por Alberto Machado Neto    |   13/08/2019

Retrocesso no conteúdo local ou progresso no desenvolvimento do País?

Alberto Machado, M.Sc. é Professor e Coordenador Acadêmico da FGV e Diretor Executivo de Petróleo, Gás Natural, Bioenergia e Petroquímica da ABIMAQ.

Estamos acompanhando pela imprensa e por declarações de diversas entidades, manifestações contra o Projeto de Lei que estabelece regras de exigência de conteúdo local nos empreendimentos de petróleo e gás (Projeto de Lei 9.302/2017), pois consideram que o PL contraria a chamada “flexibilização” recente, que tem sido alardeada como decisiva para relançar “exitosos” leilões de petróleo.

Por esse motivo, caracterizam o PL como ameaça aos futuros leilões e como um retrocesso, o que, absolutamente, não é verdade.

Infelizmente, toda a análise que tem sido propalada por alguns segmentos do setor de óleo e gás é parcial e não representa a realidade se considerada a economia do país como um todo.

Produtividade, competitividade, benefício dos investimentos, geração de empregos, fatos que causaram sucessos ou fracassos no passado estão sendo usados com visões unilaterais que podem levar a conclusões equivocadas e que poderão acarretar graves e irreparáveis consequências para o País.

Cabe destacar que os investimentos só agora estão sendo destravados por outros fatores mais representativos que as exigências de conteúdo local, como exigências ambientais, a queda da cotação do petróleo, a crise política do país, a crise financeira e de gestão da Petrobras, a paralização dos leilões por longo tempo, a baixa qualidade das áreas ofertadas nos poucos leilões realizados antes de 2013 e a exigência de operador único com participação compulsória da Petrobras nos consórcios da Partilha, só para citar alguns exemplos.

Por outro lado,  medidas tomadas até agora como a Resolução CNPE Nº 7, que reduziu praticamente a zero as exigências de conteúdo local e  a Lei do Repetro (Lei 13.586 de 2017) que isenta totalmente de impostos os produtos importados podem ser caracterizadas como uma Política Industrial às avessas, pois privilegiam as importações em detrimento da indústria nacional, unicamente para otimizar o negócio produção e exportação de petróleo, negócio esse em que os maiores interessados são as empresas de petróleo, do Tesouro Nacional e de alguns Estados da União que buscam retorno imediato proveniente unicamente dos bônus de assinatura e posteriormente dos royalties.


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Não basta o Brasil produzir petróleo para se tornar um importante exportador. O petróleo tem que gerar empregos aqui e, mesmo que o recurso dos royalties gerados vá para educação, nada se resolve se não houver emprego para os formados.

A partir do surgimento da Petrobras em 1953, o Brasil conseguiu implantar em seu território um competente parque industrial e tecnológico, equiparado aos dos principais países desenvolvidos. Cabe lembrar que a maioria das empresas hoje instaladas é constituída por filiais das principais empresas transnacionais, porém com CNPJ (portanto empresas nacionais) e gerando aqui emprego e renda. Logo, declarações de autoridades e algumas entidades sobre baixa produtividade ou carência de tecnologia local para uso imediato não correspondem à realidade.

As fábricas são as mesmas e, na maioria dos casos, até mais modernas, a tecnologia é a mesma e a gestão é a mesma. Lembro que a esmagadora maioria dos fornecedores do terceiro elo da cadeia de fornecimento para a indústria de petróleo não esteve envolvida nas investigações da Operação Lava Jato. 

O que é lamentável é que tais benefícios, ou incentivos, não permearam toda a cadeia de valor e ainda mudaram radicalmente condições já estabelecidas e firmadas em contratos, modificando premissas que levaram a elevados investimentos em instalações aqui.

Por que beneficiar só uma parte do setor e justamente a que menos contribui para a geração de emprego e renda?

Os valores estabelecidos no PL em questão são perfeitamente exequíveis, cabendo observar, apenas como exemplo, na plataforma P-76 recém-concluída, foram alcançados índices bem superiores àqueles constantes no projeto de lei. Igualmente são compatíveis com um mínimo que as empresas que exploram uma riqueza, que é da sociedade brasileira, devem ter a obrigação de retornar para essa mesma sociedade. Uma contrapartida para o privilégio de explorar um bem da união. Lembro ainda que a União pertence aos brasileiros, incluindo aqueles que estão desempregados e aqueles que têm subempregos.

Vale lembrar o exemplo dos países do Atlântico Norte, como Noruega e Reino Unido, que transformaram um bem mineral finito em riquezas para seus países, deixando de ser exportadores de petróleo e passando a ser exportadores de máquinas e equipamentos. Logo é necessário que o Congresso tenha uma visão estratégica, que considere o Brasil e que busque uma solução de meio termo que, atraia investimentos, mas que esses investimentos sejam efetivamente aplicados aqui e não apenas ricocheteiem, trazendo tudo de fora e exportando o petróleo, tal como ocorre na maioria dos países da OPEP.

Terminando, vale lembrar o velho ditado: “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. Nesse caso o remédio para alguns segmentos está se tornando um veneno para todo o restante da sociedade brasileira. Logo, ao invés de retrocesso no conteúdo local, o PL trará progresso para o desenvolvimento nacional. Aliás, retrocesso é voltar aos anos setenta, quando o Brasil importava todos os equipamentos e depois tinha que, a duras penas, buscar a substituição de importações de partes e peças para conseguir manter a continuidade operacional.

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.

Alberto Machado Neto

M.Sc. é Professor e Coordenador Acadêmico da FGV e Diretor Executivo de Petróleo, Gás Natural, Bioenergia e Petroquímica da ABIMAQ.