As duas maiores confederações empresariais do país pressionam o governo brasileiro a se desvincular dos sócios no Mercosul e apresentar uma proposta de liberalização comercial diretamente à União Europeia. Os dois blocos econômicos retomaram, em 2010, as negociações para um acordo de livre comércio. Lideranças da indústria e do agronegócio temem que o protecionismo da Argentina impeça os sul-americanos de apresentar até o último trimestre deste ano uma oferta conjunta de redução das tarifas de importação, conforme combinado com os europeus.
Para evitar que a paralisia argentina dificulte avanços nas discussões, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sugerem ao governo uma nova estratégia comercial: um "acordo guarda-chuva" do Mercosul com a UE.
Regras gerais poderão ser definidas em conjunto, o que constituiria um "guarda-chuva" mais amplo, na proposta feita pelas entidades ao Ministério do Desenvolvimento e ao Itamaraty. Já os setores e o ritmo de abertura ficariam a cargo de cada país, caso não haja consenso entre os sócios do Mercosul. Um modelo semelhante foi usado em negociações com o México e com a Comunidade Andina, mas o governo ainda resiste em aplicar a mesma lógica no acordo comercial com a UE.
"Se der para fazer um acordo via Mercosul, ótimo. Mas não podemos perder essa oportunidade por causa da resistência argentina", diz a presidente da CNA, Kátia Abreu. Segundo ela, o empresariado brasileiro nunca esteve tão afinado como agora para fazer uma oferta aos europeus. "Já temos uma harmonia quase perfeita entre a indústria e o agronegócio", afirma Kátia, que é também senadora (PSD-TO).
O presidente da CNI, Robson Andrade, faz uma observação na mesma linha. "A gente vê que outros países do Mercosul acabam dificultando e travando nossos acordos internacionais. Entendemos a importância da Argentina, que é um parceiro comercial e um sócio estratégico, mas não podemos permitir que sua posição nos impeça de levar adiante as negociações com a UE", diz Andrade.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) endossa a sugestão. Em sua agenda de integração externa, conforme documento lançado no mês passado, a entidade defende a assinatura do acordo Mercosul-UE até o fim de 2014 e sua implementação "em etapas diferentes". Na prática, isso significa que cada país possa combinar diretamente com os europeus o ritmo de liberalização de suas próprias economias.
A Coalizão Empresarial Brasileira, um grupo formado pela indústria e pelo agronegócio, já entregou ao governo um rascunho da oferta que poderá ser apresentada aos europeus para iniciar efetivamente as negociações sobre redução das tarifas de importação. "Trabalhamos intensamente nos últimos meses para elaborar a nossa lista", afirma a gerente-executiva da unidade de negociações internacionais da CNI, Soraya Rosar. A lista pode ser acatada integralmente ou alterada pelo governo, mas Soraya diz que ela constitui uma proposta "expressiva" para dar partida ao processo de barganha com a UE.
O Valor apurou que a lista do setor privado prevê a queda das tarifas aplicadas pelo Brasil a cerca de 80% das importações provenientes do bloco europeu. Na parte agrícola, há apenas três categorias de "sensibilidades" - grupos de produtos que devem ser protegidos e ficariam de fora do livre comércio. Só vinhos, laticínios e cacau foram enquadrados como "sensíveis".
No caso do cacau, o receio é que a UE se aproveite de triangulação com as importações oriundas de países pobres da África e possa inundar o mercado brasileiro. Na indústria, a postura diverge por segmento. Em todos os casos, o horizonte de redução das alíquotas a zero varia de 10 anos (no mínimo) a 15 anos (no máximo), a contar da aprovação final do acordo - incluindo o aval do Legislativo.
Na próxima sexta-feira (12), os presidentes do Mercosul se reúnem na cúpula do bloco, em Montevidéu, e o acordo com a UE deve estar em pauta.