vez em sair em defesa da OMC, como "um ativo de enorme relevância para a ordem internacional". "Manter um sistema comercial multilateral efetivo e operacional é de interesse de todos", insistiu.
Para ela, a OMC tem a função até mesmo de dar um incentivo "vigoroso" ao comércio para permitir que a economia mundial "entre em um novo período de crescimento econômico com justiça social".
Para Dilma, evitar um fracasso na próxima conferência ministerial da OMC, em Bali, no final do ano, será "crucial para fortalecer a organização".
Durante o G-20, Azevêdo já tinha escutado o mesmo recado da presidência chinesa, que insistiu que daria todo seu apoio ao processo liderado pelo brasileiro. A mensagem foi interpretada também como um recado aos americanos, que saem em busca de acordos fora da OMC.
Ao deixar a reunião de ontem (9), o embaixador americano na OMC, Michael Punke, fez questão de demonstrar seu apoio ao plano de Azevêdo. "Ele apresentou uma agenda ambiciosa", apontou. Mas deixou claro que, em Bali, não vai haver um acordo de substância nos pontos mais delicados da agenda.
Por Jamil Chade/ O Estado de S. Paulo